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Da coçada no saco à mágoa por se considerar vítima de preconceito. Ótima entrevista do Givanildo

Uma ótima entrevista do comandante americano à Luiza Oliveira, do Uol. É longa, mas vale a pena ler

Não sei se ele está certo nessa afirmação, pois só quem é vítima sabe onde dói o calo. Mas, pode ser sim. Afinal, é um dos treinadores mais vitoriosos do país e a sua competência é incontestável. Além de grande figura humana. Homenageado inclusive pelo jornalista Henrique André (Hoje em Dia), que vestiu essa camisa e postou em seu twitter, no dia 28 de março, quando o treinador celebrava 50 anos de futebol:

“É porque sou do lado de lá

Rei do Acesso”

Givanildo Oliveira tem mais de 40 títulos na carreira, mas nunca teve o valor que merece

Por Luiza Olveira do UOL, em Belo Horizonte

Era mais um dia comum de trabalho no Athletico-PR quando Givanildo Oliveira saiu de seu hotel e parou na banca para comprar jornal. Uma capa com a sua foto chamou a atenção: “Se Givanildo perder amanhã, vai voltar pro sertão”. É verdade que o momento do time não era bom no Brasileirão de 2006, mas só uma coisa vinha à cabeça: “Filho da mãe”. O técnico até preferiria o jornal concorrente, mas faz questão de comprar um exemplar. Ao fim do treino, interrompeu o burburinho dos jornalistas na sala de entrevistas do clube: “Hoje, o primeiro sou eu”. Antes de começar a falar, passou, de jornalista a jornalista, o jornal com sua foto. Fez questão de se certificar que todos leram – inclusive o autor – antes de dobrar o jornal. “Deixa eu falar uma coisa para vocês: se eu voltasse para o sertão, iria com a maior alegria. O sertão nosso é lugar de gente honesta, de palavra, de homem. É um lugar puro. Agora, o sertão para onde eu vou voltar sabe qual é? Primeiro que aqui vocês não têm praia, têm que ir procurar. Mas eu moro num lugar em que desço do meu apartamento, ando do elevador até o portão. Abrem o portão para mim, eu atravesso a rua, ando uns cinco metros e piso na água do mar. É esse o sertão para onde eu vou voltar. Agora, podem perguntar o que quiserem”.

Ex-jogador de sucesso no Corinthians e na seleção brasileira, Givanildo Oliveira é um dos técnicos mais vitoriosos do futebol brasileiro. É recordista de títulos em campeonatos estaduais, virou o rei do acesso e levou o modesto Paysandu à Libertadores. Há registros de que soma perto de 40 títulos na carreira, mas até ele perdeu as contas.

Em um mundo em que só o resultado importa, Givanildo deveria ser rei. Não é. Nunca recebeu um convite para treinar um dos 12 maiores times do Brasil. E ele tem uma explicação clara em sua cabeça. “Preconceito tem, sim”. Givanildo Oliveira é nordestino, baixinho e tem um rosto cheio de rugas que denunciam seus 70 anos. A referência ao sertão, da história que abre essa reportagem, não foi aleatória. O sentimento de ser renegado pela sua origem nordestina já doeu na alma. Hoje, no comando do América-MG, ele se mostra resignado.

“Eu me orgulho de ser nordestino e de ser olindense porque eu sou de Olinda. Eu me orgulho tanto de ser olindense que eu não tenho um imóvel fora de Olinda. ‘Vamos comprar um em Boa Viagem? Vão fazer um prédio lá e tem um preço bom’. Não, não quero. Compro em Olinda”.

 

Ninguém humilhou Givanildo por ser nordestino. Não é preciso. Sua origem nunca é esquecida nos textos a seu respeito. Quando vão fazer uma foto, o chapéu de cangaceiro aparece. E o reconhecimento por seu trabalho é sempre mais lento. Quem passa por isso em outras áreas sabe que o preconceito não é verbalizado, é apenas sentido.

 

“Eu me sentia… eu não sei nem o que dizer. Sempre fiquei chateado, às vezes com raiva. Só não me tocou muito por causa daquele de lá”, diz, apontando o dedo para cima. “Eu acredito muito nele, sempre acreditei. E tem outra coisa: eu acredito no destino, embora o destino não venha de graça. Você tem que procurar. Agora, que existe, existe”.

