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Cidade mineira se destaca em primeiro lugar no ranking das mais eficientes do país

Cachoeira da Prata, bem perto de Belo Horizonte e mais perto ainda de Sete Lagoas, lidera este ranking. Uma notícia muito interessante. Sou frequentador assíduo e conheço bem a cidade. O estudo é bem aprofundado e mostra a realidade dos municípios e como o passado pujante faz diferença hoje. Também mostra como a gestão pública no Brasil vem perdendo eficiência a partir de meados do Século XX.

* “Ranking inédito revela que só 24% das cidades são eficientes”

Ferramenta inédita lançada pela Folha em conjunto com o Datafolha neste ano eleitoral mostra quais prefeituras entregam mais serviços básicos à população usando menor volume de recursos financeiros.

O Ranking de Eficiência de Municípios – Folha leva em conta indicadores de saúde, educação e saneamento para calcular a eficiência da gestão e apresenta dados de 5.281 municípios, ou 95% do total de 5.569.

Numa escala de 0 a 1, só 24% das cidades ultrapassam 0,50 e, por isso, podem ser consideradas eficientes. Pesquisa nacional do Datafolha mostra que só 26% dos brasileiros aprovam a gestão de suas prefeituras.

No topo do ranking está Cachoeira da Prata (MG), com 3.727 habitantes e heranças deixadas pelo passado industrial forte. Na rabeira estão cidades do Norte, Centro-Oeste e o Rio Grande do Sul.

O levantamento revela que nos 5% menos eficientes, com índice de até 0,30, o funcionalismo cresceu 67% entre 2004 e 2014, em média. A população aumentou 12% no período.

Em crise, os municípios espelham também alguns dos principais desafios do país, como o crescimento do gasto público, a dependência de verbas federais, a perda da dinâmica da indústria e a ascensão do agronegócio.

O Ranking de Eficiência dos Municípios – Folha (REM-F) espelha alguns dos resultados da dinâmica atual da economia brasileira: gastos públicos crescentes, inchaço do funcionalismo, perda de participação da indústria e a ascensão de regiões promissoras como o Nordeste e de áreas como o agronegócio.

Duas das cidades no topo do REM-F ficam em Minas Gerais. Ambas têm o que sobressai nas administrações que usam melhor os recursos financeiros em educação, saúde e saneamento.

Cataguases, líder no ranking entre as cidades com mais de 50 mil habitantes (tem 74 mil) e a pequena Cachoeira da Prata (3.727), a primeira no geral, têm um passado industrial forte que deixou heranças à população. Mas o futuro é desafiador.

Elas retratam parte do atual drama nacional: a dependência crescente que os municípios têm dos recursos não gerados localmente e a perda de dinamismo de setores como o industrial, que teve sua fatia no PIB reduzida de 28,5% para 22,7% na última década.

Outras cidades e suas regiões visitadas pela reportagem, como Araraquara (SP), Juazeiro do Norte (CE), Porto Alegre (RS) e Porto Velho (RO) também revelam diferentes eixos e fases na atual dinâmica econômica do país.

INDÚSTRIA FALIDA

Cataguases e Cachoeira da Prata, por exemplo, desfrutam de uma boa base de escolas, unidades de saúde e saneamento que, segundo os dados do REM-F, é bem aproveitada no presente.

Vista do alto, Cachoeira da Prata é um anel de casas em torno de uma indústria têxtil fechada. O prefeito Murcio José Silva (PP) chorou ao mostrar os galpões abandonados onde começou a trabalhar aos 12 anos e que já empregaram 30% da cidade.

Sem outra fonte econômica, a prefeitura hoje depende em quase 100% de repasses do chamado Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e de outras verbas públicas para manter suas duas escolas, administrar uma Unidade Básica de Saúde e financiar a construção de uma nova creche.

É a mesma realidade da grande maioria das 5.281 prefeituras avaliadas pelo REM-F (95% das 5.569 no país): 72% (3.777) dependem em mais de 80% desses repasses.

O FPM é o maior deles e transfere aos municípios 24,5% da arrecadação líquida do IR (Imposto de Renda) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) recolhidos pela União. Eles também recebem dos Estados 25% do ICMS e 50% do IPVA.

Com a recessão e as desonerações tributárias ocorridas no governo Dilma, os repasses neste ano, de cerca de R$ 90 bilhões, devem ficar abaixo do total de 2015, quando também já haviam diminuído.

