Depois do Marcelo Tadeu Saltarelli, no post anterior, agora a visão do professor Francisco Ferreira, Gestor e Consultor de treinamento em futebol:
* “Erros em cascata na gestão do futebol do Cruzeiro”
Quem é do ramo do futebol sabe que este é um meio que tem sua própria dinâmica. As coisas mudam de um dia para o outro, mas os sintomas de que algo anda errado ficam muito evidentes para aqueles que conhecem um pouco do assunto. Sem querer me arvorar em sabe-tudo ou dono da verdade, exponho a seguir minha visão do momento do clube: o Cruzeiro, clube onde atuei por 11,5 anos na comissão técnica permanente do departamento de futebol profissional, é considerado um dos clubes mais estruturados assim também como um dos que oferece as melhores condições de trabalho com salários sempre em dia e bom ambiente. Todos os treinadores que passam pelo clube costumam dizer que lá tudo funciona, que os profissionais permanentes são de excelência, etc… E isto é uma verdade! Porém, a temporada atual aponta uma gestão equivocada em vários sentidos.
Volto a bater na tecla: A gestão do futebol no Brasil é mesmo medíocre! Ainda estou pra ver um choque de gestão no futebol brasileiro! Trata-se de um meio ainda extremamente conservador, apegado às subjetividades, extremamente político onde o que prevalece é o ficar bem diante de conselheiros, imprensa e torcedores. Neste meio não são bem vindos aqueles que falam a verdade, que apontam os erros, que botam o dedo na ferida!
Outro aspecto que causa muitos prejuízos é que: Gostar de futebol é muito diferente de Entender de futebol e aqui no Brasil parece mesmo que todos acham que entendem… Daí termos ainda nossos clubes sendo comandados de forma amadora pelos seus vaidosos dirigentes estatutários que, na verdade, não passam de torcedores apaixonados do clube. Presos a uma estrutura arcaica que se perpetua no âmbito de CBF, federações e clubes onde a esfera política é a “locomotiva” a puxar os “vagões” das esferas administrativa e técnica, quando deveria ser o contrário. Enquanto este poder, blindado pela legislação ultrapassada e quase que onipotente da esfera política sobre as outras esferas, permanecer absoluto, será difícil termos uma gestão realmente revolucionária.
Começo a escrever este artigo no intervalo do jogo Fluminense X Cruzeiro… E o que vi foi assustador! Um time sem força, sem capacidade de arranque, chegando atrasado nas bolas e, consequentemente, cometendo faltas em excesso. Na questão tática, um bando!, pois não adianta contratar jogadores com campeonato em andamento e achar que basta coloca-los em campo que irão resolver.
O português Paulo Bento é competente e tem uma metodologia de trabalho moderna, mas tudo o mais que ele e a diretoria tem feito está errado:
- O momento de sua contratação (não se implanta uma metodologia diferente esperando resultados imediatos);
- Não se contrata um treinador europeu para vir atuar no futebol sul americano sem que tenha conhecimento das características, da cultura de nosso futebol, de nossos atletas, etc. e ainda querendo resultados imediatos.
- Não se deve chegar a um clube, conhecido pela estrutura e qualidade/competência científica de sua comissão técnica permanente e não usar seu know-how (culpa também da diretoria que não banca sua comissão técnica permanente e permite que o treinador recém chegado abra mão destes profissionais!).
- De modo arrogante tanto Bento quanto sua comissão técnica tem insistindo no valor de sua metodologia como se ela fosse uma coisa de outro mundo, uma grande novidade para nós brasileiros.
- Paulo Bento erra grosseiramente ao suprimir os treinamentos de força tanto no campo quanto na sala de musculação e aplicar somente treinos em campo reduzido. Eu defendo a periodização tática, mas desde que adaptada à cultura de nosso futebol como treinos complementares de força, funcionais e proprioceptivos.
- Seu preparador físico não dá importância aos relatórios dos fisiologistas quanto ao aspecto de prevenção de lesões monitorados através de marcadores bioquímicos e de inflamação.
- Insistem na escalação de atletas que reconhecidamente não vem bem e que são contestados por imprensa e torcedores correndo o risco de serem queimados (Alano e Bruno Rodrigo são os maiores exemplos).
- Erram por mudarem as rotinas de horários de treino sem saber que o atleta brasileiro não possui o mesmo senso de profissionalismo dos europeus na vida particular: Não se cuidam em termos de repouso e alimentação fora do clube.