Givanildo viu técnicos que despontaram em times do Nordeste se consagrarem em nível nacional. Cita Muricy Ramalho, que foi para o Inter após um bom trabalho no Náutico. Também viu vários colegas menos vencedores serem chamados para times grandes. Em comum o fato de não terem nascido no Nordeste. Ele, pernambucano, nunca teve uma chance.

“O único motivo que eu vejo é porque eu sou do lado de lá. Eu tenho na minha cabeça que existe o preconceito, sim. Não teve treinador com os títulos que eu tenho no futebol brasileiro. Por tudo que eu ganhei, por tudo que eu fiz e ainda estou fazendo no futebol, tenho certeza que se eu não fosse de lá eu tinha trabalhado logo logo num time de ponta”.

Ele percebeu que algo emperrava sua carreira quando estava no Paysandu no início dos anos 2000. Conquistou o Brasileiro da Série B, a Copa Norte, a Copa dos Campeões e levou o time à Libertadores. “Foram seis títulos em dois anos e meio. Eu disse: ‘agora vai’. Principalmente, quando ganhamos do Cruzeiro na final. Já tinha ganhado do Palmeiras e do Bahia. ‘Acho que agora vai’. Não recebi um convite”.

Em quase 40 anos de carreira, o único olhar ‘grande’ que Givanildo despertou foi o do Flamengo. O clube fez uma sondagem na época das campanhas vitoriosas do Paysandu. Na visão do técnico, o interesse acabou quando souberam que ele não aceitava interferência no seu trabalho e na escalação do time.

“Teve uma reunião entre os presidentes. O deles perguntou: ‘e Givanildo?’. ‘Está lá com a gente. Vencedor’. ‘Eu sei. Eu tenho acompanhado, mas me diga uma coisa. E ele no trabalho?’. ‘Ele tem o estilo dele. Primeiro, tem uma coisa: ninguém escala o time dele, não. Ele pode escutar, mas para colocar é ele e não tem como’. Acabou o interesse. Do Flamengo foi isso aí. Enfim, eu não entendo”.

Givanildo demonstra chateação em especial com o Corinthians. Achou que seria reconhecido pela história que construiu no clube como atleta. Foi com a camisa alvinegra que foi ele foi convocado para a seleção brasileira. Também fez parte de momentos importantes da história do clube, como o fim da fila no Paulista de 1977.

“Era um time que eu tinha esperança de ser chamado. Até pela minha maneira de ser no Corinthians. Como eu era no dia a dia, nos treinos e jogos. Pelos momentos bons que eu tive, que foram muitos”.

“Em alguns momentos eu pensei que ia acontecer um convite e um acerto, e não aconteceu. Depois, eu fui… sabe de uma coisa? Se tiver de ser, vai ser. Se não tiver, eu continuo a minha vida”. Givanildo Oliveira, sobre a expectativa para comandar um time de ponta

A entrevista com Givanildo aconteceu em uma sexta-feira ensolarada em Belo Horizonte, após o treino do América. O técnico saiu do campo e foi para um local arborizado onde a reportagem se preparava. O olhar é sério, ele não esboça sorrisos e aparenta pressa. O fotógrafo pergunta se ele pode voltar ao meio do gramado para fazer algumas fotos. “Não, já fez foto do treino”. O contato inicial indicava que aquela não seria uma conversa fácil. Mas Givanildo começa e dá para ver que gosta de contar histórias. Relembra casos antigos com detalhes e, agora, sim, sorri. É um homem emotivo, apaixonado pela mulher e pelos netos e que ainda sente a fundo a infância pobre e o abandono do pai.

