Foi para a coluna da Mônica Bergamo na edição de domingo, 28. Uma das grandes oportunidades que o futebol me deu foi conhecer gente como o Samuel, Henrique, Lelo, Haroldo, Fernando Furtado e toda a turma que cerca o Skank, que orgulha a todo mineiro. Samuel é danado! Psicólogo por formação acadêmica, bom de bola, bom de papo, ótima pessoa e músico que dispensa comentários. Veja esta entrevista dele à Folha. Dá todos os recados, com direito a umas porradas, sem ser grosso nem deselegante. Típico conterrâneo de Guimarães Rosa, Carlos Drumond de Andrade, Oto Lara Rezende, Fernando Brant e tantas outras inteligências privilegiadas das nossas montanhas:
* Usa mais uma vez o futebol ao comentar sua declaração no Rock in Rio
de 2013, quando disse que “maconha é proibido, mas mensalão pode fazer
de novo, né?”. Para ele, houve “uma leitura míope” da frase.
“Entenderam aquilo como se fosse uma coisa partidária. ‘Ah, então você
tá puto com o PT, você é PSDB…’ Para, eu sou Cruzeiro! Eu sou
Cruzeiro [risos]! É o seguinte: se eu falo mal do Flamengo, não
significa que eu sou Vasco.”
Com olhos arregalados, Samuel chama de “cafona” a música que domina as
rádios comerciais, com a supremacia de ritmos como sertanejo, pagode e
funk. “Sou um pouco filhote da geração dos anos 1980, que fazia uma
música que chegava a todo mundo, mas não necessariamente descambava,
avacalhava o negócio. Existia uma certa pretensão artística autoral
que hoje se perdeu completamente.”
A Legião Urbana era um exemplo, diz ele. “Caramba, o tomador de conta
de carro cantava, a molecadinha, o cara do elevador, o gari. E não era
necessariamente popularesco, assim, ‘eu, você, dois filhos e um
cachorro'”, afirma, citando refrão de música do sertanejo Luan
Santana.
“O mau aluno”
Samuel Rosa decide ser ‘irresponsável’ e se aventurar em trabalhos
fora do Skank; o cantor critica a ‘esculhambação’ na música com o
sucesso de ritmos ‘cafonas’ como o sertanejo e afirma ser contra saída
de Dilma
“O Samuel é muito caxias, ele é muito estudioso, quer fazer 40
ensaios, quase me mata.” É assim que Samuel Rosa, 49, conta ser
descrito por Lô Borges, 63, em entrevistas recentes para divulgar a
parceria entre os dois músicos mineiros que resultou em shows e
gravação de DVD.
E é essa fama de certinho que o líder do Skank anda querendo apagar.
“Tô buscando menos compromisso, menos rigidez, levar menos a sério as
coisas”, diz ele ao repórter Joelmir Tavares após a passagem de som da
primeira apresentação da turnê “Velocia” em Belo Horizonte, há alguns
dias. “Quero ser o mau aluno. Vamos ver se consigo.”
O cantor fala em se “permitir experimentar”. Além da parceria com Lô,
neste ano ele e os colegas de banda Henrique Portugal, Lelo Zaneti e
Haroldo Ferretti assinaram a trilha sonora de um espetáculo do Grupo
Corpo.
E o vocalista começa a pensar em compor para teatro e cinema. “Quero
ir mais nessa direção, de ser um pouco mais irresponsável. Brincar com
as possibilidades.”
O Skank, que dali a poucas horas cantaria para 5.000 pessoas na casa
de shows com lotação máxima, “já mostrou a que veio” após 24 anos de
estrada, diz. Ainda sem sofrer impactos da crise na economia, segundo
o músico, o grupo faz de seis a oito shows mensais “por opção”. A
“condição privilegiada” deixa o caminho livre para projetos
individuais.
À moda mineira, reconhece ser “um pouco perigoso” fazer as críticas
“porque fica parecendo pretensão”. “Mas acho que chega uma hora que
você tem que colocar os pingos nos is sim, você tem que ser um pouco
politicamente incorreto. Tá muito ruim mesmo. Será que só eu que tô
percebendo a esculhambação?”
A música “Esquecimento”, do disco “Velocia”, entrou há algumas semanas
no ranking das mais tocadas no Rio e em SP. Nos anos 1990, a banda
ultrapassava a marca do milhão de discos vendidos. “Não era só a
gente. Os Titãs tavam vendendo muito, os Paralamas, Lulu Santos,
Cidade Negra… Era uma maravilha.”
