Ronan Scoralick, assumiu recentemente a presidência da rádio Inconfidência e justificou extinção da frequência AM: questões financeiras e tecnológicos – Foto de Ramon Bittencourt/O Tempo
Tive a honra de trabalhar lá e aprender muito, com alguns dos maiores nomes do nosso rádio: Vilibaldo Alves, Valdir Rodrigues, Jairo Anatólio Lima, Alair Rodrigues, Roberto Rocha e vários outros. O diretor geral era o poeta e compositor Fernando Brant. Pela Inconfidência AM, trabalhei na minha primeira Copa do Mundo, no México em 1986, ano do cinquentenário da rádio.
Mais triste é o pesadelo que estão vivendo os colegas que trabalham lá com os empregos ameaçados. Até os concursados estão com o pescoço na guilhotina, o que é altamente preocupante. Você faz um concurso público, é aprovado, presta serviço corretamente, não dá motivos para ser demitido mas mesmo assim terá de enfrentar um processo administrativo, cujo resultado você já sabe previamente: rua!
A notícia está no portal d’O Tempo:
“Rádio Inconfidência, fundada AM 1936, será extinta”
Novo presidente da emissora afirmou que funcionários devem ser demitidos; fechamento da frequência AM deve acontecer em 30 dias
A rádio Inconfidência AM, fundada em 1936 e conhecida como “O Gigante do Ar”, vai encerrar suas atividades. A extinção da rádio – que exibe o programa “A Hora do Fazendeiro”, o mais antigo do Brasil – foi confirmada nesta sexta-feira pelo presidente Ronan Scoralick.
O secretário de Estado de Cultura e Turismo, Marcelo Matte, já havia divulgado a informação na última quinta-feira, mediante protestos. Mas, nesta sexta-feira, Scoralick detalhou as causas do fim da rádio. Alegando motivos que mesclam questões financeiras (“a rádio não se banca”) e tecnológicas (“todas as rádios AM vão acabar por imposição legal”), o presidente disse que a extinção da rádio deve acontecer em até 30 dias. Com cerca de uma centena de funcionários, a emissora também vai passar por um processo de demissão. Além de terceirizados e comissionados, até concursados devem ser exonerados. “Há uma brecha legal para isso, pois o Estado está em situação financeira complicada”, disse o presidente.
O cenário atual contrasta com o de dois anos atrás, quando os 80 anos da emissora foram celebrados com festejos. O provável futuro desolador acabou incentivando a diretora artística Brisa Marques a pedir demissão. “Cultura, cidadania e educação eram os pilares da rádio, agora os novos rumos giram em torno de uma questão financeira, mas acho que é possível equilibrar esses dois objetivos”, disse Brisa. O presidente avalia um profissional de perfil mais comercial para assumir a vaga.
Com extensa atuação na área de programação de TV, especialmente na Rede Globo, Scoralick confirmou que pretende tornar a Inconfidência mais comercial. “Mas não será a qualquer preço. Não vamos tocar axé nem pagode; sertanejo, só raiz; mas temos que atrair anunciantes. Estamos mudando, mas com critérios”, adiantou. Questionado sobre como tornar comercial uma emissora eminentemente pública e educativa, ele respondeu: “Esse é o desafio”.
Segundo Scoralick, o governo atual tem como meta tornar a rádio sustentável até o fim de 2020. Atualmente, a operação da emissora tem custo anual de R$ 3 milhões.
Apreensão
A manhã desta sexta-feira foi angustiante nos corredores da sede da rádio, situada no Barro Preto. Logo cedo, o presidente convocou toda a equipe para anunciar as mudanças e as demissões. Os funcionários foram informados de que, mesmo concursados, podem ser demitidos e disseram que um processo administrativo será aberto em breve com esse objetivo. Um mapeamento está sendo feito para avaliar quantas e quais pessoas serão exoneradas, mas, nos corredores, o comentário é que esse número pode chegar a um terço dos quadros. A reportagem presenciou funcionários atônitos e alguns chorando. “Como acabar com uma rádio com 82 anos de existência?”, comentou um contratado.
Alguns funcionários chegaram a dar sugestões para evitar esse triste fim, mas o presidente apresentou números de audiência e financeiros e disse que a decisão já está tomada.
