Que boas lembranças me veem quando me lembro do Theotônio, uma das primeiras pessoas a quem dei ouvidos sobre política e sociologia. Fim dos anos 1970, início dos 1980, tempos da anistia política assinada pelo General João Figueiredo, o último da ditadura. Eu recém chegado de Sete Lagoas a Beagá para trabalhar na Rádio Capital, cheio de sonhos juvenis. Os exilados retornando ao Brasil, Brizola o principal deles, de quem eu era fã. A Rádio Capital se caracterizava por grandes entrevistas, debates acalorados sobre todos os assuntos. O chefe era Gil Costa, um radical na defesas de suas idéias, mas ao mesmo tempo um democrata. Dá pra entender? Abria espaços para gente que pensava o que quisesse, mesmo contra as opiniões dele. Na época, a maioria absoluta pensava diferente dele, direitista que era, defensor do regime militar, filiado à Arena, depois PDS.
Do cartunista Henfil a temidos delegados do apavorante Dops, todas as principais figuras da cena política freqüentavam os estúdios da Capital. Muitas vezes representantes dos dois extremos se cruzavam nos corredores e salões da rádio, cuja sede era num suntuoso casarão da Av. do Contorno 5057, quase esquina com Afonso Pena, ao lado da Praça Milton Campos, que naquele tempo era uma praça única, de verdade. Era ótimo ver e conviver com gente tão famosa, presenças diárias nas primeiras páginas dos principais jornais do país, noticiários das TVs e das rádios. Eu era repórter de esportes, mas tinha a maior curiosidade pelo que estava acontecendo com o país e o que poderia vir com a tal abertura política, o retorno do voto para governador e “quem sabe, a volta das eleições diretas para presidente!”. Com 18 anos de idade a gente sonha e acredita em dias melhores. Eu acreditava piamente no que dizia o filósofo austríaco Stefan Zweig (fugitivo da Alemanha nazista, que veio para cá, onde foi morar em Petrópolis), que escreveu: “Brasil, o país do futuro”. Num desses debates conheci o pessoal que representava Leonel Brizola em Minas, capitaneados pelo José Maria Rabelo, Sinval Bambirra e Theotônio dos Santos. Fiquei amigo do Jorge, do Sindicato dos Bancários, do Helinho demais filhos do Zé Maria e acabei me juntando a essa turma ótima na fundação do PDT. Brizola perdera a briga pelo comando do PTB, para a neta de Getúlio Vargas, Ivete, apoiada pelo governo militar na necessidade que eles tinham de barrar o ex-governador do Rio Grande do Sul de qualquer jeito.
Na militância pedetista, fiquei mais próximo à ala do professor Theotônio dos Santos, figura carismática, então casado com a Wânia Bambirra, outra figura fantástica, que mais tarde viria a se tornar “tia” do Nelinho, já que o grande lateral se casaria com a Vânia, sobrinha dela.
Na sequência, Theotônio bateu chapa contra o Zé Maria Rabelo pela presidência do PDT mineiro. Perdeu, ou melhor, perdemos. Pouco tempo depois ele foi se dedicar à vida acadêmica no Rio de Janeiro e só voltava a Belo Horizonte esporadicamente. Daqueles tempos para cá Brizola morreu, o PDT, assim como a nossa política virou o que virou, e a realidade é completamente oposta aos meus sonhos juvenis. Resta a resignação. Paciência, que o Stefan Zweig, o autor da bendita frase não teve, já que suicidou-se aos 60 anos lá em Petrópolis. Pois, esta semana o Theotônio dos Santos morreu no Rio, aos 81 anos de idade. O jornal O Globo, de quarta-feira, dedicou página inteira à história dele. Vale a pena ler. A ele, a minha homenagem e eterna saudade:
Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Herbert de Souza, o Betinho, na chegada ao Brasil após o exílio – Arquivo O Globo
“Morre o economista Theotônio dos Santos, aos 81 anos”
Professor foi um dos mais influentes pensadores da esquerda latino-americana (mais…)