No início do ano aplaudi a montagem de uma comissão técnica permanente de excelência com a chegada do auxiliar Geraldo Delamore e do preparador físico Alexandre Lopes para se juntarem a Quintiliano Lemos, Eduardo Freitas, Eduardo Pimenta, Charles Costa, Ronner Bolognanni, Sérgio Freire Jr., dentre outros… Mas por falta ou de conhecimento, ou de habilidade, ou de coragem para impor a filosofia do clube por parte dos que comandam o futebol (Bruno Vicintin e Thiago Scuro), esta comissão já perdeu os dois primeiros citados. Bem, se sou eu o Diretor de Futebol ou Diretor Executivo, a prioridade seria sempre a continuidade de profissionais de reconhecida competência técnica, impondo à comissão técnica que chega a divisão de responsabilidades e a valorização dos profissionais do clube que deverão ter voz ativa na condução dos processos de treino, logística, recuperação, etc.
Fica evidente que Deivid não tinha culpa! O elenco era mesmo carente de mais qualidade. Assim, melhor seria tê-lo mantido por já estar ambientado e com seu modelo de jogo em desenvolvimento e dar-lhe os reforços necessários.
Bruno Vicintin, um empresário rico e bem sucedido foi apresentado como o Vice de Futebol que iria aplicar os modelos de gestão corporativa na gestão do clube, mas a realidade o mostra como alguém que, não sendo do meio do futebol, age mais passionalmente, com o coração, como um torcedor! Thiago Scuro foi contratado como solução para a condução do departamento de futebol, mas a apresentação de um bom currículo acadêmico não lhe garantiu a experiência suficiente para comandar um clube de ponta do futebol brasileiro. Vir após o jogo dar uma de linha dura por conta de uma declaração infeliz, mas verdadeira, do atacante Riascos é tentar transferir culpa! A reação do jogador só demonstra o estado de desapontamento dos atletas.
Quer apostar em algo inovador no futebol? Então dê tempo para que seja implantado e desenvolvido! Se é assim, Paulo Bento deveria ter vindo em dezembro. A diretoria deveria ter bancado a permanência e poder de voz da comissão permanente.
As coisas como estão, indicam que o Cruzeiro caminha a passos largos para o rebaixamento… Isto indica também que Paulo Bento vai cair em breve! Não porque seja incompetente, mas porque foi contratado no momento errado, sem conhecimento das particularidades do clube e do futebol brasileiro, assim como sem tempo para implantação de seu método!
É muito fácil prever o que vai acontecer: Vão tentar trazer o Mano Menezes de volta e esperar que ele faça o mesmo milagre que operou no ano passado, quando, se tivesse chegado com duas ou três rodadas de antecedência, teria chegado à Libertadores e, quem sabe, até mesmo disputado o título!
Repito o que citei em um artigo recente: Como disse um certo dirigente de um grande clube, sobre uma possível contratação do ousado Fernando Diniz, após a brilhante campanha do Audax no Paulistão: “Ah, mas ele iria precisar de tempo para implantar sua metodologia!”, ou seja, esta fala demonstra o nível de nossos dirigentes: para estes, significa simplesmente que os outros treinadores não precisam de tempo… É só chegar e fazer mais do mesmo! Até faz algum sentido, dada a bagunça que é o futebol brasileiro em termos de gestão!
Quer trilhar um caminho de SUCESSO no futebol?
- -CONTINUIDADE e FIRMEZA de PROPÓSITOS: é o primeiro passo! Apostar em trabalhos de médio e longo prazos sem se importar ou se deixar levar pelas pressões por mudanças em busca de resultado imediato;
- -METODOLOGIAS MODERNAS: Investir em treinadores com metodologias modernas, mas dando-lhes tempo;
- -CONHECIMENTO TÉCNICO: Dirigentes deveriam ter experiência e conhecimento profundo da área técnica;
- -CORAGEM: Para traçar metas, rotas e processos em conjunto com o departamento técnico/científico do clube, bancar aquilo em que se acredita e ser coerente com o que foi proposto;
- -HABILIDADE e CONVICÇÃO: Para saber conduzir a gestão de pessoas e os processos. Mesmo sendo o futebol multifatorial, apostar na coerência sempre tornará a possibilidade de êxito mais plausível do que o simples acaso! Os processos bem feitos e bem conduzidos são mais importantes do que um resultado imediato passageiro, pois garantem uma probabilidade de êxitos futuros mais duradouros (Criação de um Ciclo Virtuoso);
- -VISÃO MACRO: Estudar e entender os contextos, sabendo se situar dentro deles.
É este o simples CHOQUE DE GESTÃO que poderia trazer resultados futuros aos grandes clubes do futebol brasileiro no médio e longo prazo!
Francisco Ferreira
Gestão, consultoria & treinamento em futebol
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