Mesmo morando mais no Rio do que em Minas, Aécio tentava controlar a política mineira
As fotos postadas para ilustrar este texto foram escolhidas por mim.
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Meus caros amigos e amigas do blog. Há muito tempo eu não lia uma avaliação do quadro político de Minas Gerais tão bem escrita. Desprendida de paixões, sem ranços e com muita informação. Não conheço pessoalmente o autor. É a primeira vez que leio algo dele. Bom demais: professor Enrique Natalino, de Ciências Políticas da PUC/MG.
O texto é longo, mas vale a pena, principalmente se você é mineiro e gosta de fazer projeções dos caminhos da nossa política e dos nossos políticos que, no frigir dos ovos, mexem com o nosso destino como cidadãos:
“Tudo em política tem começo, meio e fim.”
As sementes da aridez política que Minas Gerais e Belo Horizonte vivem hoje foram plantadas ao longo vários anos.
Minas Gerais, eternamente dependente do empreguismo público, das exportações minerais, da agricultura e de uma modesta indústria, viveu bons momentos de prosperidade e ascendeu no ranking econômico e social nos anos 2000 enquanto conseguiu alinhar a sua diversidade populacional e as suas imensas complexidades políticas com um projeto de liderança e de modernização coerentes.
Com o racha do grupo político do ex-governador Itamar Franco, Aecio Neves, oriundo de tradicional família política do Estado, então presidente da Câmara dos Deputados no último biênio do governo Fernando Henrique, foi ungido pelo ex-governador como seu candidato à sucessão ao Palácio da Liberdade. Venceu a disputa, derrotando o ex-governador Newton Cardoso e o candidato de Lula, Nilmario Miranda.
Aécio Neves foi em Minas na década passada o que Lula foi no Brasil: um líder com grande força aglutinadora. Tinha na melhoria da gestão o seu carro-chefe. Seus fiéis escudeiros eram o então secretário de Planejamento e Gestão, Antônio Anastasia, o secretário de Governo, Danilo de Castro, e a sua irmã, Andrea Neves, presidente do SERVAS (Serviço Social do Estado). Política e gestão andaram lado a lado ao longo de oito anos, num governo formado por uma coalizão de apoios de todos os setores e regiões mineiros, do teatro à fábrica, do Triângulo ao Mucuri.
A fórmula aecista funcionou durante uma década enquanto houve liderança política, coordenação administrativa e constante presença no Estado do chefe político do maior grupo formado em Minas Gerais desde Benedito Valadares. Aécio fez um governo empreendedor e dinâmico, beneficiado pelo crescimento da arrecadação, resolvendo disputas sem crises e delegando funções a secretários técnicos com larga experiência administrativa. Houve inegáveis avanços na gestão e melhoria dos índices sociais.
Aécio começou a desenhar a sua sucessão ao convidar para o cargo de vice-governador o então Secretário Antônio Anastasia, sem filiação partidária, responsável pela implementação do Choque de Gestão. Era uma solução doméstica, evitando lideranças que pudessem lhe fazer sombra. Até então responsável apenas pela área técnica, Anastasia não era político e não tinha a “physique du role” do político. Não era afeito a conversas e articulações políticas. Servidor público competente dos quadros estaduais e professor, foi ungido por Aécio e aprendeu a fazer política rodando por centenas de cidades de Minas Gerais, apertando a mão de prefeitos, vereadores e lideranças locais. Teve uma assessoria política competente que lapidou um diamante bruto.
Em 2010, sua vitória nas urnas não foi por acaso. Foi o resultado desse trabalho de base bem feito iniciado quatro anos antes, capaz de projetá-lo dos gabinetes para o centro do palco. Com a eleição de Aécio Neves para o Senado e sua ida para Brasília, o governo Antonio Anastasia foi de muita gestão, mas de pouca política. As qualidades de notável gestor e a capacidade de trabalho quase sem descanso eram acompanhadas de um esforço de ajuste da máquina pública aos tempos econômico difíceis do governo Dilma Rousseff. A bonança da década passada havia passado e o orçamento ficou curto.
O grupo político do senador Aécio Neves continuou tendo espaço no governo Anastasia, com a continuidade de Danilo de Castro e de Andrea em seus respectivos cargos. Sem Aécio por perto e com o foco de Anastasia em gerenciamento, Danilo teve ainda mais condições de exercer sua influência, o que despertou as rivalidades dos demais grupos. Seu filho, Rodrigo de Castro, beneficiou-se da presença do pai na cadeira de secretário, com o atendimento privilegiado aos seus prefeitos e apoiadores nos municípios. Outra figura de proa era o Secretário de Ciência e Tecnologia, Nárcio Rodrigues, do grupo rival ao de Danilo. Ambos disputavam com o deputado Marcus Pestana os maiores espaços no governo.
