Ele é o responsável por uma das maiores injustiças que o goleiro Victor está sofrendo na carreira. Aquele gol de cabeça que eliminou o Atlético da Libertadores não foi falha nem do arqueiro nem do zagueiro Leonardo Silva e nem do Lucas Pratto que também estava na marcação. Foi mérito absoluto desse Maicon, que fez uma coisa que eu nunca tinha visto um atacante fazer para “driblar” os marcadores. E só vi nas repetições das imagens dos vários canais de TV, em que a Fox tem uma tomada exclusiva, de trás do gol, bem antes da cobrança do corner. Ele ficou atrás de todos os marcadores, inclusive do Victor, como quem não queria nada. Na cobrança, apareceu de surpresa, em alta velocidade, à frente de todo mundo e “casquinhou” a bola, acertando o gol, numa felicidade rara.
Se prestarem a atenção, mesmo nessa imagem de frente, verão que lance impressionante.
https://www.youtube.com/watch?v=_kE04u2DQ54
Mas quero falar é do quanto é interessante a história desse jogador, que foi negociado muito jovem pelo Cruzeiro com o Nacional da Ilha da Madeira. Depois virou ídolo no Porto, mas saiu mal do clube que ainda é dono dos direitos dele.
O Atlético tentou contratá-lo, mas o São Paulo pagou mais pelo empréstimo. Hoje é idolatrado no clube paulista, porém quando foi anunciado pela diretoria as mensagens de torcedores no site oficial do clube eram desse jeito: “O São Paulo precisa parar de contratar pistoleiros de aluguel por 4 meses. Já tivemos a má experiência com o Dória no ano passado. Vão repetir o erro? Que belo planejamento hein? Nem a Votuporanguense faria melhor.”
Na imprensa paulista, as manchetes eram assim:
“Como reforço do SP passou de capitão com moral a execrado no Porto”
E ele tem orgulho de ser mineiro. Nasceu no interior paulista mas faz questão de dizer que é de Minas Gerais.
Veja esta ótima entrevista que ele concedeu ao Alexandre Lozetti e Christiane Mussi do Globoesporte.com antes do jogo contra o Toluca:
* “Eu li no site do São Paulo que você nasceu em Barretos, interior de São Paulo, mas outro dia você postou no Instagram a foto de uma cidadezinha…”
Eu sou de Planura. Só nasci em Barretos porque na época não tinha hospital lá, mas vivi minha vida toda em Planura. Fica em Minas Gerais, na divisa.
E você começou a jogar futebol no Cruzeiro?
Comecei no Mamoré, em Patos de Minas. Foi uma passagem bem rápida, depois fui emprestado para o Cruzeiro. Fiquei lá um ano e eles me compraram em 2007. Eu tinha de 17 pra 18 anos.
Todo jogador tem um pouco de várzea. No último jogo tive o episódio de ir para o gol. Na infância, eu disputei torneios de futsal como goleiro e fui o menos vazado. Na várzea jogamos de tudo
Como um garoto de Planura foi parar no Cruzeiro? Como o futebol entrou na sua vida?
Ah, eu passei a vida toda com meu pai me ensinando a jogar bola. O interior tem muito campeonato de várzea, treino todo dia. Não treino específico, né, mas solta a bola no meio e joga. Uma vez tivemos um teste na escolinha do Cruzeiro. Era com meninos nascidos em 1990 e 91, mas eu insisti que queria ir. Eu sou de 88. Eles deixaram, viram que eu tinha potencial e me mandaram para o Mamoré. Eles gostaram de mim, assinei contrato no segundo dia. Fiquei quatro ou cinco meses, talvez seis, e fui para o Cruzeiro. Na época jogava de volante ainda.
Seu pai foi jogador?
Meu pai foi jogador de várzea. Jogou muito, é bastante conhecido ali na região de Uberaba, Uberlândia. Ele teve oportunidade de ser profissional, mas não seguiu a carreira.
