Vale a pena ler a entrevista dele à Folha de Sã Paulo, edição de segunda-feira, 22. Fala da profissão, da vida, de suas preferências, conta ótimas histórias e confirma que no dia 18 de dezembro encerra seu ciclo na TV aberta, como a voz mais marcante do esporte brasileiro nas últimas décadas.
* “Não vai ter outro Galvão na Globo”
Você pode até não gostar de esporte, mas é quase impossível não ter ouvido a voz de Galvão Bueno, 72, alguma vez nos últimos quarenta anos no Brasil.
O narrador da Globo vendeu emoções, como gosta de dizer, derrapou, como admite, e relatou conquistas e derrotas no futebol, F1, atletismo, boxe, basquete, natação e uma lista extensa de outras modalidades.
Figura onipresente nas transmissões dos principais eventos na maior emissora do país, ele prepara agora sua despedida da televisão. “Paro em 18 de dezembro, final da Copa. Será minha última narração em TV aberta”, afirma à Folha.
O locutor conta ter um acordo com a Globo para não assinar com nenhuma outra emissora. “Recebi até algumas propostas, mas não vou”, afirma.
Seu futuro será nas novas plataformas digitais como YouTube e Facebook. Terá um canal de entrevistas e está negociando acordos com empresas para outros produtos editoriais. “Não serei um influencer, quero ser um publisher nesse mundo digital”, define.
Na Globo que vai deixar, acredita que não surgirá outro Galvão Bueno.
“É uma questão de quantidade, não de qualidade. Eu fazia tudo”, explica.
O mundo em que a emissora monopolizava os grandes eventos, e o narrador dominava a escala não existe mais. Os direitos de transmissão se pulverizaram. A líder de audiência já não tem a F1, a Champions League e passou três temporadas sem a Libertadores, por exemplo.
“E nem a Globo quer alguém que concentre as narrações tanto quanto eu”, admite.
E qual o seu plano depois da Globo?
Vou ter meu canal, tenho contatos com essas empresas de comunicação, essas novas. O projeto é grande, conversei com o João Pedro Paes Leme (Play9, sócio de Felipe Neto), que foi meu editor na Globo. Eu não pretendo ser um influencer, quero ser um publisher nesse mundo digital, nessas plataformas. Eu não consigo me imaginar aposentado.
A Globo liberou o merchandising no Esporte para comunicadores fazerem propaganda. O senhor gostou?
Sim, isso antes não era permitido, foi uma coisa que mudou na Globo. Eu negociei com o Roberto Marinho Neto [ex-diretor da área de Esporte], que é meu amigo. Mexemos no contrato e tive liberdade para fazer [comerciais].
Não há um conflito do jornalista vender produtos?
Não acho que atrapalha o meu trabalho. Eu recusei vários anúncios. Só faço o que eu apareço sendo o que eu sou. Não é qualquer proposta que eu aceito. Construí uma credibilidade e estive muito tempo fora dessas campanhas, então teve uma forte procura.
Como o senhor se define? Jornalista, comunicador?
Na verdade, eu sou um misto de vendedor de emoções e de equilibrista. Eu ando há 48 anos no fio da navalha. De um lado, está a emoção que eu preciso vender, do outro, a realidade dos fatos dos quais eu não posso fugir. Eu estou sempre nessa corda bamba. Às vezes dou umas tropeçadas. Já tomei muita porrada na vida. Hoje, apanho muito pouco até.
Mesmo, e nas redes sociais?
Que nada, parece que os caras gostaram de mim mesmo. Hoje estou em fase de namoro.
Como o senhor vê a pulverização de direitos, com a Globo perdendo a F1 e campeonatos? Ficou difícil ter outro Galvão Bueno, que concentre tantas transmissões?
Eu dizer isso pode parecer uma pretensão, mas não vai ter outro Galvão. Não é uma questão de qualidade, mas sim de quantidade. Sabe por quê? Eu, durante muito tempo, fazia tudo. Eu fazia F1, Olimpíada, fazia os campeonatos, as decisões de títulos brasileiros e regionais, a seleção brasileira, a Copa. Isso não deve existir. Porque os direitos de transmissão estão mais pulverizados e nem é a ideia da Globo ter mais alguém assim [que concentre transmissões]. Mas vocês não vão perguntar quem vai ser o meu sucessor? (risos)
Quem será?
Tem dois companheiros que estão prontos há muito tempo, o Luis Roberto e o Cléber Machado. Tem um pessoal novo, o Gustavo Villani, o Everaldo Marques e os que estão na SporTV, o Milton Leite e o Luiz Carlos Júnior. A direção da casa é que vai dizer se vai ter um titular. Estamos muito bem servidos. Eu acho que o que vai ficar marcado é quem vai fazer o primeiro jogo da seleção após 18 de dezembro.
É verdade que o senhor tem o maior salário da Globo?
Eu sempre disse que eu ganho mais do que eu preciso e menos do que eu mereço. Mas não sei o salário dos outros para comparar. Agora, tinha uma coisa que era o fato de eu não fazer comercial. Faustão, Ana Maria Braga e Huck faziam, então era justo eu ganhar um pouquinho, né? Mas eu posso dizer uma coisa: sempre ganhei muito bem na Globo.
Quais foram os seus melhores momentos?
Três transmissões são muito especiais. O primeiro título do Ayrton Senna em 1988. Eu tinha noção exata da emoção dele. O tetra da seleção em 1994. Aquela maluquice, aquela voz esganiçada gritando “é tetra”. Eu brincava com o Luciano do Valle, um gênio, que a gente era pé-frio. Começamos em 1974, e a seleção nunca tinha vencido desde então. E o terceiro momento foi o prata do 4×100 do atletismo masculino na Olimpíada de 2000.