Em Cataguases, outro município que viu encolher sua base industrial nos últimos anos, a dependência do FPM e de demais verbas de fora é um pouco menor, mas acima de 80%. Assim como em Cachoeira da Prata, a prefeitura é hoje, individualmente, o maior empregador.

O prefeito José César Samor (PC do B) reconhece que o legado industrial de Cataguases e de boas administrações é o responsável pela rede de 25 escolas e 19 unidades de saúde. “A vida toda tivemos muitas escolas”, diz.

Em seus quatro anos de gestão, entre as medidas para liberar mais recursos para áreas básicas destaca-se o corte no funcionalismo, de 2.300 para 1.780 postos.

Nesse ponto, Cataguases é uma das poucas exceções à regra entre as prefeituras.

A base pregressa de boas administrações também ajuda a explicar a posição no REM-F de Araraquara (SP), cuja mesorregião figura no topo do ranking daFolha.

Em sua gestão, o prefeito Marcelo Barbieri (PMDB) adotou como regra assinar pessoalmente todas as despesas acima de R$ 5.000 para tentar conter desvios e reduziu em 70% o pagamento de horas extras.

Cercado de boas estradas (ao contrário do que se vê em Minas), o município de Araraquara também atraiu novas indústrias (como Hyundai e Randon), aumentando o emprego e a arrecadação de taxas e tributos cobrados pela prefeitura.

‘SEM MILAGRE’

Com 225 mil habitantes, 14 escolas municipais, 42 creches e 33 unidades de saúde, Araraquara registra dependência de outras fontes de recursos (como o FPM) da ordem de 60%.

“Sem crescimento, não há milagre. Boa parte de nossos investimentos foram realizados até 2012, em outra conjuntura”, diz Barbieri.

Foi o impulso dessa boa fase econômica até meados do governo Dilma 1, além de políticas locais bem-sucedidas, que contribuiu para consolidar bons indicadores em muitas cidades no Nordeste, região que mais cresceu na última década.

Entre todos os Estados, estão no topo do REM-F o Rio Grande do Norte e o Ceará.

Juazeiro do Norte (CE) é o centro da melhor mesorregião nordestina, que é também a terceira melhor do país, atrás de Araraquara e do nordeste fluminense.

A principal iniciativa da atual administração, na esteira do aumento da renda no Nordeste, foi reforçar a arrecadação própria, que saltou de R$ 15 milhões/mês para cerca de R$ 60 milhões.

O prefeito Raimundo Macêdo (PMDB) também restringiu a contratação de funcionários e terceirizou parte da saúde, política adotada por muitos municípios para reduzir custos.

Na maternidade São Lucas, o custo mensal de manutenção caiu de R$ 1,3 milhão/mês para R$ 1 milhão para atender a cidade e o Cariri.

Na educação, além dos altos índices de atendimento destacados no REM-F, a prefeitura arca com 100% do transporte dos alunos.

NOVA FRONTEIRA

Na rabeira do REM-F aparecem muitas cidades dos Estados das regiões Norte e Centro-Oeste. Suas dimensões geográficas são apontadas pelos administradores como causa da maior dificuldade para distribuir bem o atendimento de saúde, educação e saneamento. Porto Velho (RO) é a pior capital e centro da pior mesorregião do ranking.

Com a prefeitura como maior empregador e dependente em cerca de 60% de repasses de fora, a cidade tem 500 mil habitantes, 82 unidades de saúde e 194 escolas. A mais próxima do centro fica a 60 km, e a mais distante, a 357 km, na divisa com o Acre.

Muitas crianças usam barcos diariamente, e a prefeitura gasta R$ 28 milhões/ano só com transporte escolar.

Do ponto de vista econômico, é visível em Rondônia, assim como em outras cidades do Centro-Oeste, um novo desenvolvimento trazido pelo agronegócio.

Por ser uma atividade que concentra menos empregos e paga salários menores (do que a indústria), o desafio dos municípios nessas regiões parece ser distribuir melhor a riqueza gerada e diminuir seu grau de dependência do dinheiro gerado além de suas fronteiras.

Três entre cada quatro municípios do Brasil (76%) não são eficientes no uso dos recursos disponíveis para as áreas básicas de saúde, educação e saneamento, segundo os critérios e análises dos resultados do REM-F.

