Imagem: coluna do Fla.com
Às 10h30 do domingo, 06/07, Dona Celina me liga para dizer que estava com enorme dificuldade em conseguir comprar as imagens de Flamengo x Volta Redonda, na FlaTV. Desligada do mundo do futebol, queria saber se havia alguma opção diferente para se ver a partida. Por R$ 10, um jogo que começaria às 16 horas, pelo Campeonato Carioca. O marido diamantinense, Waldívio, não perde um jogo do rubro-negro e como nenhuma TV transmitiria a partida, a internet seria a única opção? Além de ser o Flamengo, o carioca é o único futebol reiniciado no Brasil e o congestionamento da internet, absolutamente previsível.
E depois da pandemia, como vai ser? De tudo que li e ouvi a respeito, essas mudanças podem ser boas para os clubes, porém, como sempre, não trabalham unidos. O Flamengo agiu sozinho, só pensa nos próprios interesses. Na sequência, ele e todos os demais podem se ferrar.
Para este e todo assunto jurídico envolvendo o futebol, uma voz que vale a pena ouvir é a do vice vice-presidente do Atlético, Lásaro Cândido da Cunha, que twitou, hoje:
@lasaroccunha: “Aqueles q festejam a quebra dos contratos de transmissão do futebol, alicerçados numa Medida Provisória(984), editada p atender aspirações de um clube q não é capaz de pensar além do seu “umbigo”, talvez não sabem o impacto negativo q essa insegurança contratual pode produzir…
A união dos clubes do nosso futebol passa p alteração do modelo de negociação individual p a negociação coletiva dos direitos das competições, c fixação de um padrão razoável de equilíbrio entre os valores do rateio. A lei pode ajudar p IMPOR negociação pela entidade dos clubes.”, disse o Dr. Lásaro.
Assim como a pandemia do coronavirus, ainda está tudo incerto em relação aos direitos das transmissões dos jogos. A Rede Globo manda no assunto, com mão de ferro, desde o fim dos anos 1980. Com o seu poderio econômico e de barganha, monopolizou as transmissões, passou a controlar as fórmulas de disputa dos campeonatos estaduais e Brasileiro, e a escolher quais os clubes levariam mais ou menos dinheiro. O primeiro abraçado por ela foi o Flamengo, em 1980, que agora a abandonou, em nome de maiores ganhos, com outras formas de negociação e transmissão, com o surgimento das novas tecnologias, além de novos parceiros.
Há quem preveja que os campeonatos estaduais vão acabar. A Globo ameaça sair fora, não só do carioca, mas também de todos. Como diria aquele antigo treinador, “vamos aguardar”.
Até lá, sugiro a leitura de quem, para mim, melhor informou e analisou sobre o assunto até agora, que é o Paulo Vinícius Coelho – PVC -, na coluna dele na Folha de S. Paulo:
* “Sem dinheiro de TV, manter estaduais exigirá novas formas de financiamento”
Discussão sobre direitos é decisiva e pode ter impacto enorme no futuro do futebol brasileiro
A decisão da Rede Globo de cancelar o contrato para transmissão do Estadual do Rio pode ser o início do fim, ou o começo de uma nova era em que não existam mais os estaduais.
Na prática, foi o Boavista quem descumpriu o que assinou, ao permitir a transmissão de sua partida pela FlaTV. Pelo acordo com a Globo, o Boavista não poderia permitir a transmissão de seus jogos, como mandante ou visitante, por qualquer outra mídia.
Pode alegar que a Medida Provisória 984, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, cortou as suas pernas e deu respaldo ao Flamengo, por ser o mandante. Mas o Boavista nem sequer se manifestou, como se não fosse parte do problema. O momento atual é decisivo e pode ter impacto enorme no futuro. No último domingo (28), a boa audiência do jogo Fluminense x Volta Redonda registrou índices parecidos com o de espectadores de Espanyol x Real Madrid, ambos na TV fechada.
Há inúmeras razões para isso: Vinicius Junior joga no Real; a bagunça generalizada do estadual, reiniciado em meio às discussões sobre o número de mortos pela Covid-19; as ameaças de W.O.; a guerra da federação com Botafogo e Fluminense. Todos esses foram ingredientes para tornar mais interessante assistir ao Real Madrid do que ao Fluminense.
Não é por outra razão que, há duas décadas, vê-se tantos adolescentes torcedores de times da Europa.
A decisão da Globo de não transmitir o estadual do Rio tornará mais evidente que o Brasil já vive sem os estaduais. Muita gente ainda quer ver Palmeiras x Corinthians, pelo Paulista, mas ninguém tem obrigação de comprar junto um Jacuipense x Bahia. Só que isso tem impacto econômico no futebol brasileiro.
Há décadas, discutimos os estaduais de um ponto de vista equivocado. O calendário precisa dar dez meses de atividade aos times pequenos, sem escravizar os grandes. A única maneira de fazer isso é viabilizar os jogos no interior do Brasil por meio de empresas de cada região. Não é fácil, ainda mais após quatro décadas de clubes viciados no dinheiro da TV.
Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos arrecadam R$ 26 milhões pela transmissão do Paulista de 2020. Esse valor evidencia que não são só os pequenos que sentirão falta da verba. Os gigantes também, mas a rescisão coloca o futebol diante de uma encruzilhada.
