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Vale a pena ler como funciona a corrupção no Brasil

Arnaldo Jabor, no jornal O Tempo, de hoje:

“O discreto charme da corrupção”

“Vivemos sob uma chuva de escândalos e denúncias de corrupção. Mas, não se enganem, esses shows permanentes nos jornais e na TV servem apenas para dar ao povo a impressão de transparência e para desviar seus olhos das reformas essenciais que mantêm nossas oligarquias intactas. Aos poucos o povo vai se acostumar à zorra geral e achar que tanta gente tem culpa que ninguém tem culpa. Me chamam de canalha, mas eu sou essencial. Tenho orgulho de minha cara de pau, de minha capacidade de sobrevivência, contra todas as intempéries.

Enquanto houver 25 mil cargos de confiança no país, eu estarei vivo, enquanto houver autarquias dando empréstimos a fundo perdido, eu estarei firme e forte. Não adiantam CPIs querendo me punir. Eu me saio sempre bem. Enquanto houver esse bendito Código de Processo Penal, eu sempre renascerei como um rabo de lagartixa, como um retrovírus fugindo dos antibióticos. Eu sei chorar, diante de uma investigação, ostentando arrependimento, usando meus filhos, pais, pátria, tudo para me livrar. Eu declaro com voz serena: ‘Tudo isso é uma infâmia de meus inimigos políticos’.

Eu explico o Brasil de hoje. Tenho 400 anos: avô ladrão, bisavô negreiro e tataravô degredado. Eu tenho raízes, tradição. Durante quatro séculos, homens como eu criaram capitanias, igrejas, congressos, labirintos. Nunca serão exterminados; ao contrário – estão crescendo. Não adianta prender nem matar; sacripantas, velhacos, biltres, vendilhões e salafrários renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o país.

E sou também ‘pós-moderno’: eu encarno a ‘real-politik’ do crime, a frieza do Eu, a impávida lógica do egoísmo.

No imaginário brasileiro, tenho algo de heroico. São heranças da Colônia, quando era belo roubar a Coroa. Só eu sei do delicioso arrepio de me saber olhado nos restaurantes e bordéis; homens e mulheres veem-me com gula: ‘Olha, lá vai o ladrão…’ – sussurram, fascinados por meu cinismo sorridente, os ‘maîtres’ se arremessando nas churrascarias de Brasília e eu flutuando entre picanhas e chuletas.

Amo a adrenalina que me acende o sangue quando a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares; vibro quando vejo os olhos covardes dos juízes me dando ganho de causa, ostentando honestidade, fingindo não perceber minha piscadela maligna e cúmplice na hora da emissão da liminar… Adoro a sensação de me sentir superior aos otários que me compram, aos empreiteiros que me corrompem, eles, sim, humilhados em vez de mim.

Sou muito mais complexo que o bom sujeito. O bom é reto, com princípio e fim; eu sou um caleidoscópio, uma constelação.

Sou mais educativo. O homem de bem é um mistério solene, oculto sob sua gravidade, com cenho franzido, testa pura. O honesto é triste, anda de cabeça baixa, tem úlcera. Eu sou uma aula pública de perversidade. Eu não sou um malandro – não confundir. O malandro é romântico, boa praça; eu sou minimalista, seco, mais para poesia concreta do que para o samba-canção. Eu faço mais sucesso com as mulheres – elas ficam hipnotizadas por meu mistério; e me amam, em vez do bondoso, que é chato e previsível. A mulher só ama o inconquistável. Eu fascino também os executivos de bem, porque, por mais que eles se esforcem, competentes, dedicados, sempre se sentirão injustiçados por algum patrão ingrato ou por salários insuficientes. Eu, não; não espero recompensas, eu me premio e tenho o infinito prazer do plano de ataque, o orgasmo na falcatrua, a adrenalina na apropriação indébita. Eu tenho o orgulho de suportar a culpa, anestesiá-la – suprema inveja dos meros neuróticos – e sempre arranjo uma razão que me explica para mim mesmo. Eu sempre estou certo; ou sou vítima de algum mal antigo: uma vingança pela humilhação infantil, pela mãe lavadeira ou prostituta que trabalhou duro para comprar meu diploma falso de advogado. Pois é, eu comprei meu título de advogado; paguei um filho de uma égua para me substituir no exame e ele acertou tudo por mim. Eu me clonei.

