Quando se fala que o futebol está sendo elitizado, infelizmente somos obrigados a concordar.
Começou com a FIFA, exigindo estádios com assentos individuais, com adesão quase total no mundo inteiro, apesar de não ser obrigatório.
Muitos donos de estádios resistiram enquanto puderam, mas acabaram se rendendo, muitas vezes por pressão da própria torcida ou das autoridades políticas e policiais locais.
Alguns ainda resistem.
Os estádios ficaram com menos lugares, os preços dos ingressos mais caros e as redes de televisão entraram pesado no jogo, investindo fortunas nas compras dos direitos de transmissão e impondo as suas regras. A renda dos jogos, que antes eram a principal fonte de arrecadação dos clubes passou a contar pouco. Até que se tornaram reféns das TVs mundo afora e elas passaram a ditar regulamentos e horários, que em muitos casos fogem do bom senso.
Com a chegada dos canais pagos, aí é que danou tudo. Mais dinheiro para os clubes e o interesse que o torcedor opte em adquirir um pacote e fique em casa mesmo, incentivado também pelas dificuldades de se ir até o estádio: deslocamento, violência, falta de estacionamento e as demais questões. Estádios grandes para quê? Aquela imagem clássica do torcedor banguela, na geral, com o seu radinho de pilha, está cada dia mais distante. Entrou para a história, como os dinossauros extintos.
O povão agora só pode curtir o futebol pela TV aberta, pelo rádio, ou quando um bar abre o sinal do seu pay-per-wiew para a clientela.
Caro demais para um cidadão assalariado ir a um estádio. Além do preço do ingresso, a dificuldade cada vez maior para adquiri-lo.
O jornalista Rômulo Ávila escreveu um artigo sobre o assunto na revista digital Dom Total, que vale a pena ser lido:
“Saudade da geral”
O Independência nunca teve. O Mineirão tinha, mas não terá mais. Só de pensar que não teremos mais a geral nos principais estádios brasileiros, bate um misto de saudade e nostalgia.
Parei para pensar nessa perda irreparável no último final de semana, quando uma amiga resolveu levar o filho, de seis anos, ao Independência, para ver o jogo entre Atlético x Portuguesa. Depois de muito sacrifício, ela conseguiu comprar três ingressos para o setor da ‘gaiola’. Pagou R$ 100 pelos bilhetes (deu sorte ao conseguir um bilhete de meia-entrada para o filho). Um absurdo para um país como o Brasil, onde a maioria da população e, especialmente, dos torcedores recebe um salário mínimo (R$ 622).
Foi aí que tive a certeza de que o futebol popular, dos geraldinos do Mineirão, do Maracanã e de outros tantos estádios Brasil afora, é coisa do passado. Um pai de família que recebe R$ 622 não tem condições de tirar R$ 20, R$ 40 para assistir a uma partida de futebol.
Isso me fez pensar na geral do velho Mineirão. Por mais que a visibilidade não fosse a ideal, era lá que ficavam os torcedores mais humildes. Era lá que o pai assalariado levava o filho para ver o time do coração. Pouco importava se ele tivesse que ficar com a criança nas costas durante os 90 minutos, se tivesse chovendo ou fazendo um calor do deserto. Lá estavam os geraldinos, alegres e empurrando o time do coração. O clima único da geral era tão especial que muitos não trocavam o local nem mesmo por vaga na cadeira cativa.
Confesso que fiquei poucas vezes na geral, mas sempre troquei alguns minutos do jogo pelas manifestações espontâneas e únicas dos geraldinos. O Mineirão ainda está fechado para reformas visando à Copa do Mundo de 2014, mas quando for reaberto eles, os históricos geraldinos, não terão mais vez. Vão ficar apenas na memória.
Muitos desses folclóricos torcedores nem terão condições financeiras para assistir a uma partida do time do coração no Gigante da Pampulha. O esporte mais popular virou exclusividade da elite. Os últimos ingressos de geral do Mineirão foram vendidos em maio de 2010, por R$ 10 inteira e R$ 5 meia-entrada . Qualquer torcedor podia ir.
Hoje, o geraldino que quiser fazer um sacrifício para ver um jogo na Arena Independência tem que pagar, no mínimo, R$ 20 para ficar preso na ‘gaiola’, como um passarinho. Eu sei, o futebol evoluiu, ficou mais caro, muitos dizem até que se profissionalizou… . Mas, se isso é verdade, só aconteceu porque milhões de torcedores apaixonados, como os geraldinos, contribuíram para tal. A sensação de ‘assistir’ a uma partida no terceiro piso do Independência, descreve um amigo, é de estar preso, vendo o mundo nascer quadrado. Muito diferente da liberdade que a geral do Mineirão proporcionava. Que saudade da geral!
http://www.domtotal.com.br/colunas/detalhes.php?artId=2905
* Rômulo Ávila é jornalista formado pela Newton Paiva. Foi repórter esportivo durante dois anos do extinto Diário da Tarde (tradicional periódico de BH fechado pelos Associados Minas em julho de 2007). Atualmente é repórter do Portal DomTotal. Antes de cursar comunicação, foi jogador de futebol profissional. Começou no Vila Nova-MG e passou pelo futebol paulista e nordestino.
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