Atlético e Cruzeiro têm eleições daqui alguns meses, mas o cheiro da campanha eleitoral de cada um já se faz sentir, na mídia. Em ano eleitoral em todo grande clube, notícias negativas, principalmente sobre finanças internas surgem com uma força proporcional ao tamanho da disputa. Muitas vezes, informações que só gente lá de dentro detém, e que são “vazadas” pontualmente. Opositores sempre têm gente estrategicamente espalhada. Até outro dia, a dívida do Atlético com o Grêmio (aquisição do Victor) ocupou manchetes desproporcionais ao tanto que a notícia merecia.
Hoje foi a vez da vida interna do Cruzeiro ser esmiuçada, pelo site da revista Época. Vejo exagero tanto no caso do Galo quanto da Raposa:
* “As finanças do Cruzeiro: o inchaço do bicampeonato cobra ao clube seu preço”
Gilvan de Pinho Tavares inflou a folha salarial a um ponto insustentável para ser campeão nacional em 2013 e 2014. O presidente, agora, sofre para controlar custos e dívidas
Rodrigo Capelo
“Para os próximos sete anos, estou satisfeito com os milhões que ganhei lá”, dizia, sorrindo, o técnico Mano Menezes em sua primeira entrevista coletiva no retorno ao Cruzeiro após meia temporada na China. Naquela ocasião, em julho do ano passado, o treinador descartava também exigir novos atletas em sua segunda passagem pela equipe. Era o que Gilvan de Pinho Tavares, o presidente celeste, precisava ouvir. Em regime de contenção de gastos por todo o seu segundo mandato, o cartola tem lidado com as consequências das escolhas que fez nos primeiros e vitoriosos três anos à frente do clube. Apesar de ter sido um ano de bonança no futebol brasileiro, as finanças cruzeirenses se degradaram gravemente em 2016.
Antes de entrar propriamente nos números, vamos colocar os resultados dentro de campo em contexto para compreender o quadro. Gilvan conseguiu a proeza de ser bicampeão nacional em 2013 e 2014 e, logo depois, beirar a zona de rebaixamento em 2015 e 2016 – um desconforto do qual Mano Menezes o livrou duas vezes em ambos os anos. Como pode um time reinar absoluto por duas temporadas e quase cair nas duas seguintes? A oscilação brusca não acontece na Inglaterra, na Alemanha, nem em qualquer grande liga.
O Cruzeiro foi bicampeão porque inchou seus gastos no primeiro mandato de Gilvan. A folha salarial passou de R$ 71 milhões em 2012 para R$ 178 milhões em 2015. As aquisições de atletas, evidentemente, cresceram junto. O problema é que o clube não comporta tais despesas. Nos últimos anos, as receitas recorrentes – sem considerar luvas de novos contratos de TV e vendas de atletas – ficaram na casa dos R$ 180 milhões. Dado que além dos atletas há gastos administrativos, com viagens, hospedagens, materiais e tantos outros fins, a decisão de gastar 96% do faturamento recorrente com jogadores só podia dar errada. E deu. Em 2016, Gilvan reduziu a folha para R$ 149 milhões, ainda a terceira maior do país. Não resolveu.
No meio do caminho, outro desastre aconteceu. A máquina de fazer dinheiro do Cruzeiro quebrou. Havia nos primeiros anos de Gilvan a prática – comum por todo o futebol brasileiro, diga-se de passagem – de tomar dinheiro com terceiros e entregar fatias de direitos econômicos de jogadores como lastro. E não só com empresários do ramo do futebol. Pedro Lourenço de Oliveira, dono dos Supermercados BH e conselheiro cruzeirense, foi uma das pessoas que puseram dinheiro no clube. Ele ficou com percentuais como garantia. Até que, em 2015, a Fifa proibiu que terceiros detivessem partes dos direitos econômicos. Aí a farra acabou. O Cruzeiro abruptamente ficou sem uma fonte de financiamento importante.
O Cruzeiro não quebrou em 2015 porque recorreu, para a tristeza do torcedor, à venda dos principais jogadores que conquistaram o bicampeonato, como Egídio, Lucas Silva, Nilton e Ricardo Goulart. Só que a debandada não sanou o problema de Gilvan. O cartola cedeu os direitos econômicos desses e de outros atletas a empresários para conseguir crédito nas temporadas anteriores, lembra? Isso fez com que, dos R$ 142 milhões negociados em 2015, só R$ 67 milhões entrassem no caixa. Mais da metade foi parar nos bolsos de terceiros. O resquício disso também apareceu em 2016. De R$ 28 milhões negociados, o Cruzeiro recebeu efetivamente R$ 15 milhões.
A receita celeste em 2016, R$ 225 milhões, em queda, só não foi pior porque o contrato de TV rendeu R$ 104 milhões e outros R$ 27 milhões em luvas, prêmio por assinar antecipadamente a venda dos direitos de transmissão de 2019 a 2024 para a TV Globo. As bilheterias que o time obtém com o Mineirão são a metade do que arrecadou nos anos de glórias – uma queda natural, uma vez que a equipe perdeu desempenho no Campeonato Brasileiro, não chegou à final da Copa do Brasil, como em 2014, além da crise econômica no país que tirou dinheiro dos torcedores em geral. O fato é que, mesmo com as luvas da TV e a assinatura de um novo patrocínio estatal com a Caixa, o clube não arrecada tanto quanto gasta. Aí vêm os déficits.
O descontrole das finanças força o time a tomar dinheiro emprestado com bancos e dar calotes. Foi o que aconteceu. A dívida bancária cruzeirense subiu de R$ 17 milhões para R$ 60 milhões. O perigo é que, diferentemente de conselheiro que ajuda o clube a pedido do presidente, banco cobra juros. É o tipo de dívida que vira bola de neve. Em paralelo, por exemplo, Gilvan deixou de pagar o argentino Huracán pela compra do atacante Ramon Ábila. Cobrado publicamente pelo hermano, o presidente do Cruzeiro adotou o discurso do “devo, não nego, pago quando puder”. As dívidas com clubes e credores diversos somam R$ 94 milhões.
O endividamento não só aumentou em 2016, para R$ 358 milhões, como grande parte disso, 46%, é dívida de curto prazo, que precisa ser paga em 2017. Sem receitas suficientes para arcar com as dívidas e também com as altas despesas, o clube não tem muitas alternativas além de cortar gastos e vender mais atletas – que não rendem tanto “lucro” quanto poderiam por causa do fatiamento dos direitos econômicos. É o conjunto da obra – pintada por Gilvan e pelo ex-diretor de futebol celeste, o contratador Alexandre Mattos – que torna crítica a situação financeira do Cruzeiro. O alento ao torcedor é que, ao menos, pode contar com um dos melhores técnicos do país – Mano Menezes já ganhou milhões bastantes na China. + Siga o autor de ÉPOCA EC no Facebook e no Twitter.
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