Levir: antidemagógico, anti-hiprocrisias e língua nervosa, sem perder o bom humor
Conheço-o desde a seu primeiro trabalho em Minas, no Atlético, em 1994, quando chegou para juntar os cacos do que sobrou da fatídica “Selegalo”, aquele fracasso que custou muito caro ao Galo. Busquei-o na Vila Olímpica, depois de um treino, para uma entrevista ao vivo à nossa bancada do Minas Esporte, da Band, na primeira semana de trabalho dele.
Pegou o time na tal repescagem que existia no regulamento da época e o levou à semifinal do Brasileiro. Perdeu a disputa no jogo da volta para o Corinthians, no Morumbi, quando o goleiro Humberto aceitou uma falta de longe, cobrada pelo lateral Branco, campeão do mundo nos Estados Unidos naquele ano. ( https://www.youtube.com/watchv=O4EPeUI5lEA#t=131.089545 ). Uma das melhores pessoas que conheci no futebol, como profissional e como gente. Continua sendo um dos melhores treinadores do Brasil.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, domingo, virou manchete ao falar abertamente de um dos assuntos mais delicados do futebol, que é religião: “’No Santos vamos falar de trabalho, não de religião’. Fiz um resumo da entrevista, concedida a Klaus Richmond:
* “Levir Culpi, 64, não mede suas palavras. O treinador do Santos, chegou há menos de um mês ao clube e ajudou a equipe a, enfim, deslanchar na temporada. Mas ele não está satisfeito… estuda por fim às concentrações antes dos jogos, alvo de reclamação de jogadores. Outra medida, a mais polêmica, é a proibição aos cultos religiosos dentro do clube.
O centroavante e pastor evangélico Ricardo Oliveira é a principal liderança religiosa no elenco. Cultos durante as concentrações da equipe se tornaram hábito comum no time da Vila Belmiro.
“Quando entramos pelo portão do Santos vamos falar de trabalho e de futebol. Agora, quando saímos, cada um vai para onde quiser. Pode ser umbandista ou ateu, mas religião dentro do trabalho, não.”
Folha – Em outros clubes, o senhor já bateu de frente com jogadores importantes para o seu time como Ronaldinho Gaúcho, Diego Tardelli e Fred. Por que tomou essas atitudes?
Levir Culpi – São atitudes naturais. Não fico preocupado com o que vou dizer, pois falo o que sinto pela minha experiência no futebol. Hoje, tive uma reunião com os jogadores, falei de frente com alguns. Quero que eles se expressem.
Qual foi o motivo da reunião?
Queria conversar sobre algumas coisas que aconteceram aqui e que não gostei. A melhor maneira era essa, só eu e os jogadores.
Alguns jogadores do Santos costumam fazer cultos religiosos na concentração. O que o senhor pensa a respeito?
Se você adquire a confiança do grupo, como fiz no Atlético-MG, podemos tirar a concentração. Há essa possibilidade, mas vai depender das situações. Sobre o culto religioso, acho que quando entramos pelo portão do Santos vamos falar de trabalho e de futebol. Agora, quando saímos, cada um vai para onde quiser. Pode ser umbandista ou ateu, mas religião dentro do trabalho, não. Quando vamos sair de ônibus nós nos reunimos, fazemos uma oração. É um negócio bacana, que só fortalece o grupo. Apesar de eu ser um agnóstico, aceito qualquer manifestação religiosa desde que não fira alguns princípios.
Como analisa a cobrança sobre os técnicos brasileiros?
Tem cobrança de que o cara tem de estudar, que precisa fazer um curso na Europa. Agora, pega o [Pep] Guardiola [treinador do Manchester City] e manda ele vir aqui treinar o Corinthians e o Flamengo para ver como funciona. A impressão que dá é de que conseguimos fazer o que Barcelona e Real Madrid fazem, mas não conseguimos. Quem é que investe € 600 milhões no Brasil? No Barcelona você fica com o Messi, Iniesta e Neymar trabalhando cinco anos juntos. Pode colocar um técnico da segunda divisão do Brasil que a chance de ganhar é grande.
Fazer cursos fora do país não traz ganhos efetivos?
Os cursos podem ser feitos no Brasil. O futebol é um esporte lúdico, não é matemática. Dois mais dois com o Garrincha não são quatro. Então, temos que olhar o estado de espírito, a criatividade e uma série de fatores. O nível cultural nosso é muito inferior ao de um europeu, mas o nosso jogador é muito melhor do que um europeu pelo dom de jogar. Não dá para colocar só matemática em prática, dá para melhorar muito a situação de um time estudando, trazendo novas coisas. A fisiologia e fisioterapia evoluíram muito no nosso futebol, são áreas que se atualizaram em meio a calendários absurdos. O futebol está evoluindo, mas dentro dessa maluquice que é para o mundo. Acoplar tudo isso com estudos é interessante, mas é difícil ter surpresas, agora, ainda mais que está tudo uniformizado. Sabemos tudo o que está acontecendo na Espanha, na Rússia, na China. Sabemos o que treinaram, o que fizeram, então não é o caso.
O senhor já lançou uma autobiografia intitulada “Um burro com sorte” e já falou em um novo livro, que se chamaria “De volta para o inferno”. É um projeto mesmo?
É uma brincadeira com um projeto sério, ou vice-versa. Na verdade, gostaria de contar de maneira alegre as coisas que acontecem e são realidade para mim. Quando falo de volta para o inferno é porque passei sete anos no Japão (treinou o Cerezo Osaka de 2007 a 2013) e voltar ao Brasil, sem dúvida, é voltar para o inferno. Se considerar o que é o futebol no Japão e as coisas por aqui. São culturas completamente diferentes, mas aprendemos muita coisa. Voltei de lá menos crítico, mais livre do medo de dar entrevista, de falar o que tem que ser falado. Aqui há um cuidado de falar mal, de criar um clima. Isso pertence muito a nós brasileiros. Estou levando as coisas de uma forma mais agradável.
Em 2014 o senhor disse que pensava em parar. Qual é o seu projeto atual?
Pensamos uma coisa hoje, amanhã outra. Eu não sou diferente, mas estou começando a me preparar para parar, sim. Não quero que me parem. Sabe aquela coisa de que ninguém mais procura ou liga? Observando as pessoas aqui do Santos, os ex-atletas que estão aqui têm uma necessidade de estar no clube. Eu sei o que estão sentindo, ficar fora é ruim. A adrenalina é muito forte. Não tenho uma conta, pois pode acontecer de ir para o exterior, gostaria disso ainda. No Brasil são poucos clubes que gostaria de treinar.
O Santos era um deles então?
Quando surgiu o nome do Santos fiquei doido. O [ex-ponta direita] Manoel Maria, que é um amigo meu dos tempos de Coritiba, em 1972, me colocou no telefone com o Pelé sem eu saber. Falei com o Pelé e acabei fazendo uma brincadeira dizendo que ele teve muita sorte na carreira por não tê-lo marcado, pois não teria o nome que tem. Arranquei uma gargalhada dele, claro. É algo que vou guardar para sempre. Imagine conquistar um título aqui? Deixar o meu nome na história, quem sabe.
O clube passa por um processo político, com eleições programadas para o fim do ano. Reflete em vocês essa disputa? Deseja permanecer?
É algo muito difícil porque não há como conter. A oposição que quer assumir um clube sempre fará alguma coisa, suja ou limpa. Os da situação farão esforço para permanecer. Há uma briga que pode refletir no elenco. Pedi para fazer um contrato
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