Em termos de atividade econômica, são mais eficazes na gestão as cidades onde predominam os serviços e a indústria. As menos eficientes dependem mais da agricultura ou da própria administração municipal.

Colocando-se os 5.281 municípios da base do REM-F em uma escala de 0 (ineficiente) a 1 (eficiência máxima), 5% deles ficam no intervalo de 0 a 0,3, 71% ficam entre 0,3 e 0,5, e 24%, entre 0,5 e 1 (ver quadro).

Nesse percentual de municípios mais eficientes, a participação dos serviços e da indústria no PIB supera os 35%.

Indústria e serviços normalmente demandam pessoal mais escolarizado e treinado e são as atividades que pagam melhores salários em comparação com a agricultura, por exemplo.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, no entanto, a tendência de diminuição da participação da indústria no PIB e o maior dinamismo das regiões agrícolas e do Nordeste podem estar mudando a dinâmica de desempenho dos municípios brasileiros.

Ele observa que a evolução do IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, da ONU) vem mostrando melhora nas cidades mais atendidas pelo Bolsa Família (metade dos beneficiários está no Nordeste) e nas novas fronteiras agrícolas.

“O emprego no setor industrial tem um bom nível, mas está piorando. Na agricultura, o nível é pior, mas está melhorando”, diz Vale.

RIO GRANDE DO SUL

Esta parece ser a tendência em Jari (RS), posicionada no ranking como o terceiro entre os piores municípios do Brasil (atrás de Pacajá e Placas, no Pará).

O PIB de Jari é composto basicamente da agricultura, e 8 em cada 10 habitantes vivem na zona rural, onde estão 90% das crianças.

Emancipada há duas décadas, Jari aparecia no Censo de 2010 com uma estrutura de atendimento muito precária, que se refletiu no pior índice de desenvolvimento humano do Rio Grande do Sul quando os dados foram divulgados, em 2013.

Desde então, a cidade conta com seu próprio sistema de água e inaugurou em 2015 uma escola que, segundo a prefeitura, dá conta da demanda remanescente, ao lado de três escolas rurais e de uma escola infantil.

A nova escola é tão recente que seus dados ainda não aparecem no Censo Escolar, quesito fundamental para que sejam repassados mais recursos para a educação.

Já a capital do Estado, Porto Alegre, é a única entre as do Sul e do Sudeste que aparece como “pouco eficiente” no ranking, embora tenha um alto Índice de Desenvolvimento Humano.

O índice de eficiência é puxado para baixo pelas dimensões de saúde e educação. A cidade tem menos de um médico para cada mil habitantes, e apenas 59% dos domicílios são cobertos por equipes de atenção básica.

Em 2010, só seis em cada dez crianças de quatro e cinco anos frequentavam a escola, segundo o Censo.

José Fortunati, o prefeito da capital, aponta problemas financeiros em cascata. Ao mesmo tempo, a arrecadação municipal encolheu, tanto os repasses, como o do Fundo de Participação dos Municípios (caiu 12,4%) e do ICMS (6,3%), como os impostos municipais.

FUNCIONALISMO

Outro ponto decisivo para a eficiência dos municípios parece ser o funcionalismo.

O REM-F revela que quanto maior o percentual de aumento do número de servidores entre 2004 e 2014, pior a eficácia das prefeituras nas áreas de saúde, educação e saneamento.

Entre os 5% dos municípios com índice de eficiência de até 0,30, o funcionalismo cresceu 67%, em média, entre 2004 e 2014. Nas cidades acima da faixa de 0,50, a taxa ficou em 48%. No mesmo período, a população aumentou 12%.

Cerca de 70% dos municípios brasileiros dependem hoje em mais de 80% de verbas que vêm de fontes externas à sua arrecadação.

Mesmo assim, as prefeituras aumentaram em 53%, em média, o total de funcionários em seus quadros na última década. No período, a população cresceu apenas 12%.

É nesse contexto, e como maiores empregadores do país (com 6,3 milhões de funcionários), que muitos municípios dizem atravessar hoje uma de suas piores crises.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que a maior fonte de recursos de 60% das prefeituras, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) cairá 10% neste ano, reduzindo-se a R$ 90 bilhões. Em 2015, ele já havia encolhido 2,3%, já descontada a inflação.

A recessão e as desonerações do governo Dilma reduziram a arrecadação do IR e do IPI, cuja parcela de 24,5% é repassada às prefeituras. Segundo o governo federal, porém, entre 2004 e 2014 os repasses aos municípios via FPM cresceram 76% além da inflação em razão do bom ciclo econômico.

