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A Fé de cada um: “Evangélicos dominam elite do futebol e os poucos jogadores que não rezam pela cartilha sofrem racismo religioso”

Foto: www.semferrsport.com

O tema é polêmico, até explosivo. Eu respeito a todas as religiões e entendo que Deus, de qualquer crença, está com vencedores e vencidos, não interfere no desempenho individual nem coletivo. Também não acredito em sorte para um time vencer ou um jogador fazer ou tomar gols. Tenho certeza que quem treina mais e ou quem tem mais qualidade técnica  é que faz diferença. Acredito também que esquemas extracampo existiam, existem e vão continuar existindo, no futebol e em outros esportes, e isso interfere sim nos resultados.

No dia 29 de junho, li este artigo no O Globo e gostei muito. Mas só hoje o encontrei para compartilhar com as senhoras e senhores que prestigiam este espaço. 

* Por Aydano André Motta, do O Globo:

“No jogo da fé, um Jesus onipresente entra em campo”

Evangélicos dominam elite do futebol e os poucos jogadores que não rezam pela cartilha sofrem racismo religioso

Aydano André Motta Foto: Arquivo pessoal

“Pelo amor de Deus, pelo amor que há na fé/Eu respeito seu amém/Você respeita o meu axé.” (Samba-enredo da Grande Rio em 2020).

Os indicadores apontam para o céu na celebração dos sucessos em campo — do gol ao título, da vitória à defesa improvável. Os objetivos alcançados se explicam, nas entrevistas, por um único nome: Jesus. O filho do Criador entra em campo todo dia, toda hora, no futebol brasileiro dominado pelos evangélicos, a maioria neopentecostal. Na elite boleira, parece religião única, que alcança as divisões de base dos clubes e influencia a formação dos jogadores.

O Datafolha estima que o rebanho evangélico soma 30% dos brasileiros. No futebol, fica muito maior especialmente entre as estrelas — de Neymar “100% Jesus” a Gabigol, de Felipe Melo ao goleiro Fábio, de Cássio a Firmino, de Leandro Castan a Daniel Alves, os novos atletas de Cristo dão goleada tão massacrante que inspiraram até esquete(Treinamento, do Porta dos Fundos).

— A cosmologia pentecostal tem afinidade muito grande com o neoliberalismo, valorizando meritocracia, esforço individual, obediência, foco e determinação. Os jogadores de futebol são a materialização desses valores e, em contrapartida, atribuem seu sucesso a Deus. Puro suco de pentecostalismo — diz Livia Reis, pesquisadora do Museu Nacional e do Iser, o Instituto Superior de Estudos da Religião.

Lívia explica que as igrejas apostam muito no esporte para manter a juventude nos templos, longe das ruas onde estão “os demônios”. Denominação mais famosa, a Igreja Universal do Reino de Deus promove campeonatos que mobilizam centenas de meninos. Ela alerta que a massificação produz, no ambiente profissional, uma mazela grave: o racismo religioso.

‘Sempre foi Exu’

“Nunca foi sorte, sempre foi Exu. Laroyé!”, postou Paulinho, revelado pelo Vasco e hoje no Bayer Leverkusen, em seu Instagram (487 mil seguidores), para festejar a convocação para a seleção olímpica, após se recuperar de grave contusão. Imediatamente, muitos intolerantes atacaram o filho de Oxóssi, o orixá caçador.

— Sou muito agarrado à minha fé. Minha família sempre teve muita conexão com o candomblé e a umbanda. Quando comecei a entender, gostei muito dessa filosofia de vida — diz, lamentando o preconceito nas redes. — Evito focar nesses comentários, que vêm da ignorância, da falta de informação.

Paulinho, em foto da ESPN

Perto de completar 21 anos, Paulinho garante nunca ter sofrido assédio de jogadores ou pastores evangélicos.

— Para mim, o candomblé é natural, sou eu. Não dou oportunidade para brincadeiras ou manifestações de preconceito no trabalho.

A filosofia do atacante carioca da seleção olímpica leva uma goleada do materialismo desenfreado no futebol, “puro suco” de teologia da prosperidade, doutrina religiosa que defende a bênção financeira como desejo divino para os cristãos. Criada nos Estados Unidos na década de 1950, interpreta a Bíblia de maneira não tradicional, como um contrato entre Deus e os humanos — e combina à perfeição com o projeto de riqueza súbita dos candidatos a craque.

A contaminação chega aos torcedores, que patrulham jogadores nas redes. Volante revelado pelo Bahia, Feijão, 27 anos, sofreu pesado preconceito, em 2017, quando reverenciou Ogum, o orixá guerreiro, em seu Instagram. Nos treinamentos e vestiários, alguns colegas, naquela fronteira entre a brincadeira e a conversa séria, pediram para ele não fazer trabalhos que causassem contusões entre os rivais na luta por posição.

— Pensam que a religião faz mal a alguém. Muita ignorância. Sou do candomblé desde a barriga da minha mãe e queria expor minha fé desde novo. É minha proteção, minha saúde — resume ele, hoje sem clube. —No futebol, tem muita gente de axé, que prefere ficar quieta para não se expor.

O pastor batista Henrique Vieira entende o cenário religioso do futebol como reflexo da sociedade. Sobre as vitórias esportivas, garante: Jesus não entra em campo.

— É bizarro atribuir êxito futebolístico à religião. O evangelho, em mim, gera respeito pelo derrotado na disputa — pondera ele, torcedor do Flamengo. — A teologia da prosperidade é diabólica, porque representa a riqueza individual, o contrário da partilha que Jesus pregou. O evangelho é radical, defende que se abra mão do acúmulo para a pobreza desaparecer.