Ele foge da caixa onde muita gente quer colocá-lo: a figura do nordestino cabra macho. “Eu não sou cabra macho. O cabra macho é esse que usa peixeira, ou usava antigamente. Lá do nosso lado, todo mundo andava com a peixeira aqui. Principalmente quando apareceram os filmes de Lampião”. “Sempre falam isso de cangaceiro. Já me botaram chapéu de couro, aquele de Lampião. Não me incomodo, não. Até porque eu não queria ser Lampião pela vida que ele teve, mas todo mundo diz que o cara era homem macho. E ser homem é ser honesto. Não tem esse negócio de ser brigão, valente. Eu nunca gostei disso. Nunca briguei. Nem tamanho tenho para isso. Agora, ser homem é ser honesto”.

“Eu sou sisudo, principalmente, na minha profissão. Talvez tenha sido pelo o que eu passei. Tenho que me resguardar. É o meu jeito. Eles falam que não dou risada. Espera aí: eu vim ser treinador, não palhaço para rir a toda hora. E, também, vocês têm que respeitar cada um. Tem gente que, por qualquer coisa, ri. Eu vou dizer: “para de rir?”. Não, é o estilo da pessoa. Eu sou assim”. Givanildo Oliveira, sobre porque é durao.

“Em casa, os netos chegam e fazem o que querem comigo. Com a minha esposa, eu me dou muito bem. A gente passa duas, três horas num restaurante comendo e conversando. Meu casamento, eu não posso dizer que é perfeito porque todos nós temos problemas. Mas é um casamento que bateu mesmo. Tive duas filhas, são casadas, tenho cinco netos”. Givanildo Oliveira, abrindo um lado menos sisudo.

O dia em que Givanildo teve medo: “Insegurança eu nunca tive, não. Teve um dia. Eu me lembro de um jogo pelo Santa Cruz. Não estávamos bem no Brasileiro e fomos para a última rodada contra o Sampaio Correa lá no Arruda precisando ganhar. Tinham 62 mil pessoas. O jogo foi passando. Segundo tempo 0 a 0. No banco, eu não tinha nem um atacante porque os dois estavam machucados. Eu tinha um meia, um volante, um lateral e um zagueiro. Começou o segundo tempo e 0 a 0. Meu Deus. Eu me olhei, estava suado, até pelo bafo, porque foi um jogo à tarde, muito cheio. Comecei a ficar inquieto. ‘Não é possível ser rebaixado aqui dentro’. A torcida incentivando. Quando eu olhei, 35 minutos. E agora? O que eu faço?’. Aí veio aquele lá de cima e me deu um estalo. Chamei o preparador físico e mandei ele chamar o zagueiro. Ele ficou olhando… ‘Tem que fazer um gol e chama um zagueiro?’. ‘Chama’. Lá vem o cara. Cinquenta mil pessoas me vaiaram: ‘Burro, burro’. ‘Vai ele mesmo, não tem outro’. Esse zagueiro era muito forte e em toda recreação ele fazia quatro gols de cabeça. ‘Vai ele’. Ele chegou perto de mim e perguntou: ‘Qual zagueiro sai?’. Eu disse: ‘Não. Vai sair um volante e você vai entrar de centroavante. Na recreação, você não fica dentro da área o tempo todo? Você vai fazer isso. Você tem cinco minutos para resolver’.

Ele olhou pra mim, me encarou: ‘Eu vou’. Eu disse: ‘Então, vá. Boa sorte’. Quando ele correu para lá, a torcida: ‘Burro, burro’. Ele foi para a área. Na primeira bola, ele subiu, testou e a bola balançou a rede do lado de fora. A torcida gritou gol. Aí vai, vai, vai. Quando eu olho, 44 minutos. O lateral cruzou, ele saiu lá do canto dele e subiu: saco! 1 a 0 pra gente. Até sair o gol, essa foi a pior sensação que já tive. Quando fez o gol, aí a torcida mudou o ‘burro’ para ‘herói’. Esse é o futebol.”.

A coçada no saco

“Foi aqui no América-MG. Deixa eu te falar no meu português barato, aquilo ali podia ser aqui (no ombro), podia ser aqui (na perna), mas me deu uma vontade de coçar ali, foi justamente na hora que o cara pegou e daí pronto, acabou. O que eu vou fazer? Não tem o que fazer”.