A indústria musical mudou, o meio digital cresceu. E veio o “recuo do
pop rock”, nas palavras do cantor, que levanta hipóteses para as
causas, sem encontrar respostas.
“Ah, beleza, pop rock é a coisa mais popular do Brasil, vende
milhões… Achavam que ia ficar aquilo mesmo, o tempo todo? Onde é que
quem faz, grava, produz errou? Acho que todo mundo ficou muito
sossegado.”
Sossego. Foi o que Samuel buscou quando decidiu não mais declarar voto
publicamente. Ele, que já apoiou Lula e Aécio Neves, ficou quieto na
eleição de 2014. Os parceiros Henrique e Haroldo fizeram campanha para
o conterrâneo candidato a presidente.
“É complicado porque parece que, quando você chancela um candidato,
você está ali fazendo reuniões com ele, tomando decisões”, diz o
vocalista. “Um dia eu apoiei o Lula. Quando estourou o mensalão,
também fiquei muito decepcionado. Mas eu não tinha como saber.”
Revela “certo receio de ser apedrejado” ao analisar o país: “Tenho
idade suficiente para ver que o Brasil mudou muito de 20 anos para cá.
Não que eu esteja satisfeito, mas tivemos ganhos. Algumas coisas
melhoraram muito. E não só para nós que somos de uma classe
privilegiada, mas também para quem nunca teve a oportunidade de ir à
escola, de ter saúde”.
E segue: “Eu não acredito que a corrupção tenha começado de 15 anos
para cá. A nossa corrupção é genética”, diz, enfático. “Agora, nunca
se falou tanto, condenou tanta gente, tanta gente na cadeia, como tá
acontecendo agora. Não quero ficar entrando nesse coro de que tá tudo
uma merda, porque tem também gente que vislumbrava possibilidade de
ser muito mais rico do que é e que entra de gaiato aí nessa história.”
Diz ser contra a saída de Dilma Rousseff. “Não seria positivo. Eu
manteria a Dilma até acabar o mandato dela. É uma instituição
democrática. E não pesa contra ela nada, de que roubou. Não acho que
seja um desastre. Ela pode estar no time, mas talvez não fosse a faixa
de capitão para ela, entendeu?”
Usa mais uma vez o futebol ao comentar sua declaração no Rock in Rio
de 2013, quando disse que “maconha é proibido, mas mensalão pode fazer
de novo, né?”. Para ele, houve “uma leitura míope” da frase.
“Entenderam aquilo como se fosse uma coisa partidária. ‘Ah, então você
tá puto com o PT, você é PSDB…’ Para, eu sou Cruzeiro! Eu sou
Cruzeiro [risos]! É o seguinte: se eu falo mal do Flamengo, não
significa que eu sou Vasco.”
“Talvez os pais dos amigos do meu filho possam implicar”, reflete, ao
defender a descriminalização da maconha. “Drogas muito mais nocivas
são liberadas. Tenho isenção para falar, porque não uso. Claro que já
experimentei. Tenho amigos que usam, enfim. Mas tenho amigos que bebem
muito também, e eu bebo [gargalha]. Mas não muito.”
Já à noite, pouco antes do início do show, Samuel ignora as bebidas
disponíveis no camarim, perto de uma cesta com pães de queijo. Como o
show é na cidade onde eles moram, parentes e amigos dos músicos
circulam pelos bastidores –a turnê chega a São Paulo no próximo
domingo (4), no Tom Brasil.
O vocalista fica sentado, com um violão. Toca e canta “Wonderwall”, do
Oasis. Sua filha Ana, 13 –ele também é pai de Juliano, 16– está num
sofá em frente. Ela e os outros adolescentes do grupo parecem mais
interessados em bater papo e mexer no celular. “A galera aqui nem tá
ligando, tá de costas, olha a indiferença”, diverte-se. “É bom pra
sentir o tamanho da nossa irrelevância [risos]. Nem parece que tem um
pessoal ali fora esperando a gente…”
A multidão que aguarda a banda ainda ouve as músicas selecionadas por
um DJ. Uma delas: “Domingo de Manhã”, da dupla sertaneja Marcos &
Belutti, a canção mais tocada nas rádios brasileiras no ano passado.
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