Ele critica a cruzada dos evangélicos para aumentar o time dos fiéis.

— Tenho medo de um Brasil cristão no formato que se desenha. Na nossa sociedade estruturalmente racista, crescem o fundamentalismo religioso, com agressão e repressão a religiões de matriz africana. É uma violência simbólica importante —analisa, sublinhando que o cristão não tem de ser garoto-propaganda de uma denominação, nem constranger outras pessoas a entrar para uma igreja. —O problema está na construção hegemônica do cristianismo. Seja 100% Jesus nas atitudes, não numa faixa na cabeça — prega, em referência ao adereço de Neymar na festa do título da Champions do Barcelona, em 2015, e no ouro olímpico no Rio.

Atletas de Cristo

A cruzada evangélica começou a se estruturar no meio da década de 1980, com os Atletas de Cristo, associação liderada pelo goleiro João Leite (ex-Atlético-MG) o “artilheiro de Deus” Baltazar (ex-Grêmio e Fla) e o lateral (hoje técnico) Jorginho. Espalhou-se por todos os times, até na seleção. Ficaram famosos, nas Copas de 2006 e 2010, os cultos na concentração, liderados por Zé Roberto e Lúcio, entre outros. Mesmo quem não tinha religião era constrangido a participar. A prática chegou ao campo na África do Sul em 2009, quando a conquista da Copa das Confederações foi celebrada com ardente oração no gramado.

Muitos jogadores viram pastores ainda durante a carreira, como o atacante Ricardo Oliveira, líder por vários times onde jogou. (Ele e Zé Roberto foram procurados pela reportagem, mas escolheram o silêncio.) Muitos divulgam sua fé nas redes sociais, compondo panorama que impressiona pelo fervor.

— O mercado de fiéis invadiu o futebol — aponta Luiz Antonio Simas, historiador ligado aos temas populares. — Construiu-se uma ideia de sociabilidade pela fé que constrange os não evangélicos. A solidão dos jogadores favorece o discurso que acaba na propaganda, da oração em campo, do oferecimento das conquistas a Jesus. Um totalitarismo que é microcosmo da sociedade brasileira.

Filha de Ogum e torcedora do Corinthians, a filósofa Sueli Carneiro compara o futebol aos presídios, pela conversão evangélica. No esporte, a prosperidade dos astros serve de propaganda para a fé.

— Os meninos não são preparados para enfrentar o assédio. É uma estratégia de doutrinação com objetivos muito claros, que vive da renúncia ao pensamento, abdica da razão.

Eu ouvi amém?

* Aydano André Motta é jornalista. A série #nuncaésóesporte é publicada quinzenalmente, às segundas-feiras.


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Comentários:
10
  • Alisson Sol disse:

    Meu único comentário seria estamos estendendo demais a palavra “racismo”. “Raça” é algo genético, que a pessoa não escolhe. Já a maioria dos jogadores “religiosos” sequer tem tal fé devido a um hábito de família, e fez uma escolha pessoal já na fase adulta.

    Estão criando “racismo musical” e outras coisas semelhantes que são, no mínimo, mecanismos de aproveitar as leis contra racismo para fins nada sinceros.

  • Stefan de Souza disse:

    Enfim, #JORNALISMO de verdade !

  • Rodrigo Galodoido disse:

    Religiosidade, fé e espiritualidade no Brasil, buscam sempre a Deus. Ele é só um, as religiões é que são muitas. Sei que umbanda crê no Cristo, o candomblé não sei. Deus não entra em campo pra alterar o resultado e nem pra dar pontapé desleal ou fingir que não viu o lance. Mas tem muito “jornaliste” “progressiste” que combate valores cristãos o dia todo. Com todos excessos inconvenientes, o cristianismo é melhor que o ateísmo e quem teme a Deus costuma ter limites.

  • Marcão de Varginha disse:

    “Se alguém precisa de religião para ser bom, a pessoa não é boa, é um cão adestrado.” (Chagdud Tulku)
    – #benecyeternomito

  • João disse:

    Sempre a mesma balela e idiotice: maior de minas! Aonde!

  • Horacio disse:

    É seu Chico, nunca me preocupei com a religião de ninguém, mas já começaram a se mostrar. Com esta tal de rede social, na minha idade, paspalho dando lição de moral irrita. Quem compra o feijão lá em casa sou eu, não como na casa de ninguém.

    Venho observando, meio sem entender, a onda que fizeram com o Everson, um goleiro cujas qualidades superam, e muito, as deficiências. Além das boas atuações ele tem aquele terço que ele sempre leva pro gol. Espero que isto não tenha a ver com os fakes que aparecem aqui para detonar por qualquer falha dele.

  • Geraldo Lacerda disse:

    No futebol, vence quem é otimista e pragmático com muito treino e garra, mas tem time que acredita em SÃO BENECY, MACUMBA e SAL GROSSO; e vejam onde se encontra.

    • Marcio Borges disse:

      Ueeee, achei que o benecy , mito do ET nos dava título. Qta contradição…..se incomodam com tudo do Cruzeiro, o maior de Minas. Aproveita este ano. Senão….

      • Marcão de Varginha disse:

        Com toda certeza não é só minha humilde pessoa que machuca os azulinos por dentro ao lembrar-lhes do “caso Benecy”… Continuem chorando que ainda é pouco!
        – #benecyeternomito

        • Marcio Borges disse:

          Nossa, quanta humildade a sua…kkkkk
          O Tibúrcio fazia o serviço pra vocês, como você bem disse , de forma não oficial…kkk
          #tiburcioeternomito
          #naodeformataooficial