Ótimo perfil traçado pelo Miguel Caballero, na edição do O Globo de hoje: * “Alexandre Kalil, o ‘outsider’ que joga o jogo da política”
Prefeito zela pela imagem de não político e, com alta aprovação, vira o aliado desejado em Minas
BELO HORIZONTE – O Alexandre Kalil a discursar, de blusa rosa, no palco da Parada Gay de Belo Horizonte em julho é o mesmo que, em outubro, veta nas escolas municipais o debate sobre ideologia de gênero. Para o prefeito, Lula não é perseguido pela Justiça e nem sua condenação gerou comoção popular, mas, contra Aécio Neves, há muito mais provas, “gravação, mala, primo e o escambau”. Na sua visão, a tese petista de que a esquerda governa para os pobres e a direita para os ricos é uma mentira e “a maior merda” do debate político. Mas isso também é culpa da “elite brasileira idiota” que só quer “coleta seletiva, praça limpinha, segurança” e ignora os pobres.
Os acenos ao progressismo e aos conservadores e o falar informal carregado dos tempos de dirigente de futebol compõem o equilibrismo de Alexandre Kalil (PHS) nos altos índices de aprovação como prefeito de Belo Horizonte. Outsider bem-sucedido nas eleições de 2016, o ex-presidente do Atlético Mineiro virou aliança disputada e tem sido procurado por presidenciáveis de olho no eleitorado mineiro. Para manter a imagem de alguém “de fora” das disputas partidárias, não deve apoiar ninguém, antecipou, ao receber O GLOBO na última quinta-feira, em seu gabinete. Após um ano de gestão, o discurso de ser diferente dos demais permanece: “Faço política, não politicagem”. Olhando-se de perto a cena belo-horizontina, há controvérsias.
— Prefeito que barganha até poda de árvore com vereador quer dizer que é apolítico? — provoca o vereador Gabriel Azevedo, também do PHS, e que coordenou a campanha de Kalil, mas se distanciou do prefeito.
Se encarnar “o novo” é um ativo eleitoral, Belo Horizonte permite uma amostra do que se pode esperar quando um outsider vira governo. Kalil cumpriu a promessa de não nomear qualquer vereador ou deputado no secretariado. A moeda que lhe garante maioria na Câmara — hoje ao menos 24 dos 41 vereadores são fiéis ao governo — é outra. Os vereadores da base são convidados, por exemplo, a aparecer em lançamento de pequenas obras e inaugurar praças. Quem vota contra o prefeito é retaliado com a proibição até de entrar em eventos como a inauguração do Hospital do Barreiro, o maior da cidade, além de ver obstáculos em qualquer demanda.
— No Brasil, emenda parlamentar é tratada como lepra. Eu acho melhor, porque o dinheiro vai direto para a ponta, e não para a máquina. Não dei cargo, mas vou dar a obra para o vereador atender à a população na região dele. E a situação vai ter vantagem, sim, sobre a oposição. Isso é em todo lugar, é republicano — defende o prefeito. — Aprovei uma reforma administrativa dura, que cortou um monte de cargo. Minha base levou moeda na cabeça, foi xingada na internet. Aí, o cara da oposição quer posar bonito votando contra e depois inaugurar hospital? Só vai comer na festa quem pagou pela empadinha e pela Coca-Cola.
Se a negociação no Legislativo se dá no varejo, no governo os partidos foram contemplados no atacado, diz um ex-aliado.
— A área de finanças está nas mãos de gente do Anastasia, a área social tem três secretários ligados ao PT — conta o vereador Gílson Monteiro (PCdoB), ex-líder do governo Kalil, hoje na oposição.
O prefeito diz que os secretários com ligações partidárias são escolhas suas, como o ex-ministro de Dilma Rousseff Juca Ferreira na pasta de Cultura.
Há, porém, um político privilegiado com o direito de apadrinhar indicados. O presidente do PHS em Minas é Marcelo Aro, deputado federal e diretor de ética da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Em Brasília, notabilizou-se em seu primeiro mandato por integrar a tropa de choque do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje preso.
— Ele fez três indicações, são cargos sem relevância, não secretários. Se fizerem lambança, a culpa é minha. Quanto à amizade com Eduardo Cunha, eu não deixo ninguém escolher meus amigos, e não escolho o amigo de ninguém — desvia-se Kalil. — Mas também eu não apago retrato nenhum do Facebook, não, porque isso é feio. Não é bonito, não.
A provocação é a Luciano Huck, que deletou das redes imagens ao lado de Aécio Neves e cotado para disputar a Presidência, encarnando o papel do novo. O outsider mineiro não vê Huck candidato.
— Combinaram com o povo? Candidatura criada em gabinete é outra coisa. Ele teve um bom começo na pesquisa, mas ainda acho que não sai candidato. Não o conheço, só o vi consertar furreca na televisão, mas vai que ele é muito bom!
Se não conhece Huck, Kalil recebeu, nos últimos meses, outros presidenciáveis, como Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes e Álvaro Dias, interessados em costurar eventual apoio.
— Fica um (Lula) falando que é perseguido, outro (Bolsonaro) que gay tem que morrer. Lula não será candidato, e Bolsonaro é muito radical. De resto, é cedo para descartar qualquer um. Para mim, 2018 vai ser bom para deixá-los brigando e eu à distância disso — diz Kalil, descartando ser candidato a governador, embora bem colocado em pesquisas. — Chance zero.
FUTEBOL E POLÍTICA
Afastar-se de brigas não era seu estilo como cartola. Filho de um ex-presidente do Atlético, Kalil comandou o clube por dois mandatos, período do título mais valioso, a Copa Libertadores de 2013. Ele diz que deve “100% ao Galo” a popularidade que lhe deu condições de ser eleito prefeito, mas nega misturar política e futebol.
Ao deixar o clube, em fins de 2014, Kalil fez seu sucessor, Daniel Nepomuceno. Em 2017, o pupilo foi nomeado secretário municipal de Desenvolvimento, acumulando os dois cargos. Ao concluir o mandato no Atlético, há um mês, Nepomuceno cometeu uma gafe que alimentou as críticas ao peso do Galo na prefeitura. Ao responder ao jornal “Hoje Em Dia” se havia sido cansativo presidir o clube, ele disse que iria “pegar 60 dias, sem fazer nada”, e foi acusado de ter se esquecido do emprego público.
Antes do Atlético, Kalil trabalhou na empreiteira da família, a Erkal, e jamais concluiu a faculdade de engenharia. Ele constrói uma imagem híbrida de si mesmo, a do membro da elite com sensibilidade social:
— Nós entregamos à esquerda o direito de achar que só eles ajudam o pobre. Por que não se pode achar que a empresa tem que dar lucro, o lucro dar imposto e o imposto ajudar o pobre? A elite não enxergou que a pobreza precisa do poder público. O rico só quer segurança. Enquanto houver gente vivendo nos subúrbios de Rio, São Paulo e BH como na África, não adianta.
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