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“O futebol é também território de hipocrisia e de pouca inteligência”

Tive o prazer de conhecer o professor Pasquale Cipro Neto ano passado, durante a Copa da África do Sul.

Ótimo papo e super simples.

Em sua coluna na Folha de S. Paulo, falou ontem sobre futebol.

Entrou num assunto que merece ser debatido. Muito interessante.

Veja aí:

* “PASQUALE CIPRO NETO”

O mundo do futebol e suas (des)lições


Beleza e talento à parte, o futebol é também território úbere de hipocrisia e de pouca inteligência


NELSON RODRIGUES dizia que o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes. Concordo, mas, parodiando o grande L. Babo, eu teria um desgosto profundo se faltasse o futebol no mundo.
Para mim, o futebol é beleza, estratégia, magia. Como torço para o Juventus, ou seja, para ninguém, fico livre para ver o que me interessa nos jogos: o talento e a capacidade dos atletas de articular as jogadas e de seguir a estratégia estabelecida.
Beleza e talento à parte, o futebol é também território de hipocrisia e de pouca inteligência. Quer coisa mais burra que a suspensão automática, imposta a um jogador que é expulso? Só no futebol alguém é culpado até que se prove o contrário… O árbitro acha que um atleta simulou uma falta (que houve), não marca a tal falta e dá ao jogador cartão amarelo -ou vermelho, se ele já tiver levado o amarelo. Depois do jogo, as imagens mostram à exaustão que o árbitro errou, mas a burra “regra” se mantém: o jogador está fora do jogo seguinte. O futebol é mesmo “burro, muito burro demais”.
O pior é ter de ler/ouvir a defesa da suspensão automática, sob o argumento de que, “se ela não existir, vira bagunça”. Tão ruim quanto essa “tese” é a de que condenar a suspensão automática é defender a impunidade. Condenar a suspensão automática é simplesmente condenar a impossibilidade de defesa, é condenar a condenação prévia, é condenar a pressuposição de culpa do atleta e a infalibilidade do árbitro. Só isso, nada mais do que isso.
O exemplo da suspensão automática é pretexto para um assunto “mais alto”: a capacidade de leitura, de interpretação (dos fatos, dos textos, do mundo). Quem entende, por exemplo, que a condenação da suspensão automática equivale à defesa da impunidade demonstra incapacidade de ler um texto e/ou fértil capacidade de tirar conclusões absurdas do que se diz/escreve. Paulo Freire dizia que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. O futebol e suas belezas e mazelas estão no mundo, portanto…
Outro raciocínio genial que ouvimos no futebol é este: “Se o juiz dá aquele pênalti, era um a zero pra nós”. Diz-se isso onde quer que haja uma partida de futebol e, muitas vezes, também no rádio ou na TV.
Santo Deus! Será que ninguém é capaz de pensar que a consecutividade dos fatos gera entre eles uma relação tal que impede que se afirme que, “se o juiz dá aquele pênalti…”? É simples: o árbitro não marcou o tal pênalti; se o tivesse marcado, nada do que aconteceu depois do lance teria acontecido, porque a sequência seria outra, de modo que é simplesmente impossível afirmar qual teria sido o placar do jogo. Há outra aberração na tal afirmação (“Se o juiz dá aquele pênalti…”): por acaso pênalti é sinônimo de gol?
Na semana passada, houve mais “lições”. Terminado o jogo em que o Once Caldas eliminou o Cruzeiro da Libertadores, foi um tal de ouvir esta ladainha: “O time de pior campanha da primeira fase eliminou o de melhor campanha”. Elaiá! Como se pode dizer que a campanha do Cruzeiro, que na fase anterior estava no grupo X e, por isso, só enfrentou os times do grupo X, é melhor do que a do Once Caldas, que estava no grupo Y e, por isso, só enfrentou os times do grupo Y? A campanha do Cruzeiro só foi melhor que a dos integrantes do seu grupo, caro leitor.
Não se pode absolutizar o que é relativo, do contrário tudo pode dar errado: projetam-se pontes e prédios que caem, matam-se pacientes porque não se levam em conta os efeitos colaterais que determinados medicamentos podem provocar, tomam-se decisões que não seriam tomadas, arruínam-se relações que poderiam ter outro rumo. É isso.

inculta@uol.com.brrEUCOMPASQUALE

Rogério Maurício, nosso editor no jornal Super Notícia, Professor Pasquale e o “locutor que vos fala”, no Soccer City, no jogo de abertura da Copa, ano passado.