NOVAS ATRIBUIÇÕES

O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, afirma que o crescimento dos gastos e do funcionalismo são justificados pelo aumento das atribuições das prefeituras nas últimas décadas, período em que a Constituição de 1988, a União e o Congresso passaram aos prefeitos centenas delas, sobretudo na saúde e na educação.

Até 1988, segundo a CNM, as prefeituras tinham 40 mil servidores na saúde. Para atender às novas atribuições encampadas ao longo dos anos, elas tiveram que expandir esse número para o 1,5 milhão atual.

Ziulkoski também reclama que a União hoje paga valores baixos nos programas que subsidia. No Saúde da Família, as prefeituras com até 30 mil habitantes recebem R$ 10.695/mês por equipe. O gasto médio chega a R$ 32.500, segundo a CNM. Na merenda, R$ 0,30/dia por aluno, para um custo de R$ 2,50.

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, “os municípios não podem chiar”. Ele diz que as prefeituras aumentaram de 10% para 17% nos últimos 30 anos sua participação nas receitas disponíveis para as várias esferas de governo. Nessa redistribuição, os maiores perdedores foram os Estados. “O que os prefeitos fizeram com o dinheiro a mais? Basicamente, gastaram com pessoal. É muito cabide de emprego e gasto desnecessário.”

Ao contratar pessoal, mesmo que para atender mais alunos e pacientes, os recursos livres são reduzidos.

Outra razão para o aumento do funcionalismo e da dependência de repasses foi a onda de emancipações nas últimas três décadas.

“O Brasil cometeu uma enorme extravagância na criação de 1.179 novos municípios da Constituição de 1988 para cá. Além da geração de máquinas burocráticas com custos enormes e sem atividade-fim, eles ficaram sem uma realidade financeira”, afirma o economista Eduardo Giannetti.

“Hoje, há uma situação em Brasília decreta planos espetaculares e bem resolvidos no papel, mas que não são reais nos municípios pela falta de recursos e capacitação.”

Por outro lado, diz Giannetti, “viver de mesadas constitucionais é a receita para a má utilização de recursos”.

TRANSPARÊNCIA

Uma lei de 2009, complementar à Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), obriga os municípios a publicar na internet, em tempo real, suas receitas e gastos.

“Mas maioria só tem um portal com a foto do prefeito e telefones, sem dados numéricos relevantes”, diz Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

Neste ano, até 30 de abril, prazo estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), só metade dos prefeitos haviam enviado ao Tesouro Nacional suas Declarações de Contas Anuais. Quem descumpre o prazo pode ter repasses bloqueados, como de emendas parlamentares. Mas a sanção nem sempre é aplicada.

A LRF também é descumprida sistematicamente em relação ao limite de gastos com servidores municipais, de 54% das receitas. Neste ano, 22,5% das prefeituras já estão acima do teto e há outras 30% no chamado “limite prudencial” (51,2%).

Como os prefeitos não podem deixar contas irregulares no último ano de mandato (e com a receita de transferências em queda), haveria uma profusão de políticos “ficha suja” a partir do ano que vem se a lei fosse cumprida.

A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) diz que 95% das prefeituras podem fechar 2016 no vermelho. “Estamos falando na condenação de toda uma geração de prefeitos”, diz Gilberto Perre, secretário-executivo da FNP.

Na prática, porém, eles têm se livrado do problema com a aprovação de suas finanças por Tribunais de Contas municipais e em câmaras de vereadores.

SAÚDE E EDUCAÇÃO

Embora especialistas concordem com a queixa dos prefeitos a respeito do aumento de suas responsabilidades, há uma avaliação negativa forte em relação à qualidade dos gastos.

“A gestão dos recursos é péssima, com malversação e corrupção”, diz Naercio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. “Poderíamos melhorar muito a educação, mesmo sem mais recursos.”

Pela Constituição, os municípios são obrigados a gastar 15% de sua receita na saúde e 25% na educação.

O médico Gustavo Gusso, professor da USP e especialista em atenção básica, diz que “a falta de foco e a busca de votos” são os maiores problemas em sua área.

Segundo ele, os investimentos que os prefeitos fazem são proporcionalmente maiores nos níveis secundário (especialidades) e terciário (hospitais complexos) do que no primário (prevenção).