O Rei do acesso

As estatísticas colocam Givanildo em um patamar raro entre os técnicos brasileiros. É especialista em salvar times do rebaixamento e também em levar à primeira divisão. Subiu com América-MG (1997 e 2015), Paysandu (2001), Santa Cruz (2005) e Sport (2006) da Série B para a Série A. Ainda foi com o Coelho da Série C para a B em 2009. “O rei do acesso no Brasil sou eu, pelos números. Porque os números não mentem. E pretendo, se Deus quiser, ter mais uns dois para encerrar. Se eu não me engano, são uns 20 títulos, sem contar os títulos de jogador. E lá vai, juntando todos os títulos…”

Givanildo é, também, o técnico recordista de títulos estaduais. Soma 9 conquistas e está à frente de Vanderlei Luxemburgo e Muricy Ramalho, com oito e sete títulos, respectivamente. A última conquista foi pelo Remo, no Campeonato Paraense em 2018. Ainda tem outros títulos relevantes. Pelo Paysandu, foi campeão da Copa Norte e da Copa dos Campeões de 2002 – em cima do Cruzeiro, conquista que levou o time à Libertadores. E por que dá tão certo? “Eu acho muito que é meu estilo. Eu não posso me chamar de burro, porque burro eu não sou. Agora, não sou mais inteligente do que ninguém, mas tenho uma maneira de trabalhar, de controlar grupo. A prova é que eu estou nessa profissão de treinador há 35 anos e tive poucos problemas”.

Futebol sem glamour

As andanças em tantos anos de carreira fizeram Givanildo explorar todos os meandros do futebol brasileiro. Distante dos times milionários e das grandes capitais, ele conhece o futebol raiz e sem glamour do interior. Tem muito perrengue para contar. “O meu começo, então, foi horrível”.

Mas nem é preciso ir tão longe. O último aperto foi na véspera do título Paraense, em que seu Remo venceu o Paysandu, em 2018. “Quando nós chegamos lá, eles tinham tirado o gramado para plantar, mas cadê o dinheiro para plantar? Não tinha gramado. A gente estava treinando num campinho, aí depois nos colocaram numa quadra. Na véspera da decisão, fomos treinar num campo e estava chovendo muito”.

“Pegamos o ônibus e, quando eu olhei, tinha um monte de carro parado. Por causa da chuva, a ponte caiu e não estava passando para o outro lado. Ele fez outro caminho e o que aconteceu? Não viu um buraco e o pneu de trás caiu. Desceu todo mundo para ver se o ônibus ficava mais leve. Isso perto de um barzinho. O que tinha de gente do Paysandu! Aí já começaram a xingar, gritar, vaiar, e eu lá. Sorte é que tinham dois seguranças”.

 

O salvador do América

O América mora no coração de Givanildo. Ele está em sua quinta passagem pelo clube e é o segundo treinador que mais comandou o time na história. Conquistou os títulos da Série B de 1997, da Série C de 2009 e o estadual em 2016, superando Atlético e Cruzeiro. Por tudo isso, já virou um ídolo americano.

“Aqui, no América-MG, vamos botar que em 80% das vezes que eu vim, deu certo. Por isso estou aqui de novo. Mas já teve momento em que não fui bem. Fui campeão brasileiro da Série B. Aí começou o estadual, a gente começou a perder e me mandaram embora. É assim. Três, quatro, cinco jogos e não ganhou? Manda embora”, diz, com sinceridade.

Givanildo voltou em novembro do ano passado com a missão de salvar o América do rebaixamento. Não conseguiu. Ainda assim, a diretoria o manteve e vem dando certo. Renovou o grupo, contratou algumas peças e agora o time é terceiro colocado do Campeonato Mineiro atrás apenas dos dois rivais.

“Havia a necessidade de ver se eles me queriam esse ano aqui ou não. Sentei com o presidente, que é meu amigo há muito tempo, e ele disse: ‘Vamos renovar e fazer um trabalho no ano que vem’. ‘Sim, mas e esses daí?’. ‘Nós vamos dar uma limpada’. E deu. Demos uma limpada porque era necessário. Aí começamos a contratar”.

