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32 mil acessos numa música renderam R$ 0,13 a um dos maiores nomes da música brasileira

Na vida não há nada fácil pra ninguém. Tudo muda, a tecnologia e os novos costumes obrigam a todos a se adaptar, se virar, para não estagnar ou sucumbir. Vida de artista também não é fácil, ao contrário do que muita gente pensa. Veja esta ótima entrevista do Roberto Frejat, à coluna da Mônica Bergamo, hoje, na Folha de S. Paulo:

* ‘Rock perdeu relevância política no Brasil para o rap’, diz Frejat 

Frejat, 54, não faz questão de poupar a garganta antes de seus shows. Numa sexta-feira de trânsito caótico em SP, o carioca solta a voz antes de apresentação na cidade. Fala sem parar durante as quase duas horas que sua van demora para ir do hotel ao Citibank Hall, ambos na zona sul da cidade.

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Os músicos que o acompanham em sua carreira solo também tagarelam no banco de trás. Comentam a Olimpíada, dizem que o reality “Casa dos Artistas” (SBT) era muito mais engraçado que o “Big Brother Brasil” (Globo), elogiam e detonam apresentadores e discutem qual o melhor lugar para comer em SP.

 

Sentado na frente, Frejat nem ouve a conversa. Está concentrado no papo com a repórter Letícia Mori sobre o futuro do mercado fonográfico. Conta que nunca mais vai lançar nenhum disco.

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“As músicas vão continuar acontecendo, mas disco é um formato que acabou. O CD você pode fazer para dar para os amigos, mas o público mesmo só consome novas plataformas. Hoje mesmo estou lançando vários singles na internet”, diz o cantor. “Eu nunca fiz álbum conceitual, sempre foram coletâneas de músicas que eu já tinha gravado.”

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“Meus filhos piram com minha coleção de vinil. Já eu não tenho o menor saco”, diz, rindo, o pai de Rafael, 20, e Julia, 16. “Disco, agulha, barulho, fica pulando… Tendo vindo do vinil, não sinto a menor necessidade voltar a ele. A música digital pode ter uma qualidade incrível, olha aqui” -e tira da mochila um tocador de som importado.

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Assinante de dois serviços de músicas por streaming (Deezer e Spotify), Frejat diz que é um “modelo interessante de consumo, mas, neste momento, um péssimo modelo de negócio para o artista”.

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Sua crítica é à forma de remuneração: “É imoral! Tive 32 mil acessos numa música. Sabe quanto recebi? R$ 0,13! Antigamente a venda de 32 mil compactos ia dar uns R$ 5.000”, diz. Frejat é um dos membros mais ativos do GAP (Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música), criado em 2005 para defender direitos dos artistas. Também se juntou à associação Procure Saber, que tem entre os integrantes cantores como Gilberto Gil e Caetano Veloso.

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“Não eram Chico, Caetano e Gil que mais estavam sendo prejudicados, eram os artistas menos famosos. E os três tiveram muita generosidade em se juntar a esse movimento.” Diz que vê com preocupação a transição do novo ministro da Cultura, Marcelo Calero. “Ele diz que vai priorizar o diálogo, mas se coloca numa posição de começar a mediar uma situação que já está sendo mediada há dez anos”, afirma, se referindo à luta dos músicos para que o governo fiscalize e regule a cobrança de direitos autorais.

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Apesar do receio em relação ao ministério, Frejat não se posiciona sobre o impeachment. “Tenho minha posição pessoal, como cidadão, mas como agente político não posso escolher um lado. Temos que dialogar com todos.”

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O que critica é o que chama de “cultura dos haters”. “Aquelas pessoas que ficam o tempo todo na internet falando mal de tudo e todos. Eu, por exemplo, nunca tive projeto financiado por Lei Rouanet, mas acho que, apesar de alguns problemas, ela tem aspectos muito positivos de incentivar a cultura no país. O mundo todo está assim, muita gente que dá opinião sem conhecer o assunto e sempre com muita raiva, muito ódio”, afirma.

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Entediados com a viagem –o grupo está há quase meia hora na mesma avenida–, os músicos no banco de trás encerram o papo e reclamam do trânsito. Frejat não desanima e continua falando de música. Diz que o rock não tem mais a relevância política que tinha nos anos 1980, quando começou a carreira ao lado de Cazuza no Barão Vermelho.

