Estou na estação de Bordeaux, aguardando o trem pra Hendaye, na divisa com a Espanha.
De lá, Espanha e Portugal, onde termina essa viagem e eu retorno pra nossa Minas Gerais.
Desiludido com a não concretização do que seria o ponto positivo da Copa do Mundo no Brasil (obras de infra-estrutura), andei escrevendo que só restava sonhar que o evento servisse ao menos como palanque de luxo para manifestações populares diante dos holofotes internacionais que estariam sobre o Brasil neste período.
Pois não é que este “legado” está chegando bem antes do previsto!? Graças a Ricardo Teixeira, que foi o primeiro a cair, da poderosa cadeira chefe da CBF, em função da mídia sobre ele e suas tramóias.
Deste as primeiras horas de segunda-feira, “só dá Brasil”, nos principais jornais, rádios e TVs de onde tenho passado aqui na Europa.
O melhor de tudo é que a imprensa europeia se aprofunda nos temas, convoca especialistas locais e estrangeiros a opinar sobre o país em questão e não deixa perguntas sem repostas. Inclusive os jornalistas enviados ao Brasil para a cobertura da Copa das Confederações.
O comentarista político mineiro, Rudá Ricci, BandNews FM, ocupa meia página, da 7, do Libération, de ontem, dando a visão dele dos protestos.
Privilégio para poucos brasileiros na história da nossa imprensa.
Os repórteres estrangeiros enviados ao Brasil não ficam apenas no tema futebol e entram nas questões políticas e sociais. Como é o caso do Jéròme Toubul, do L’Equipe, da França, dos mais respeitados jornais exclusivos de esportes, do mundo. Da abertura da Copa das Confederações em Brasília, o correspondente do L’Equipe foi para Fortaleza, de onde escreveu na edição de ontem, dentre outras coisas: “o Brasil é a sexta economia no mundo, mas por apenas ‘um sétimo’ de euro no aumento dos preços das passagens em São Paulo, viu explodir manifestações em todo o país; vividas pela última vez há mais de 20 anos com a derrubada do presidente Fernando Collor, por corrupção”.
Dá uma derrapada quando diz que o salário mínimo dos brasileiros é de 650 “euros”; conta que a repressão inicial aos protestos em São Paulo foi o estopim da revolta contra os gastos exagerados para a Copa e Olimpíadas, já que a população é carente de serviços básicos na educação, saúde e infra-estrutura; “aliados à corrupção e inflação galopantes”, diz.
Jèróme Touboul cita frases dos cartazes dos protestos: “Copa para quem?”; “para quê?”, e ilustra a reportagem com uma enorme foto (Marcelo Casa/AP) da PM de Brasília jogando gás lacrimogênio nos manifestantes.
Sobre Belo Horizonte o enviado do L’Equipe escreveu que os jogadores do Thaití reclamaram que a segurança foi tão rígida que eles não puderam conversar com calma com a imprensa, pois não os deixaram permanecer o tempo suficiente na zona mista do Mineirão.
O analista do jornal Le Telegramme, Henry Lauret, diz que “caiu a máscara do milagroso Lula”, e disseca a política econômica do ex-presidente, que segundo ele, deixou uma bomba explodindo no colo da Dilma, a sua “delfin”.
Neste mesmo jornal uma charge com Pelé, de terno, fazendo embaixadas tendo um cartola fumando um charuto atrás e o povo mais atrás, descendo do ônibus, dizendo, “e nós ferrados”.
Chargista Nono, quase tão bom quanto o nosso Duke!
Jornais tradicionalíssimos como Le Figaro, Le Monde e Libération, apresentam mapas da América do Sul, mostrando onde fica o Brasil e dedicam na editoria internacional o mesmo espaço que estão dando ao encontro dos chefes de estado do G8, na Irlanda. Le Figaro pôs Obama, Hollande, Merkel e cia, na página 6, e na prestigiada 7, uma foto de quase meia página da nossa PM cercando um manifestante em Belo Horizonte com o cartaz “Não atire; ouça!”.
A correspondente do Le Figaro no Rio, Lamia Qualalou, ouviu José Dirceu, figura que continua mandando no PT e e ainda forte no governo, apesar de condenado pelo mensalão e ainda solto.
Esperto, ele usou velhas e estratégicas palavras: “. . . o partido precisa dialogar com as novas forças sociais; ‘democratizar os meios de comunicação’, apostar na educação, na cultura . . .”
Quando fala em “democratizar” a comunicação ele quer exatamente o contrário, pois trata-se do maior defensor da aprovação de leis pelo Congresso que controlem o que a imprensa diz.
Se dependesse dele não sairia nada sobre mensalão, julgamento, impunidade e essas coisas.
Alguns editores ironizam nas manchetes e legendas, como o L’Équipe: “Le Brésil entre ballon et Batôn”.
Ou como o Le Télégramme, que escreveu que a população brasileira não recebe dividendos do país, “que é a sétima economia do mundo”.
Abaixo da manchete “Brésil. Le brasier de La contestation”, uma foto em meia página, de fogo ardendo na Assembleia Legislativa do Rio, e ironia máxima da imprensa francesas conosco: foto de caixa eletrônico do Itaú, arrombado no Rio, e a legenda: “distribuição de renda à brasileira”
O jornal Le Telegramme indica o site para que os leitores vejam imagens da “guerrilha urbana” no Brasil: www.letegramme.fr
Trecho do que disse o analista econômico Henry Lauret:
Sobre os milagres do Lula na economia.