Manter os estaduais exigirá novas formas de financiamento. Haverá essa necessidade no Rio em curtíssimo prazo. A médio prazo, nos estaduais que têm contratos até 2024.
Não dá para cravar que a ruptura no Rio seja o início do fim dos estaduais porque é impossível prever se a medida provisória será aprovada no Congresso Nacional.
Mas muda o cenário. Hoje, quem compraria os estaduais? Quanto eles valem? Quem quer ver?
Os clubes brasileiros têm um desafio há décadas e se recusam a entender: são concorrentes dos clubes europeus. A divisão das cotas de TV aberta e fechada fez a divisão do dinheiro dessas mídias se aproximar do que acontece na Inglaterra.
Lá, a distância do primeiro ao último é de 36%. Aqui, sem contar o pay-per-view, a diferença foi de 40% no ano passado. Só que, com o PPV, o Flamengo ganha 20 vezes a mais do que o Athletico, quinto colocado em 2019.
O Flamengo receberá mais do que os outros se tiver mais audiência e desempenho, mas 20 vezes compromete a qualidade do campeonato e até o clube carioca pode perder a longo prazo.
Se houver só um time capaz de ser campeão, daqui a 20 anos o interesse pelos times ingleses e espanhóis será ainda maior do que hoje. E o Brasileiro pode ser tão desimportante quanto já é o Estadual do Rio.
“Famigerada MP do Flamengo é um erro principalmente estratégico Se disputar campeonato de um time só, clube poderá perder torcedores para estrangeiros
Fábio Koff era o presidente do Clube dos 13, em 2010, e foi convidado para um jantar na casa de Juvenal Juvêncio. Em pauta, a criação de uma liga dos times da Série A do Brasileiro.
Tinha uma pedra no meio do caminho.
Sabendo da aproximação política, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, havia oferecido ao São Paulo a taça das bolinhas, aquela que seria entregue ao primeiro time cinco vezes campeão brasileiro, a partir de 1975, ano em que a Caixa Econômica Federal a instituiu.
Desde abril de 2010, o troféu estava à disposição do presidente tricolor, maneira com que Ricardo Teixeira pretendia separar São Paulo e Flamengo de um bloco de clubes com Athletico, Internacional e Palmeiras, os líderes da provável liga.
Do outro lado, o Corinthians queria negociar sozinho seus direitos de TV.
Juvenal terminou o encontro regado a uísque prometendo a Fábio Koff que não cairia na arapuca, ficaria imune à taça das bolinhas e não correria o risco de piorar a relação com o Flamengo, primeiro pentacampeão, considerando a Copa União de 1987.
Na manhã seguinte à promessa, Juvenal estava na sede da Caixa para ver a taça. Quando a recebeu em mãos, em fevereiro de 2011, a chance de unidade com o Flamengo se desfez. “Vou me deliciar com o troféu”, declarou Juvenal.
Parece puro amadorismo, e é, pensar que a tentativa de unir os clubes tenha sido jogada no ralo por causa de uma taça, que nem significa mais supremacia, depois da unificação dos títulos brasileiros.
A ruptura do Clube dos 13 aconteceu por motivo fútil e levou ao aumento do dinheiro de direitos de TV como um todo, mas aumentou o desequilíbrio entre os 20 clubes de maneira assustadora.
Há dez anos, questionado sobre a razão de permitir que a distância do Botafogo para o Flamengo aumentasse de 28% para 60%, o então presidente botafoguense, Maurício Assumpção, respondeu que precisava olhar para o dinheiro que entraria em seus cofres. Hoje, o Botafogo é sempre azarão contra o seu maior rival.
O Flamengo mira o Benfica, capaz de fazer sua própria TV e vender para sua torcida os seus jogos como mandante. O Benfica ganhou 5 dos últimos 6 campeonatos portugueses e nem se aproxima das semifinais da Champions League.
A famigerada MP do Flamengo é um equívoco do ponto de vista legal –medidas provisórias são para casos de urgência–, mas principalmente um erro estratégico.
Ainda que se possa argumentar que os clubes ingleses têm o direito de negociar individualmente, foi a força coletiva o fator que transformou o Campeonato Inglês do lixo para o luxo, de 1992 para 2020.
Depois de mais de uma década de brigas e picuinhas com a velha Football League –antes da atual liga, já havia outra velha e surrada-, Manchester United, Arsenal, Tottenham, Everton e Liverpool, chamados de “Big Five”, reuniram-se com Greg Dyke, da London Weekend Television, em outubro de 1990.
Em fevereiro de 1991, nasceu a mais moderna liga de futebol do mundo: a Premier League, sedimentada pelo dinheiro da Sky Sports, de Rupert Murdoch.
Em 1992, o melhor jogador inglês atuava na Itália. Hoje, a Inglaterra é a única grande seleção do mundo que só convoca jogadores de seu próprio campeonato, com uma eventual exceção: Sancho, do Borussia Dortmund.
Times médios, como o Bahia, pensam na criação de um bloco. Pode ser até que ganhem mais, como pensava o Botafogo em 2010. Mas a distância para os gigantes aumentará.
Os adolescentes brasileiros têm olhos cada vez mais vidrados nos times europeus e menos nos brasileiros. Se disputar um campeonato de um time só, até o Flamengo poderá perder torcedores para Liverpool, Manchester City, Real Madrid e Barcelona.
PVC
Jornalista e autor de Escola Brasileira de Futebol. Cobriu seis Copas e oito finais de Champions.
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