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Comentários:
13
  • Wilson disse:

    Se o futebol é “um território de hipocrisia e de pouca inteligência”, vamos aguardar mais um pouco; quando os alunos estudarem o novo material de L. Portuguesa do MEC!
    Aí, o futebol não será o único território! Infelizmente!

  • Dudu GALOMAIO disse:

    Hahahahaha… esse JB, viu? Inacreditável…

  • Basílio disse:

    Pena que um cara inteligente como esse, não tenha espaço no futebol. Melhor assim, Pasquale, não entre nesta seara pra você não se vulgarizar. Ou você vai querer ouvir palestra do Luxemburgo? Com aquele palavreado chulo da beira dos gramados…

  • Frederico Dantas disse:

    Irretocável Pasquale, como de costume. Nada como o bom e velho raciocínio lógico, que trás luz ao breu e apequena os oportunistas dialéticos.

    Mas temos que convir que não podemos levar a vida toda sob este diapasão, sob o risco de torná-la chata, modorrenta, insípida. Então que fique reservado ao futebol, onde a lógica nunca teve guarida, a prerrogativa de subvertê-la.

  • Clayton Batista Coelho ( Claytinho - Só Boleiro do Nova Vista/BH ) disse:

    Belo texto !

    Com o professor Pasquale, agora aprendi mais uma:

    “Não se pode absolutizar o que é relativo…”

  • J.B.CRUZ disse:

    É preciso lembrar ao professor que a competição foi dividida em grupos, mas, os 2 times estavam dentro do CONTÊXTO; TAÇA LIBERTADÔRES DAS AMÉRICAS !! Ponto para o CRUZEIRO e observação errada do professor !!

  • Zé Carlos disse:

    Eita, o Pasquale sempre recomendava o Houaiss no lugar do Aurélio, mas eu só tenho este; algum filho de Deus pode me dizer o que significa “elaiá”?

  • André Guimarães disse:

    O Prof. Pasquale falou tudo e eu vou completar o que ele não falou ou porque não sabe ou porque se esqueceu:
    O futebol não é nada burro, ele é desonesto e sempre foi, as regras são feitas para privilegiar os poderosos, (maiores times , mais ricos, seleções mais famosas, times com maiores torcidas) e pronto. As regras não mudam como no volei, basquete e todos os outros esportes que evoluem com a evolução das tecnologias aplicadas ao esporte, mas no futebol é proibido evoluir senão os donos do poder não podem ser mais campeões com gols impedidos aos 48 do 2º tempo. É tudo questão de política e capital, o esporte em si fica em 3º plano.

  • Klang disse:

    Texto sublime. Ah se o Marcos Guiotti soubesse ao menos ler esse tipo de coisa.

  • Dudu GALOMAIO disse:

    Sempre fui fã do Pasquale por sua serenidade e inteligÊncia.
    Sempre assistia o “Nossa Língua Portuguesa” na TV Minas.
    E a observação dele sobre a campanha azul é muito interessante. Realmente é difícil comparar campanhas quando os times enfrentam adversários diferentes…

  • Washington Luiz disse:

    Belo texto…

  • “Elaiá! Como se pode dizer que a campanha do Cruzeiro, que na fase anterior estava no grupo X e, por isso, só enfrentou os times do grupo X, é melhor do que a do Once Caldas, que estava no grupo Y e, por isso, só enfrentou os times do grupo Y? A campanha do Cruzeiro só foi melhor que a dos integrantes do seu grupo, caro leitor.”

    Creio que este parágrafo seja um tapa na cara de todos os comentaristas do futebol nacional. Uma observação lógica, que de tão simples, nenhum de nós havia pensado.
    Pasquale se mostra, mais uma vez, um grande mestre.

  • tom vital disse:

    Belo texto.Mas o torcedor médio de futebol,não tem o raciocínio claro e lógico
    do Professor Pasquale Cipro Neto.
    O torcedor médio é um apaixonado.E a paixão desconhece a razão. Caso
    contrário não seria paixão…