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“A maneira como a gente falava, tanto de amor quanto do dia a dia na cidade, foi modificando como as pessoas viam as coisas. Tanto nas letras mais românticas do Cazuza, como nas existenciais do Renato [Russo] ou com o humor do Roger [Moreira], o enfrentamento mais agressivo dos Titãs e as letras bonitas do Herbert [Vianna]… A gente tinha um discurso que acabava sendo político, mas era muito baseado no que a gente sentia: queríamos liberdade, viver sem tanta preocupação, sem tanto medo da repressão da ditadura militar.”

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Ele segue: “Hoje em dia o rock tá muito mais ligado a uma linguagem musical do que a uma coisa comportamental. Qualquer tipo de pessoa pode ser apreciadora sem ter identificação com o estilo de vida rock’n roll” -que Frejat diz ter aproveitado muito. Casado há quase 30 anos com a empresária Alice Pellegatti, conta que “aprontou muito” com a mulher e que tenta passar essa visão de liberdade e abertura para os filhos.

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Fã de Emicida e Gabriel, o Pensador, enxerga “o hip hop como uma música muito mais ligada a esse discurso da rebeldia, da inquietação e da contestação da sociedade. No rap cabe melhor a questão política, é mais falado. E tem hoje toda uma consciência e um engajamento em torno do movimento musical que o rock já não tem. Aí a garotada que tem posição política forte se identifica com o rap”.

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Frejat vê como natural que alguns roqueiros de sua geração tenham se tornado conservadores. “Cada um seguiu seu caminho e achou sua verdade. Eu respeito, mas procuro manter minha visão sempre o mais progressista possível”, afirma ele, que é a favor de descriminalização das drogas e do aborto, por exemplo. “Tenho amigos com posições diferentes, mas não estou a fim de brigar por causa disso. Ser aberto e conviver é que é ser verdadeiramente progressista”, diz, pacificador.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2016/09/1811892-rock-perdeu-relevancia-politica-no-brasil-para-o-rap-diz-frejat.shtml


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Comentários:
3
  • Sérgio Lopes disse:

    O cenário musical da atualidade é assustador. As canções são de péssima qualidade e a maior parte do público é fútil e alienado. Enfim, sugiro aos leitores que acessem : blogdosletradosdesalienados.blogspot.com
    Todos terão oportunidade de refletir a respeito de questões culturais, sociais, religiosas, educativas, políticas e econômicas. Aguardo a visita de todos os leitores…
    Abraço fraterno,
    Sérgio Lopes

  • Alisson Sol disse:

    O Frejat está fazendo o mesmo que muitas pessoas fazem: o “saudosismo seletivo”… Este pessoal que hoje reclama aí de pouca renda na Internet, é o mesmo que antigamente enchia a paciência querendo proibir a “fita cassete”, pois com ela as pessoas copiavam os discos e não pagavam a eles. Ora: eu, pessoalmente, não gosto de rap. E, pior ainda, tenho de aguentar música sertaneja mais de 90% do tempo nas festas em que vou no Brasil. Mas paciência: se é o que a maioria quer, é o que vai se produzido e divulgado!

    E, na escala da Internet, ter 32 mil acessos é praticamente “nada”. Há músicas com mais de 2 bilhões de acessos (link). E qual o “custo de distribuição” para o artista hoje: praticamente zero. Tem artista cuja carreira inteira saiu de um vídeo na Internet (Bieber, etc.).

    Todo mundo reclama do governo, mas corre para chamar a “mamãe” na hora de fiscalizar os direitos autorais. E note a parte “… e tira da mochila um tocador de som importado.“. No Brasil, só se monta tecnologia em Manaus e alguns poucos outros lugares, para se obter incentivo fiscal. Queria ver como o movimento Ludista artístico ia fazer sem suas guitarras Fender, seus teclados Yamaha, etc. No cinema então: são verdadeiros “socioalistas de smartphone”, todo mundo querendo dinheiro do governo para comprar/alugar câmera importada para fazer filme de roteiro confuso e chamar de “arte”…

    Lei Rouanet incentiva “cultura”? Sim, para quem tem conexão política e empresarial. É só ver a lista dos maiores beneficiados (link). Sou contra cultura? Claro que não. Foi ótimo visitar Inhotim. Mas e o dia em que a população precisar de um hospital? Vai se sentar numa “sala sensorial” e esperar a dor passar? Porque é ali que está o imposto que devia ter sido usado naquilo que o estado tem de prover: saúde, segurança e educação.

    • Marcelo Araujo disse:

      Falou tudo!! Tem que se adaptar. O Frejat não deve tá sabendo que o youtube paga mais que o spotify. e agora o YT também mudou a politica de monetização. O cara é carne de pescoço. Tá nadando contra a corrente, mas não só pra exercitar.