Há receio em relação à situação de funcionários mais velhos. “Tenho medo que essas pessoas entrem em depressão”, disse uma funcionária. A maioria dos trabalhadores entrou no concurso realizado em 2005, mas há funcionários com 20, 30, e até 50 anos de casa. “Eu imaginava que ia me aposentar numa rádio de qualidade como essa, pois era o emprego que eu sempre procurei”, disse outro funcionário.
Entidades reprovam decisão
O fim da operação da frequência AM da rádio Inconfidência também pegou de surpresa algumas entidades do setor. O vice-presidente da Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt), Mayrinck Pinto, lamentou a decisão do governo. “É triste, uma atitude drástica. A Inconfidência é uma referência em Minas, uma emissora com história. Durante a campanha do Romeu Zema (governador do partido Novo), isso não foi falado em momento algum”, disse. “A demissão dos funcionários é algo assustador”, completou.
Para o Intervozes, coletivo que atua na defesa da comunicação pública, faltou diálogo no processo. “O governo peca em não debater amplamente essa questão com todos os setores da sociedade e deslegitima a importância da comunicação pública, que tem como prerrogativa a divulgação de informação de interesse público sem seguir o critério de mercado”, avaliou Raquel Baster, representante do coletivo.
Essa guinada comercial é outro fator que deixa a equipe de cabelo em pé. Alguns duvidam da capacidade da rádio de atrair anunciantes, pois a audiência é muito baixa. “E como vender anúncio tocando Tom Jobim”, contestou outro empregado. Para alguns, o fim da Inconfidência AM é o prenúncio do mesmo destino para a FM. “Ia ficar feio para o Paulo Brant, um cara ligado à cultura, fechar a FM agora”, disse uma funcionária. Scoralick, no entanto, garante o funcionamento da FM.https://www.otempo.com.br/diversão/rádio-inconfidência-am-será-extinta-1.2164303
O Sindicato dos Jornalistas soltou nota de repúdio ao fechamento da emissora e vem dando informações da situação em seu portal:
“Governo Zema quer fechar Inconfidência AM e demitir concursados”
http://www.sjpmg.org.br/2019/04/governo-zema-vai-fechar-inconfidencia-am-e-demitir-concursados/
“Demissões na Rádio Inconfidência provocam apreensão dos trabalhadores”
Duas semanas depois de assumir o cargo, o novo presidente da Rádio Inconfidência, Ronan Scoralick, comunicou hoje demissões de quatro trabalhadores comissionados, gerando clima de muito apreensão na emissora. Há temor de que outras demissões sejam feitas e que este seja o começo da descaracterização da rádio, reconhecida pelo seu caráter cultural e pela qualidade da sua programação.
Uma das demissões, do jornalista Múcio Bolivar, provocou perplexidade. Ele produz e apresenta o programa Trem Caipira, que está no ar há 28 anos, sob seu comando. Considerado um símbolo da emissora, Trem Caipira vai ao ar diariamente, de 4h às 6h55, apresentando música brasileira de raiz, como batuque, congado, folia de reis, além de violeiros. A última hora de programação é dedicada aos músicos locais e ao longo de quase três décadas lançou inúmeros artistas, entre eles Chico Lobo e Pereira da Viola.
Múcio foi comunicado de que o Trem Caipira não se encaixa na nova grade de programação da Inconfidência. Foi informado também que a emissora vai reduzir seu quadro de funcionários.
“Fiquei muito chateado”, disse Múcio ao Jornalistas de Minas. “Estou aqui desde 1990 e o programa sempre esteve de portas abertas para os artistas. Que outra emissora vai abrir esse espaço para a cultura?”
O Sindicato lamenta as demissões e manifesta mais uma vez sua preocupação com a situação da Rádio Inconfidência, que no início do atual governo teve suas verbas de custeio radicalmente cortadas, assim como a Rede Minas de Televisão. A Rede Minas sofreu também drástico corte de pessoal, parte dele depois foi reconduzada.
Diante da mobilização dos trabalhadores e dos seus sindicatos, os novos presidentes das duas emissoras foram enfim nomeados, no dia 15 deste mês. O vale alimentação dos trabalhadores da rádio, que tinha sido cortado por falta de pagamento à fornecedora, foi normalizado, mas até hoje não foi divulgado o valor do contingenciamento de verbas, que chegou a afetar até o serviço de correio eletrônico.
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