Se você é filho de um jogador de várzea, vai entender que essa pergunta não é pejorativa. Você concorda que tem um pouco de várzea no seu futebol?
Todo jogador tem um pouco de várzea. No último jogo tive o episódio de ir para o gol. Na infância, eu disputei torneios de futsal como goleiro e fui o menos vazado. Na várzea jogamos de tudo. Quando cheguei ao Cruzeiro eu era volante, mas havia muitos da posição, de mais nome, e precisavam de zagueiro. Então recuei. No Porto, já joguei de lateral-direito. É claro que não vou jogar de atacante, mas do meio para trás estou à disposição.
Mas no aspecto emocional, de ser um jogador mais destemido, firme, eu noto um pouco de várzea no seu futebol.
Eu tenho. Mas, taticamente, respeito muito minha posição. Há jogos em que estamos perdendo de 1 a 0 e falam: “Vai pro ataque!”. Eu não gosto, prefiro guardar minha posição com critério. Tem jogador que “varzeia” no mau sentido. Começa a perder, quer ir para a lateral, para o ataque. Eu prefiro ser bem centrado onde eu estiver jogando.
Você disse que foi o goleiro menos vazado no futsal. Tinha talento?
Todo jogador quer brincar no gol quando começa. Eu via o Hélton fazendo defesas pelo Vasco, o Júlio Cesar no Flamengo. O Fabiano (goleiro), que jogou aqui no São Paulo (entre 2007 e 2011), me mandou uma mensagem dizendo que se lembrava de quando eu pegava as luvas no treino e ficava brincando. Eu tenho esse gostinho. Mas gosto de guardar minha posição, não gosto de “varzear” à toa, querer fazer gol.
O europeu taticamente é muito correto. O futebol brasileiro tem pecado um pouco por isso, não segue à risca os critérios táticos. Por isso o futebol europeu está um pouco à frente
Você já havia terminado um jogo no gol?
Não, foi a primeira vez.
Essa situação já havia passado por sua cabeça?
Já tinha passado pela minha cabeça, quem sabe um dia precisar, mas no jogo foi espontâneo. Os meninos falaram para eu não ir porque sou zagueiro, mas eu falei: “Gente, se eu saio bem com a cabeça, com a mão vou sair melhor, vou estar mais alto. Vou sair em todas as bolas na área, pode deixar que eu saio”. Tenho um pouco mais de malícia. Não sou goleiro profissional, mas sei segurar bem a bola, sair do gol, tenho tempo de bola. Eles queriam colocar o Kardec, perguntei se ele já tinha jogado no gol e ele disse: “Nada”. Então deixa. E fui.
Posso te dar parabéns pelo dia do goleiro (a entrevista foi feita na última terça-feira)?
Não, não. Deixa isso pro Denis, o Léo e o Renan.
Eram os últimos minutos de jogo. Como estava o efeito da altitude? Passava algo por sua cabeça quando a bola era alçada na área do São Paulo?
Eu senti um pouco de tontura no aquecimento e fiquei incomodado porque achei que sentiria o jogo todo. Mas a partir do momento em que entrei em campo depois do aquecimento, não senti nada. Era como se eu já tivesse jogado lá. Senti a bola um pouco mais rápida, mas não senti falta de tempo de bola. Estava perfeitamente tranquilo.
O “Chupa, Strogonoff” do vestiário, depois do jogo, fez sucesso nas redes sociais.
É uma brincadeira. Não é legal para os adversários, mas eles nos provocaram no primeiro jogo. É o que eu disse: não é como começa, e sim como termina. Chamaram a gente de Bambi no restaurante, zoaram. Depois vimos que vence o melhor. Eles apelaram no fim, partiram para a violência e futebol não é isso. Mexeu na ferida, tem que aguentar. Eles não aguentaram.