“Muitas vezes o prefeito não tem condição, mas constrói um hospital onde não faz direito nem o atendimento secundário nem o primário. São elefantes brancos, com equipamentos errados na cidade errada para pacientes errados no lugar errado. É um clássico.”

A maioria da população considera apenas regular ou ruim/péssima a qualidade dos serviços prestados pelas prefeituras nas áreas de saúde, educação e saneamento (que compõem o REM-F).

Segundo pesquisa nacional do Datafolha, a área de saúde é a que recebe a pior avaliação: 52% a reprovam.

A taxa é superior à avaliação média dada aos próprios prefeitos, considerados ruins/péssimos por 43%.

Em educação e saneamento, a avaliação é um pouco melhor: um quarto dos pesquisados aprovam o atendimento (ver quadro).

 

Uma rápida observação do histograma dos índices do Ranking de Eficiência dos Municípios – Folha (REM-F) revela uma grande concentração de ocorrências entre 0,30 e 0,50, em uma escala hipotética que vai de 0 (extremo da ineficiência) a 1 (extremo de eficiência): 71% dos municípios brasileiros apresentam escore nessa faixa. Ficam abaixo desse estrato 5% das cidades e 24% o superam.

O resultado reflete efeitos das diretrizes legais e constitucionais da União sobre o perfil médio de operação dos municípios do país. Ferramentas de planejamento como as leis orçamentárias e os vínculos de despesas obrigatórias produzem um cenário relativamente homogêneo de desempenho mas, na maioria dos casos, pouco eficiente. Apenas cerca de um em cada quatro municípios conseguem superar o ponto médio da escala (0,50).

A variável que apresenta maior correlação positiva com o índice é a educação, especialmente a cobertura do ensino fundamental para crianças de 4 a 5 anos. Nos municípios com melhor desempenho no REM-F, a taxa de matrículas nessa faixa etária alcança uma média de 90%. Nos piores, cai a 49%.

SANEAMENTO

Saneamento básico é mais discriminante do que a área da saúde, principalmente o alcance do fornecimento de água –média de 82% entre os de maior REM-F e 43% entre os piores.

A rede de esgoto cobre, em média, a maioria absoluta dos domicílios em cidades com índice de eficiência superior a 0,50. Nas que têm escore de até 0,30, esse média cai para apenas 7%.

Nesse mesmo estrato de índice muito baixo, a cobertura domiciliar de equipes de atendimento básico na área da saúde até é majoritária (65%), mas se mostra bem inferior à observada entre as de maior eficiência (94%).

A receita per capita, assim como sua origem em transferências e repasses federais, não é tão determinante quanto as demais variáveis, apesar de ser um vetor de correlação negativa. Maior receita não significa melhor eficiência. Pelo contrário, apresentam-se com melhor desempenho no REM-F aqueles municípios que com menos recursos, fazem mais.

Isso explica o bom desempenho do Nordeste em contraste com outras regiões do país. Mesmo com um índice de receita per capita muito inferior a outras áreas, majoritariamente dependente de recursos do setor público, o conjunto de municípios nordestinos, especialmente os localizados em determinadas mesorregiões cearenses e potiguares, consegue superar em eficiência, por cobrir serviços básicos necessários, até mesmo a rica região Sul, equiparando-se, em escore geral, às líderes do ranking.

No Sul, o Estado do Rio Grande do Sul puxa para baixo a média da região. Isso porque seus municípios reúnem variáveis de correlação inversa a um bom desempenho no REM-F. A saber: alta renda per capta combinada à alta participação da agricultura como principal fator de composição do PIB (é a unidade da federação com maior concentração dessa atividade em sua economia: 40%) e baixa densidade demográfica (municípios com número de habitantes abaixo da média distribuídos por grandes territórios). O diagnóstico não indica demanda inexistente, mas sugere necessidade de maior esforço para atendê-la.

Entre as cidades que têm a agricultura como principal atividade econômica, 15% possuem índice de eficiência baixíssimo, inferior a 0,30. Quando o ramo que predomina é o setor público, a taxa cai para 4% e quando é a indústria fica em 3%. Cidades onde predomina o setor de serviços, possuem índices de eficiência maiores –em 40% dos casos, superam 0,50.