Subi até a magistratura. Como juiz e com meu belo diploma falso na parede, vendi muitas sentenças para fazendeiros, queimadores de florestas, enchi o rabo de dinheiro. Passei a ostentar uma dignidade grave, uma cordialidade de discretos sorrisos, vivendo o doce ‘frisson’ de me sentir superior aos medíocres honestos que se sentem ‘dignos’; digno era eu, impávido, mentindo, pois a mentira é um dom dos seres superiores. A mentira é necessária para manter as instituições em funcionamento. O Brasil precisa da mentira para viver. E vi que é inebriante ser cruel, insensível, ignorar essas bobagens como a razão, a ética, que não passam de luxos inventados pelos franceses, como os ‘escargots’.

Aí, com muito dinheiro encafuado, bufunfas e “granolinas” entesouradas, eu me permiti as doçuras da vida e me apaixonei por aquela santa que virou mãe de meus filhos. Hoje, com a passagem do tempo, ela vai se consumindo em plásticas e murchando sob pilhas de botox, mas continuo fiel a ela como o marido público, pois nunca a abandonarei, apesar das amantes nas lanchas e dos filhos bastardos.

E, aí, fui criando a minha rede de parentes e amigos; como é doce uma quadrilha, como é bela a confiança de fio de bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime… Assim, eu fechei o ciclo que começou na mãe lavadeira e no diploma falso até a minha toga negra, da melhor seda pura que minha esposa comprou em Miami, e não fui feito desembargador nas coxas não; eu já sabia que bastavam padrinhos e meia dúzia de frases em latim: ‘Actore non probante, reus absolvitur!’ (frase que muito me beneficiou vida afora). Depois, claro, fui deputado, senador e sou um homem realizado. Eu sou mais que a verdade; eu sou a realidade. Eu e meus amigos criamos esse emaranhado de instituições que regem o atraso do país. Este país foi criado na vala entre o público e o privado. A bosta não produz flores magníficas? Pois é. O que vocês chamam de corrupção, eu chamo de progresso. O Brasil precisa de mim”.

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Comentários:
4
  • J.B.CRUZ disse:

    — É A MISÉRIA HUMANA, NUA E CRUA ————— NOVOS TEMPOS —–
    ————————————————————————————–
    “”Mas, a VERDADE nunca para de caminhar..Por mais que seja longo o percurso, um dia ela chega a seu DESTINO””..

  • Silvio Torres disse:

    Antes do Privataria o Jabor dava nome aos bois. Agora, só escreve orações sem sujeitos…rs. Porquê será?

  • Paulo Henrique disse:

    Muito bem escrito e interessante texto! Porém, faltou objetividade para falar de problemas que permitem a corrupção perpertuar.

    Os grandes órgãos de mídia posam de paladinos da ética, mas nunca os vejo provocar debates sobre medidas eficazes.

    Há projetos de lei muito importantes de combate à corrupção parados no Congresso.

    Quando algum, como a ficha limpa, é aprovado, os donos do poder e corruptos podem se garantir junto a um judiciário podre.

    Não andam porque ferem interesses do Governo, da oposição e da própria mídia, que de santa não tem nada.

    Alguns pontos a serem mudados que poderiam aumentar bastante a capacidade governamental de combate à corrupção:

    – redução de instâncias judiciais;

    – responsabilização de pessoas jurídicas;

    – punições mais rígidas para magistrados corruptos;

    – ferramentas e combate à lavagem de dinheiro (em consequencia, inibição de caixa 2 de campanha);

    – formas de financiamento de campanha política;

    – autonomia de instituições como o Fisco e Defensoria Pública;

    – atuação integrada entre órgãos públicos (anular a condenação de Daniel Dantas por participação de funcionários da ABIN foi uma das maiores aberrações de todos os tempos);

    – regulação da mídia (muito diferente de censura). Exemplo: proibir monópolio de veículos de comunicação nas mãos da mesma família, como o caso dos Marinho e organizações Globo. Nos EUA já é assim;

    – etc, etc, etc…..

  • Anderson Palestra disse:

    O bandido que conheço não é Advogado, Juiz ou Desembargador, mas é tudo o mais que foi escrito.
    Ele é fazendeiro, deputado e senador, claro, nas coxas. Dá para se comprar referido cargo.
    Ele é baixinho, mas se agiganta quando a grana passa diante dos olhos e sorrateiramente preenche seus bolsos e suas cuecas.
    Ele foi um quebrado, gerente de barraquinha de feira e hoje é “respeitado” e afortunado.

    O nome dele? Ah, todos sabem. Tá na boca, ou melhor, no berro daqueles que amaram odiá-lo. O nome dele é BANDIDO ESTRELADO.