Essa fixação em manter sua posição é fruto de sua formação europeia?
Com certeza. O europeu taticamente é muito correto. O futebol brasileiro tem pecado um pouco por isso, não segue à risca os critérios táticos. Por isso o futebol europeu está um pouco à frente. Eles guardam posição, sempre tem um na sobra. Fiquei oito anos na Europa, no Porto aprendemos a ser taticamente perfeitos. Isso ajuda o crescimento.
O nome do São Paulo pesa. E sabíamos perfeitamente que tínhamos condições, sabíamos do nosso potencial. É uma equipe muito forte. Nosso talento estava um pouco desacreditado, mas demonstramos na Libertadores ao passar por muitos momentos de dificuldade
Você chegou a jogar profissionalmente pelo Cruzeiro?
Joguei um jogo só. Cruzeiro x Atlético, a final do Mineiro (em 2007). Ganhamos de 2 a 0, mas tínhamos perdido de 4 a 0 o primeiro jogo, aquele episódio que o Fábio virou as costas para a bola. Foram dois zagueiros expulsos, precisaram, fiz um jogo só.
E como você foi parar em Portugal depois de um jogo no Cruzeiro? Quem foi esse mágico que te achou?
Não, para eu ir a Portugal foi assim: não subi para o profissional do Cruzeiro e fiquei três meses em casa. Surgiu a oportunidade de ir pra Cabofriense, eu fiquei um Campeonato Carioca, joguei um ou dois jogos e regressei para casa. Foram mais dois meses parado e o Ipatinga me ligou: “Queremos você aqui”. Eu fui, fiz exame médico e, quando ia assinar contrato, eu me lembro perfeitamente como se fosse hoje. O Ricardo Drubscky, treinador que tinha trabalhado comigo na base, me ligou e chamou para uma experiência em Portugal com o time B do Cruzeiro. O presidente do Ipatinga me disse que eu tinha uma coisa certa aqui, mas eu quis arriscar. Confiava no meu potencial. Fizemos quatro jogos, algumas equipes se interessaram pelo meu futebol, fui para o Nacional da Madeira e fiquei uma temporada.
Nesses meses que você ficou em casa, sem jogar, não houve cobrança da mãe para desistir, estudar?
Em momento algum passou pela minha cabeça fazer outra coisa. Ontem mesmo meu pai estava comigo e falou: “Lembra, filho, quando sua mãe falava pra você estudar?”. Eu sempre quis jogar futebol, mesmo na infância. Eu jogava o dia inteiro, 24 horas por dia.
Como foi sua adaptação em Portugal? Rápida? Imagino que a mudança de vida para quem ainda era um adolescente tenha sido brusca.
Quando eu cheguei ao Nacional tinha de 18 para 19 anos. Em Portugal, um jogador com essa idade dificilmente joga, eles chamam de bebê. Fui um pouco questionado porque o treinador não me conhecia e queria um jogador experiente, mas o presidente bateu de frente. Eu era reserva, o menino perdeu um documento e comecei a jogar no primeiro jogo. Joguei dois, três, quatro… O campeonato inteiro praticamente. Falhei num jogo em que fui expulso. Fui muito bem e acabei indo para o Porto. Sempre teve alguma coisinha querendo atrapalhar, mas, graças a Deus, nunca atrapalhou.
Você ficou oito anos em Portugal. Houve alguma possibilidade de voltar ao Brasil antes?
Houve alguns rumores há três ou quatro anos, mas eu tinha 23, 24 anos, e nunca passou pela minha cabeça voltar tão cedo. Agora também não passava, mas recebi uma ligação do São Paulo num sábado à meia noite, e no domingo teria que viajar. Quando o Gustavo (Vieira de Oliveira, diretor executivo de futebol) me ligou eu aceitei na hora. Um clube com a grandeza do São Paulo. Muita gente me perguntou: “Mas você vai para o São Paulo?”. E eu dizia: “Vocês não conhecem o São Paulo”. É o melhor clube do Brasil. Queria esse desafio na minha vida e acho que dei um salto na hora certa.
