Artigo do Dr. Lincoln Pinheiro Costa no portal Ibahia, que vale ser lido e pensado, pois estão afastando o povão do futebol, através de uma conjunção de forças e interesses, muito bem interpretados neste texto.
* “Futebol, esporte da civilização industrial?”
Por Lincoln Pinheiro Costa
Quando o futebol se popularizou naquele reino, a Inglaterra já era um país industrializado
Amigo leitor, esta coluna não é uma tese acadêmica e não está baseada em pesquisa empírica. Trata-se, tão-somente, de uma reflexão originada do hábito de pensar.
O futebol, tal como o conhecemos, começou a ser praticado na Inglaterra em meados do século XIX e se profissionalizou naquele país em 1885.
Não por acaso a Inglaterra foi o país onde se iniciou a Revolução Industrial no século XVIII.
Quando o futebol se popularizou naquele reino, a Inglaterra já era um país industrializado e urbano.
Charles Miller introduziu o futebol em nosso país no final do século XIX, mas foi apenas a partir da década de 50 do século XX, com a realização da Copa do Mundo no Brasil, que o futebol tornou-se um esporte das massas.
A década de 50 do século XX marca também o início do ciclo industrial brasileiro, quando a atividade fabril começou a superar a atividade agrícola, provocando o êxodo rural.
A população chegada do campo para trabalhar nas fábricas encontrou no futebol, já campeão mundial em 1958, sua diversão preferida.
Para acolher esse público, grandes estádios foram construídos.
Não era incomum a realização de partidas em estádios com mais de cem mil pagantes nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX.
Ocorre que o ciclo industrial entrou em declínio, sendo superado pelo setor de serviços.
A partir da última década do século passado essa mudança de ciclo começou a se refletir no futebol.
Os grandes estádios, construídos para abrigar o operariado em busca de diversão, foram se encolhendo para dar conforto ao consumidor de serviços: cadeiras foram colocadas na arquibancada, a geral foi tendo sua ocupação restringida até ser definitivamente fechada.
A legislação também foi alterada para se adaptar a esse novo ciclo econômico: os jogadores, antes “escravos dos clubes”, ganharam liberdade para se vincularem aos empresários.
Isso fez surgir um fenômeno curioso: os jogadores passaram a ganhar “fãs-clubes” que os acompanhavam a todos os times para onde fossem, enfraquecendo o vínculo afetivo do jogador com a torcida de seu clube.
Nos dias de hoje este novo ciclo está se consolidando no futebol: dirigentes dizem com todas as letras que querem consumidores nas arenas, como são chamados os estádios atualmente.
O povão – operário, geraldino – não é mais bem-vindo com seu radinho de pilha, objeto cuja entrada nas arenas é proibida pela polícia. É preciso ter dinheiro para gastar nos bares – cerveja só se for sem álcool – e nas lojas instaladas nesses centros comerciais.
O templo do futebol foi apropriado pelos vendilhões!
Ao contrário da era industrial, na era dos serviços o interesse pelo futebol está menor.
Observem as crianças de hoje e comparem-nas com as crianças de trinta anos atrás: poucas jogam e gostam de futebol.
Os “games”, a diversificada programação televisa e as precoces boates infantis atraem mais as crianças que o futebol.
Com este crescente desinteresse, daqui a vinte anos o futebol será um esporte exclusivo da elite endinheirada, como era no tempo em que Charles Miller trouxe a primeira bola de couro para o Brasil.
Sobreviverá o futebol sem o povo? Reflita sobre isso!
Lincoln Pinheiro Costa é Juiz Federal em Belo Horizonte e ex-Procurador da Fazenda Nacional em Salvador. É graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. É membro do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. twitter.com/lincolnpinheiro
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