Antes resolvidos internamente por Aécio, cuja liderança era inconteste, os conflitos entre os diferentes grupos do PSDB e dentro da coalizão de um governo de cerca de quinze partidos passaram a vir à tona. As divisões foram se aprofundando e se refletiram já nas eleições municipais de 2012, na qual base do governo, apesar de numerosa, estava dividida e chegou até a encolher nas maiores cidades. O fórmula começava a desandar.
Por outro lado, Anastasia mostrava pouco apetite por formar um grupo político próprio capaz de fortalecer sua liderança no PSDB de Minas Gerais. Quadros excessivamente técnicos e de pouca habilidade política foram apontados para os principais cargos-chave. Talentos foram desperdiçados e não puderam desempenhar o seu papel, tolhidos pela blindagem em torno do governador.
Lideranças, prefeitos e vereadores eram isoladas e apartadas em cerimônias oficiais. Secretários visitavam o interior e mal terminavam de participar das cerimônias já voltavam de avião para a capital, sem conversar com a população local. Com essas atitudes, o governo foi se enfraquecendo e se distanciando da sociedade. Anastasia terminiu o governo sem fazer nenhum deputado estadual ou federal da sua “cozinha”.
Nesse sentido, ao chegar em 2014, às vésperas das eleições para governador e presidente, enquanto Aécio cuidava das costuras do projeto presidencial fora de Minas Gerais, o PSDB mineiro nem candidato à sucessão de Anastasia tinha ainda para apresentar. Na falta de Aécio para apartar os conflitos internos, enquanto as divisões entre os grupos se aprofundavam, o ex-ministro Pimenta da Veiga foi convidado por Aécio a vir a Minas Gerais para ser uma solução de consenso. O arranjo deu errado. Pimenta da Veiga não conseguiu unir a base aecista e perdeu as eleições.
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No entanto, tudo em política tem começo, meio e fim. Os sinais de desgaste da permanência de um mesmo grupo no controle do Estado estavam claros e vieram aos montes. As brigas internas pelo poder, o centralismo, a perda de contatos com o interior, a fossilização das cúpulas partidárias, a ausência de oxigenação e de renovação de lideranças, a incapacidade de leitura das transformações sociais, o insulamento técnico-burocrático e o desperdício de talentos foram sufocando a conexão autêntica Estado-sociedade.
Perseguir os talentos, destruir as capacidades e sabotar o caminho das novas lideranças é algo fatal em política. Ao fim e ao cabo, o PSDB mineiro foi do céu ao purgatório em apenas seis anos e vive hoje um dos piores momentos desde a criação. Elegeu duas vezes Aecio, elegeu Anastasia e fez de ambos senadores da República, mas viu escapar pelas suas mãos a chance de eleger, pela primeira vez desde JK, um mineiro para a Presidência da República. Perdeu o Estado que era um caso de sucesso em gestão pública. Perdeu a disputa em Belo Horizonte para um outsider que nunca disputou cargo público. Ao virar uma agremiação sem arrimo no dia a dia de Minas e de BH, viu ruir o suporte de grande parte da sociedade mineira, desencantada com o abandono dos seus líderes.
O resultado é que Minas Gerais viu o poder deslocar-se para as mãos do PT, justo no momento em que Aécio era candidato a presidente. Os adversários perceberam as fragilidades de Aécio e conseguiram atingi-lo em sua fortaleza. Com a crise do governo Pimentel e a desidratação de Dilma Rousseff ao longo dos anos de 2015 e 2016, a ausência de Aécio Neves das ruas e do front em Minas Gerais no combate aos desmandos do governo do PT foi sentido como covardia pelo eleitorado que o elegeu duas vezes governador e uma vez senador. Esse quadro ajuda a explicar a vitória de Alexandre de Kalil para a Prefeitura de Belo Horizonte, apesar dos esforços de João Leite para manter-se competitivo na disputa.
As lições da Roma Antiga e das Cidades-Estado renascentistas nos mostram que o declínio político começa quando o estupor e a euforia tomam o lugar da cautela e da humildade, fazendo os príncipes ignorar os conselhos realistas e depender apenas da bajulação dos áulicos. Os impérios começam a ruir quando, ao invés de fortalecer as bases internas e fincar estacas firmes para expandir-se, dilapidam o seu patrimônio e devoram lentamente os seus filhos.
Moral da história: os três governos estaduais mais sucedidos da história de Minas Gerais não tiveram continuidade por problemas políticos gestados no próprio seio do projeto de poder do PSDB mineiro.
“É preciso sair do sertão. Mas para sair do sertão é preciso tomar conta dele adentro”, profetizava Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”. Para vencer o sertão em que se encontra a política em nossos dias, é preciso atravessá-lo novamente, passo a passo, o que requer grande renovação e pode levar anos, talvez décadas.
* Professor Enrique Natalino – Ciências Políticas – PUC/MG
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Foto/montagem que ilustra bem a situação de mineiros/cariocas e o entendimento político.
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