FUNCIONALISMO

E, cruzando-se os resultados do REM-F pela base de informações técnicas fornecidas pelos municípios ao IBGE, como por exemplo, a evolução do número de funcionários públicos em dez anos e o grau de escolaridade do gestor de planejamento da prefeitura, algumas hipóteses talvez expliquem o bom desempenho de algumas cidades.

Entre as cidades com índice de eficiência de até 0,30, o crescimento do funcionalismo entre 2004 e 2014 foi de 67% em média, enquanto entre os que têm REM-F superior a 0,50, essa taxa ficou em 48%. Nesse mesmo grupo, mais da metade dos gestores de planejamento têm pelo menos o ensino superior, índice que cai para 35% entre os de menor eficiência.

E em época de crise de representação, investigar se a participação direta da população na definição do orçamento do município guarda correlação ou não com a eficiência nos investimentos públicos também é relevante. Entre as cidades que desenvolvem experiências desse tipo, 35% têm índice de eficiência superior a 0,50. Entre as que não o fazem, essa taxa cai para 24%.

A seleção e o processo de teste das variáveis, especialmente de dados secundários, na composição de um índice, requer controle criterioso. A definição do modelo de cálculo deve considerar não só a busca por um indicador representativo do fenômeno que se pretende ilustrar, como também torná-lo compreensível no momento de divulgá-lo.

Tendências como “accountability” e transparência, especialmente no setor público, refletem a dificuldade. Se, por um lado, a democratização da informação e a oferta recente de bases cada vez mais detalhadas e abrangentes têm produzido conhecimento como nunca, por outro fica mais difícil o processamento e a análise da massa d e dados. Há necessidade de curadoria.

Com essa finalidade, depois de garimpar ao longo de um ano, Folha e Datafolha propõem um novo indicador de desempenho de administração pública que pode ser facilmente replicado.

FUNÇÕES BÁSICAS

Mais do que avaliar a atuação deste ou daquele gestor, a ideia é medir o grau de eficiência das ferramentas oficias de planejamento no alcance das metas na unidade autônoma da federação que figura como ponta operacional da União –os municípios.

O REM-F quantifica o cumprimento de funções básicas do município, previstas em lei, segundo os recursos disponíveis. Uma experiência do Instituto Polis, lançada nos anos 1990, inspira o conceito. A lógica para o filtro das variáveis leva em conta a confiabilidade das fontes, o potencial de rastreabilidade (disponibilidade dos dados para os mais de 5.000 municípios), a possibilidade de comparação e a facilidade de compreensão dos resultados.

Após pesquisas e testes, foram selecionadas, segundo essas diretrizes, oito variáveis, subdividas em quatro categorias –educação, saúde, saneamento e finanças. Em todas elas, considerou-se a taxa de cobertura de políticas claramente vinculadas às atribuições municipais. Em educação, tomou-se como parâmetro os percentuais de crianças de 4 e 5 anos matriculados no ensino fundamental e de 0 a 3 que frequentam creches.

Em saneamento foram considerados o percentual de domicílios na rede de fornecimento de água, esgoto e os atendidos pelo sistema de coleta de lixo. Na saúde foi levantada a cobertura por equipes de atenção básica e o número de médicos por habitante no município. A grande maioria dos dados provém do Censo 2010 do IBGE e não depende de informações oficias dos municípios.

Junto ao Tesouro Nacional, coletou-se a receita per capita dos municípios, dado que quando utilizado como denominador dos escores de cobertura das políticas públicas das três áreas citadas anteriormente, fornece a métrica de eficiência do REM-F.

PESOS

Para combinar parâmetros e grandezas tão distintos, utilizou-se a padronização de escalas com base em valores máximos e mínimos, a exemplo do que acontece na composição do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, amplamente divulgado pela ONU).

Para o cálculo de eficiência, atribui-se peso dois à educação e saúde porque ambos os setores têm despesas vinculadas às receitas dos municípios, o que torna o investimento uma obrigação constitucional. O resultado final é o quociente entre a média ponderada dos escores obtidos pelo município nas três categorias (saúde, educação e saneamento) e o escore de receita per capita.

O índice de eficiência varia de 0 a 1 –quanto mais próximo de 1, mais eficiente é o município no alcance de metas básicas. De acordo com os escores obtidos, os municípios são alocados em quatro subgrupos: ineficientes, cidades com pouca eficiência, com alguma eficiência e os eficientes.

http://temas.folha.uol.com.br/remf/ranking-de-eficiencia-dos-municipios-folha/ranking-inedito-revela-que-so-24-das-cidades-sao-eficientes.shtml


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Comentários:
3
  • Alisson Sol disse:

    Olha aí o que eu estava discutindo com o Zé Carlos, a nível nacional, alguns posts lá atrás.