“Não quero saber de futebol europeu. Não vou trabalhar lá”

Se está passando na TV Barcelona x Real Madrid, Givanildo para ver. Agora, se for uma partida do campeonato alemão ou inglês, nem perca o seu tempo de convidá-lo. “Eu tenho um neto que fez 14 anos. Ele é louco, conhece todos os jogadores da Europa, vê até campeonato grego. Tem hora que vem conversar e eu digo: ‘eu não quero saber, não’. ‘Mas, vovô?’. Ele chega em casa e pega o controle. Eu vou para outra sala”.

Givanildo não dá muita bola para o futebol europeu. Ele ainda tem a ideia de que só o Brasil é o único pentacampeão mundial e prefere se ater à sua realidade. “Eu não me interesso porque nessa altura, com toda a certeza, eu não vou mais trabalhar num lugar desse. Eu tenho que me interessar pelo Brasil, saber o time da segunda divisão, o campeonato como tá, quem é melhor, quem tá se saindo bem. Aí eu tenho que saber. Mas fora isso aí, não me interessa, não”.

Em campo, o técnico segue uma linha mais tradicional. Gosta do coletivo nos treinos e deixa as atividades mais “modernas” em espaços curtos para o seu auxiliar. “Eu acho válido, não sou contra, deixo fazer. Essa semana, fizeram direto, mas eu tive um dia para mim. Isso eu não abro mão porque tem que ser feito um treino que é um protótipo do jogo. No coletivo, você faz 11 contra 11, eu apito, vou parando quando tem algo errado. Isso, eu não vou mudar nunca”.

Não aceitou ordem de jogador

Givanildo tem seus valores bem definidos e não abre mão deles – orgulha-se de ter pouquíssimos problemas com jogadores. O mais grave deles foi com um centroavante da Portuguesa. No meio de um jogo contra o Palmeiras, o atleta foi até o banco de reservas tomar água e o orientou a fazer uma substituição no time.

“Deixa eu lhe dizer uma coisa. Eu acho que você devia trocar”. “Como? Não entendi. Fala de novo”. “Eu acho que você devia trocar. Tirar um atacante e botar um volante. A gente tá tomando sufoco”. “Olha, sabe o que tu faz? Tu vai jogar, que tu não tá jogando”.

Givanildo percebeu que os outros atletas do banco de reservas ouviram a conversa e, na mesma hora, mandou um atacante aquecer para substituir o jogador. O problema não terminou. No intervalo, o rapaz atrapalhou a palestra do vestiário para a revolta de Givanildo. Eu disse: “Se tu não sair daqui e for tomar banho, eu vou dar porrada em você”.

Após o episódio, o jogador pediu para se reunir com o técnico, que aceitou, achando que seria para um pedido de desculpas. Não foi. “Eu vim aqui porque eu não achei correto”. “Eu disse: ‘Tem alguma coisa errada. O supervisor disse que você veio para pedir desculpa. Agora você quer explicar que estava certo? Vamos fazer o seguinte, cuida da tua vida, vai te embora'”.

“Só tive infância porque me mexia”

Basta Givanildo ouvir a palavra infância que o semblante se transforma. Uma expressão triste toma conta do seu rosto. Os tempos de criança não tiveram brincadeiras. “Não era nem bom falar disso porque eu posso chorar. Minha infância, eu não tive. Tive infância porque eu era vivo, me mexia. Era sufoco. Só sufoco”.

A dor não foi amenizada pelos anos. Ficaram as memórias do pai viciado em jogos de azar. “Era um vício miserável. Ele jogava baralho. Baralho para valer mesmo, jogo de azar. Ele passava a noite jogando. Quando pegava o salário dele, ia direto jogar, não passava nem em casa”.

Até que um dia, de repente, o pai foi embora. Givanildo, aos 14 anos, saiu da infância direto para a vida adulta. Virou o homem da casa. Começou a trabalhar para sustentar os irmãos mais novos ao lado da mãe, lavadeira. “Tomei conta da situação. Virei ‘O’ homem. E era mesmo. Eu tinha que dar o meu jeito. Eu já engraxei sapato, carreguei balaio pesado para as madames. Eu já fiz um monte de coisas”.

