A coluna do Marcos Caldeira, d’O Trem Itabirano:
*“OS GALOS AZUIS, DONOS DO MUNDO, DEVOLVERAM A CADA HOMEM O CAMPO DO CAVEIRINHA DE NOSSA INFÂNCIA”
(E a chuva cuspiu no poder, o poder falho, efêmero, que não pode)
A natureza fez a final da Copa do Mundo parecer Campeonato Amador de qualquer cidadezinha do Brasil – Bom Jesus do Amparo, por exemplo, ou Conceição do Mato Dentro. A chuva entrou em campo na hora da premiação, humilhou o cerimonial da Fifa, encharcou presidentes e provocou escorregões. Os jogadores da campeã França se atiraram no gramado, sujando a roupa de terra e adesivando na pele pedaços de papel dourado e fragmentos de grama. Linda festa. A gloriosa aquaplanagem dos galos azuis.
Parecia uma pelada, uma pelada maravilhosa, uma pelada de sonho. Qual menino nunca rolou num campo ensopado, clamando ao céu por mais água ainda? Ontem em Moscou, os atletas franceses fizeram o milagre de devolver a cada homem o campinho do Caveirinha de nossa infância, o campinho do Xurupita de nossa meninice, o campinho da Beira-Linha da criança que todos fomos, o campinho que jaz sob um prédio enorme ou avenida, mas que permanece intacto, com seus morrinhos e traves tortas, em nossa memória.
Nem com todo o dinheiro que circula na Europa neste momento, somado à disciplina de marcha do exército norte-coreano, a Fifa conseguiria organizar aquele maravilhoso espetáculo visto no estádio Luzhniki. Aquilo só é possível de graça e espontaneamente. “Chove chuva / Chove sem parar…”
O líquido divino caía nos fios de sol dos cabelos da bonitona presidente da Croácia, Kolinda Grabar-Kitarović, e cachoeirava pelo pescoço, infiltrando nos por dentro de sua alvirrubra blusa quadriculada, levando para a Rússia a poesia da música de Barreirito, que formou com Creone e Mangabinha o Trio Parada Dura: “No portão da sua casa / Enquanto a gente namorava / a chuva se aproximava / sem a gente perceber. E os pingos que caíam / o seu corpo foi molhando / No corpo a roupa colando / E aos poucos me mostrando / O que eu tanto queria ver”.
Mas a chuva que refresca e fertiliza também sabe ser severa, e cuspiu no poder do homem, o poder falho, o poder efêmero, o poder que não pode. Pingos espancaram a cabeça do presidente Vladimir Putin, ensoparam sua testa, escorreram por seu nariz, salivaram em seu queixo, inundaram sua nuca e desceram pelas costas, para mostrar quem manda no mundo, para deixar claro que a maior lei ali era a da gravidade. Toda água que cai na terra procura um rego para escoar…
Concluo esta série de textos sobre o mundial com um abraço a todos que tiveram a paciência de lê-los, com um agradecimento aos colegas que os republicaram Brasil afora, com uma homenagem aos criadores de piadas futebolísticas infames (até 2022, vão se Qatar) e reiterando o que escrevi na véspera da abertura da copa: futebol sempre, mas sem alheamento político.
Por falar nisso, juízo, Brasil: eleição em outubro. Cuidado com a truculência do militar defensor de torturadores. É melhor já ir se acostumando? Não, é melhor já rir desse tirano. Talvez a pessoa não tenha saudade da ditadura, como anda dizendo por aí, mas de um tempo em que era mais jovem.
O TREM ITABIRANO
PS – Assim que enviei, sábado, o texto intitulado “Decidido: minha TV ficará desligada na final da Copa do Mundo”, me ocorreu uma frase elucidativa de um contexto. Apressei-me para incluí-la, mas fui derrotado pela velocidade da tecnologia. Em alguns veículos, saiu com, noutros sem. Uniformizo agora o parágrafo, informando que nO TREM impresso a minha falha será corrigida. Ei-lo:
“Vai pra lá, volta pra cá, comuniquei à família que nossa televisão será desligada na hora de Croácia x França. Assim, ficarei em paz com minha consciência cívica. Foi aí que Aninha surgiu na sala, vinda do quarto dela, onde penteava sua nova boneca: “O mais repulsivo dos covardes é aquele que, em tempos sombrios, opta pela neutralidade”. Essa santinha do pau oco oculta textos de filosofia e de ciência política na barriga da Barbie, só pode”.
Por Marcos Caldeira.
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