Além dos momentos, guardo as pessoas com quem aprendi. Tive três mestres. O Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-diretor da Globo), que me dizia que sempre era possível fazer melhor. Teve o Armando Nogueira, que me ensinou a reconhecer os erros. Uma vez, errei o gol numa narração e culpei a luz. O Armando me chamou e disse: “Você perdeu a chance de conquistar o seu público ainda mais. Reconheça o erro e peça desculpas”. Toda vez que erro, peço desculpas e lembro dele. E acrescento o Pelé, que nunca vi negar uma uma foto e um autógrafo. Para quem vive do carinho dos outros, isso é uma obrigação.
Da sua relação com dirigentes, arrepende-se de ter se aproximado demais?
Eu acredito que num certo momento eu tive até um um relacionamento maior do que deveria ter tido com o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira. A história recente da direção da nossa CBF é uma vergonha. O Teixeira teve que largar para não ser preso, o Marco Polo Del Nero nunca mais saiu do Brasil para não ser preso, o José Maria Marin foi preso.
O Teixeira era muito envolvente. Em certo momento, eu tive uma proximidade. Eu não tenho amigos políticos, não tenho amigos dirigentes. Tenho técnicos, jogadores, ex-jogadores. Esse é o meu mundo.
E tem o J Hawilla, mas é diferente. Esse foi um amigo muito querido de quando começamos na rádio. Ele virou um grande empresário. Ele faleceu com extrema tristeza. Ele reconheceu os erros.
O Neymar tem futebol para ser o melhor do mundo?
A chance para ele é essa Copa. Ele é o principal jogador da seleção, mas eu estou muito animado com essa garotada nova que chegou, o Raphinha, o Vini Jr, é uma molecada que está voando. Eles têm que jogar e isso é bom para o Neymar.
Existe pressão da Globo para não falar mal do Neymar?
O Neymar virou uma entidade… Fala alguma coisa, a irmã vai para as redes sociais reclamar. Fala outra coisa, o pai faz textos assim pesados.
Depois de tanto tempo, isso não me incomoda. Eu vou continuar fazendo comentários. Tomara que ele brilhe intensamente, que seja o nosso grande jogador, que o hexa venha e que eu possa falar o nome dele com alegria felicidade.
Existe pressão sobre tudo o que você fala na televisão. Eu não tenho nada com a vida pessoal de ninguém. Eu critico, comento o que é do campo.
O senhor conviveu com muitos treinadores na cobertura da seleção. Qual foi o melhor e o pior que você viu?
O Zagallo é o melhor. O pior eu não falo…
E o melhor de conversa?
O Vanderlei Luxemburgo, meu amigão. A gente, na Copa América que ele ganhou, ficava conversando até as 4h da manhã.
E o mais mala?
O Leão. Ultimamente, tenho conversado com ele, fizemos um programa juntos, mas tinha uma época que ele era uma mala na seleção.
O senhor afirmou recentemente que o Luiz Felipe Scolari nunca mais o atendeu desde o 7 a 1. Sabe por quê?
Foi o meu comentário do Jornal Nacional. Eu gostaria muito de conversar com ele. Mandei duzentos recados.
Na antevéspera do 7 a 1, falamos com ele no Jornal Nacional. Estávamos sem o capitão [Thiago Silva] e sem o Neymar. Eu disse: vamos com 2002 neles, jogar com três zagueiros, dois volantes?
Ele disse: “não posso jogar assim no Brasil. Tenho vários jogadores para o lugar do Neymar, estou tranquilo”. Rapaz, minha vontade era falar “fudeu”. Mas não podia falar, né?
Aí acontece o que aconteceu. O meu comentário depois da derrota virou um editorial. Foram mais de três minutos. Foi feito a oito mãos, com o Ali Kamel [diretor de jornalismo], o Renato Ribeiro [diretor de esportes], o João Pedro Paes Leme e eu.
Eu fui duro porque tinha que ser duro. Mas quantos elogios na vida eu fiz a ele? Quantas vezes demos risada juntos?
Como foi deixar de narrar a F1?
Em 41 anos narrando, eu peguei a fase áurea no Brasil, fiz os títulos, tive sorte. Então, diria que estou no desmame. Como crio gado, eu faço uma relação, sei que o desmame é algo difícil para o animal.
Você gostava mais de narrar F1 do que futebol?
Não, o que eu sempre disse é que exige mais. É mais difícil do que futebol, que você vai relatando. F1 é meio como fazer desfile de escola de samba, você tem que entender o enredo. Então, tem que ter uma proximidade muito grande, ter informações. Saber estratégia que está sendo usada e porque tá sendo usada.
Como o senhor vê a situação atual do Brasil?
Um momento muito difícil, de confronto muito grande e beligerância. Espero que as pessoas tenham um pouco mais de juízo e tranquilidade.
Nos últimas dias houve movimentos reafirmando a importância da democracia após ameaças do presidente Jair Bolsonaro. O senhor apoia iniciativas assim?
Claro, eu sou um democrata. Em 1968, eu tinha 18 anos e estava em Brasília. Eu vivi as durezas do golpe e da ditadura militar. Tinha a consciência exata das coisas. Eu falava em assembleias permanentes, saí fugido pelo mato, tomei porrada da polícia, cheirei gás lacrimogêneo.
Pretende declarar voto?
Não, mas corroboro e estou do lado de movimentos pela democracia.
www1.folha.uol.com.br/esporte/2022/08/nao-vai-ter-outro-galvao-na-globo-eu-fazia-tudo-diz-galvao-bueno.shtml
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