O aperto o tornou responsável. Anos mais tarde, trabalhava como office boy quando recebeu um convite para fazer o que mais amava: jogar futebol. Mas recusou porque o salário era menor. Só aceitou quando cobriram a proposta. Teve a mesma força quando virou técnico do dia para a noite. Ele jogava no CSA-AL e o presidente o convidou para exercer função dupla como técnico e jogador. Aos 34 anos, aceitou a mudança e nunca mais quis entrar em campo. “Eu tenho uma vontade muito grande, é uma coisa que nem eu sei explicar. Aquele lá de cima me ajudou, tinha que acontecer comigo. Eu fui o premiado da família”.

Invasão corintiana no Rio não deixou ninguém dormir

São tantas vivências como técnico que muitas vezes a carreira como jogador acaba esquecida. Mas Givanildo foi um volante de qualidade, defendeu a seleção brasileira e fez parte de momentos importantes do Corinthians. Um deles, o episódio da Invasão Corintiana contra o Fluminense no Maracanã no Brasileiro de 1976.

Até hoje ele exalta a quantidade de corintianos que tomaram o estádio. “Nós ficamos num hotel em Copacabana. Quando deu 21h, quem queria dormir? Não conseguia. Eles invadiram Copacabana. A gente teve que ir para outro hotel em São Conrado porque senão não ia dormir. Foi um negócio que mexeu muito, ter mais gente do que o time local. Eles empurraram a gente mesmo”.

“A gente já sentiu na rua na véspera do jogo. No dia do jogo, então, eles andavam em bando, parecia Carnaval de tanta gente. Isso mexeu. Na verdade, não é que fez a gente ganhar, mas que empurrou, empurrou. Mexeu com a gente. E o time do Fluminense era muito bom.

“Eu vi que o Corinthians é uma doença. Aquilo ali não é ser torcedor”.

O fim da fila em 77

Outro momento marcante foi o título Paulista de 1977 – o fim da fila de quase 23 anos sem títulos do Corinthians. Ele não atuou na decisão contra a Ponte Preta por causa de uma lesão no joelho, mas participou da festa da torcida.

Na época, ele morava no bairro Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo, próximo ao Parque São Jorge. “Aquilo ali ficou cheio depois do jogo. A prova é que perturbaram e gritaram tanto que eu tive que aparecer na varanda para eles poderem me ver. Ficou lotada a rua todinha ali”.

O título ficou marcado pelo gol de Basílio. Mas Givanildo reconhece que o time não era um primor técnico – e Basílio não era tão habilidoso. “O Basílio fez o gol, mas era um jogador normal. Era um time que tinha um ataque que fazia gol. Waguinho, Geraldão e Edu faziam gols e tinha sempre o Palhinha chegando. Foi campeão porque era um time que agredia, ia em cima mesmo dos caras. E a Ponte Preta também era um time muito bem armado”.

Uma das polêmicas da partida girou em torno de Ruy Rei. O atacante da Ponte Preta foi expulso no início da decisão por reclamação. Depois, acabou negociado com o próprio Corinthians, o que gerou muitos rumores de que ele teria facilitado para o adversário. “Não sei nem por onde ele anda, mas pelo que eu conheço não teve nada a ver com isso, não. Ele foi expulso porque reclamou, xingou, estava nervoso. Como o Corinthians levou Ruy, já começam a colocar alguma coisa, mas eu acredito que não”.

Cortado da seleção porque novo técnico só queria cariocas
Givanildo é um precursor. Foi o primeiro jogador convocado pela seleção brasileira atuando em um time do Nordeste nos anos 70. Mas a passagem durou pouco e terminou com um dos maiores traumas da carreira de Givanildo: o corte na seleção. O então técnico Osvaldo Brandão havia deixado o cargo por problemas familiares. Cláudio Coutinho assumiu e dispensou Givanildo, Waldir Peres, Wladimir e outros seis atletas.