    Crescimento do funcionalismo de 67% na média para as cidades ineficientes, nos 10 anos entre 2004 e 2014. Isto para um aumento da população de 12% no período. E depois ninguém sabe porque os municípios são deficitários, e isto se arrasta para os estados, e o governo federal…

    Em verdade, eu preciso escrever algo impopular (novidade!): municípios como Cachoeira da Prata em MG não deviam existir. Não faz sentido existir um município com menos de 4mil habitantes, com uma estrutura de prefeitos, vários secretários e 9 vereadores. A “cidade” podia muito bem ser um distrito de uma município adjacente, representada por um vereador. Assim, todo o dinheiro gasto com a estrutura municipal poderia estar sendo utilizado para contratar professores, médicos e policiais.

    Se tivéssemos um “corte” no mínimo de 10,000 habitantes, e considerando que a lista de municípios de MG na Wikipédia está correta (link) teríamos os estado indo de 853 municípios para apenas 377. Isto reduziria 476 prefeitos, e assumindo a média de 9 vereadores, teríamos 4,284 vereadores a menos. E, se por questão histórica, se quer manter o “município”, então vamos copiar o que se faz em muitos outros países: se cria o condado com administradores profissionais, e o município fica com o prefeito e vereadores não-remunerados.

    Cansei de escutar estórias de gente quando eu morava em BH que “tinha de viajar” para o interior só para votar, pois com uns poucos votos, ia eleger um parente lá em Lamim (3,511 habitantes) ou Serra da Saudade (818 habitantes). E estas pessoas acham que a desonestidade está lá longe em Brasília…

    • Vel disse:

      Prezado Senhor Alisson Sol:
      Você conhece Cachoeira da Prata? Sabe da importância que a cidade e a população tiveram na indústria têxtil e economia de MG e do Brasil? Qual era a renda “per capita” do município até a abertura das importações – que quebrou vários setores da economia? Que lá todos tinham ensino infantil, fundamental e médio (em escola particular) totalmente pagos pela indústria textil? Que a indústria foi das mais bem equipadas que existiram no país, com equipamentos de ponta trazidos da Europa para incrementar a produção? Que até hoje tem-se atendimento na área da saúde melhor do que muito hospital particular – com medicamentos grátis e especialidades diversas. Que crianças e adolescentes têm, dependendo da idade, 2 refeições durante o período em que ficam nas escolas? Que a indústria a que me refiro é de 1886 e funcionou à todo vapor por bem mais de 100 anos? Que lá tivemos dos primeiros automóveis, cinema para cerca de 300 pessoas, desde a época do cinema. mudo? Fomos dos primeiros municípios a ter um aparelho de tv em cores? Que de certa forma a população se manteve inalterada por decisão da população, que quis postergando a “invasão” da. cidade por forasteiros, trazendo violência e poucos valores, ao contrário do que aconteceu na maioria das cidades maiores da região?
      Escrever que municipios como Cachoeira da Prata não deviam existir?! Heeiiimmm?

      • Alisson Sol disse:

        Vel,

        Você não apresentou qualquer argumento para a discussão de “esta cidade deve existir?”. Você apenas foi sentimental em relação ao passado da cidade e à herança que tal passado deixou. Basicamente, é a repetição da estória que criou o “caipira preguiçoso e desconfiado” no Brasil: uma cidade criada ao redor de uma indústria, atração turística, mina, porto, ou outra atividade que dependia de “reserva de mercado” para ser competitiva. Além de deixar os cidadãos acomodados, tal processo alimenta sentimentos xenófobos, pois a cidade quer o dinheiro mas não a presença contínua dos “forasteiros” (e as despesas que isto representa). É o famoso problema do Brasil: vamos dar uma passagem para este “forasteiro”, e ele vai ser problema em outro lugar! Eu prefiro resolver o problema, e não jogá-lo para a próxima cidade…

        Baseados nos fatos que você mesmo descreveu, esta é mais uma cidade subsidiada do passado que vai deixar de existir no futuro. Que se documente a História da cidade, mas não se continue no erro de subsidiar este e milhares de outros municípios deficitários ao redor do país.