***
Aqui, a reportagem do Uol:
* Se o São Paulo tentasse o empréstimo do zagueiro Maicon há nove dias, provavelmente receberia um “não” do Porto como resposta. Mas esse foi o tempo necessário para que o brasileiro passasse de jogador com moral e capitão do time a “persona non grata” – a ponto de o clube português aceitar ficar com apenas três zagueiros em seu elenco e negociá-lo.
O problema começou em 7 de fevereiro. O Porto empatava por 1 a 1 com o Arouca, em casa, pelo Campeonato Português. Maicon tentou sair jogando da defesa e entregou bola ao rival, que marcou o gol da vitória. Então o brasileiro deixou o campo alegando uma lesão, antes que uma substituição fosse preparada. A torcida não engoliu a história, e aplicou uma sonora vaia enquanto ele saía.
A situação que já era complicada ficou insustentável quando a mulher de Maicon divulgou em seu Instagram comentários agressivos contra o departamento médico do Porto. Torcedores, imprensa e até ex-jogadores do clube não pouparam o brasileiro de críticas – o ex-volante Rodolfo Reis disse que já viu colegas jogarem de braço quebrado, por exemplo. Assim, de repente, o capitão da equipe não tinha mais clima para continuar.
A reação contra Maicon é explicada em parte pelo momento que vive o Porto. Sem nenhum título nas últimas duas temporadas, o time está sob intensa pressão da torcida, o que já custou o cargo do técnico Julen Lopetegui em janeiro. A percepção nas arquibancadas do Estádio do Dragão é de que faltaram raça e comprometimento nos dois últimos anos, e por isso a atitude de Maicon como capitão gerou tanta revolta.
À rádio portuguesa Antena 1, o irmão de Maicon, Maurides – que também é jogador e defende justamente o Arouca – disse que o zagueiro foi obrigado a deixar o Porto após a repercussão. “Não sei se ele queria muito (sair), mas o que aconteceu com ele praticamente fez ele ir. Sei que ele vai voltar muito melhor, voltar com muita garra ao Porto, ter muito mais história aqui”, disse.
No Porto, titularidade e gols marcantes
Por enquanto, o sentimento de parte da torcida do Porto é de que Maicon não pode voltar a vestir a camisa do clube. Outros, porém, não esquecem os bons momentos do brasileiro desde sua chegada, há seis anos e meio.
Revelado pelo Cruzeiro, ele chamou a atenção do Nacional da Madeira em uma excursão do time B dos mineiros a Portugal em 2008. Após uma ótima temporada, em que fez 26 jogos como titular e ajudou o time a se classificar à Liga Europa, foi contratado pelo Porto, um dos gigantes do país.
O primeiro ano foi de adaptação, mas em 2010/11 ele ganhou espaço após a saída de Bruno Alves. Na temporada seguinte, um gol importantíssimo – e impedido – definiu uma vitória por 3 a 2 sobre o Benfica, que foi decisiva para a conquista do Campeonato Português de 2011/12.
Em fevereiro de 2013, outro gol marcante: voltando de lesão, ele foi escalado para uma partida do Porto B – Kelvin, que será seu companheiro no São Paulo, também esteve em campo nessa partida. E Maicon fez um golaço, cobrando uma falta de muito atrás do meio-campo e encobrindo o goleiro do Oliveirense.
Na atual temporada, o zagueiro também fez o gol da vitória sobre o Chelsea na fase de grupos da Liga dos Campeões. Agora em novos ares, ele terá quatro meses e meio para tentar marcar seu nome com a torcida do São Paulo – ou torcer para que os fãs do Porto que hoje o condenam mudem de opinião nesse meio tempo.
Deixe um comentário para Pedro Vítor Cancelar resposta