“Eu me senti injustiçado porque eu era titular. Ele fez isso porque ele sempre foi carioca, carioca mesmo. E aí ele convocou os jogadores de lá. Os quatro, pelo que eu me lembro. No meu lugar, ele convocou o Carlos Alberto Pintinho. Era bom jogador? Era, era sim, mas eu estava como titular”. Givanildo ficou irritado com a notícia. Queria deixar a seleção sem cumprir os protocolos combinados. O goleiro Emerson Leão o convenceu. “Eu queria ir embora. O Leão me chamou no canto e disse: ‘Veja bem, isso aí faz parte. Trocou o treinador. Ele acha que tem um melhor do que você no gosto dele. Não faça isso, não. É ruim pra você. Você não é obrigado a ficar, mas não faça isso não porque vai repercutir mal’. Eu agradeço a ele até hoje. Eu fiquei, mal-humorado, chateado, mas fiquei”

Apesar do tempo curto, Givanildo era peça importante na seleção. Entrou na final da Copa do Bicentenário do Estados Unidos, em 1976, em que o Brasil foi campeão. Foi chamado novamente para um amistoso contra o México, nos EUA. O jogador, que era tímido e calado, ganhou os holofotes e despertou a atenção dos jornalistas. “Vieram três jornalistas: ‘A gente veio aqui conversar com você. Você é muito calado’. Eu disse: “Êpa! Eu, não. Vocês que são calados comigo. Nunca me procuraram. Vocês estão me procurando agora porque eu joguei bem e fomos campeões. Vocês nunca falaram comigo. Agora, podem falar o que quiser”.


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Comentários:
9
  • Rodrigo Assis disse:

    Parabéns ao Minas pela classificação a final da superliga feminina, Gattaz, Macris e Natália estão voando. E o Lavarini é excelente treinador.

  • Zé Neto disse:

    Cru Cru muda data da final do Mineiro para quarta feira, para descansar para jogos da chave mais difícil da Libertas. Depois aparece uns aloprados pra dizer que quem manda na fmf é o Galo. Se tem 4 jogadores para cada posição, que se virem então, o calendário está pronto desde o ano passado.

    • MARCELO BRAZIL disse:

      Vamos se interar mais sobre as noticias de futebol isso foi já acordado entre cruzeiro e atletico porque os 02 estam na Libertadores e vão ter jogos na mesma semana, ou será que você já está contando que o seu time não tem nenhuma chance de classificar… piada pronta

    • Claytinho do Nova Vista - BH ( Hexa-Campeão !!! ) disse:

      Caro Zé Neto,

      Mas essa “notícia” sua, está igual às manchetes daquela mídia podre e esquerdopata, que insiste nas Fake News contra o Bolsonaro… rs
      Tem uns 10 dias que isso já era especulado, como um pedido da própria “Globo” e agora vc vem com esse papinho de que foi o Cruzeiro que solicitou, me ajuda aí né… rs

      Abraços

  • Julio Cesar disse:

    Li outra numa entrevista com ele que quando estava treinando o Atletico-PR, viu numa banca de jornais um exemplar que estampava a manchete esportiva as vesperas de um jogo: “se Givanildo não vencer volta pro sertão”. Na coletiva antes de qualquer pergunta disse: “hoje eu falo primeiro…”. E pagou geral dizendo que tinha muito orgulho em ser do sertão e etc.
    Na entrevista disse que foi lembrado no Flamengo mas como não admitia intromissão, não foi contratado. Givanildo demonstra grande carater e é bom treinador. Vencedor !

  • Ed Diogo disse:

    Givanildo e mito de a ele jogadores e nos vamos subir para a primeirona de novo.
    O Capitão Salum tem ter a mesma paciência que teve com o professor pardal quando a maré de vitórias estiver baixa.

  • Flávio disse:

    Que seja tricampeão brasileiro…

  • Cristiano disse:

    Chico boa noite
    Aqui quem lhe fala e um democratense apaixonado assim como você que sempre defende a bandeira de Sete lagoas e do Jacaré.
    Faço parte de um grupo de torcedores que estão promovendo ações com recursos próprios para apoiar e ajudar o jacaré a se manter na segundona.
    Queria pedir se vc pode nos ajudar divulgando nossas ações para o último jogo apenas divulgando no blog ou se conseguir pelo menos uma nota na sua coluna no sete dia.
    Como grande ser humano e defensor das coisas da nossa terra sei que no que puder vai nos ajudar e desde já agradeço