Saudoso Estádio José Duarte de Paiva, do Democrata de Sete Lagoas, onde hoje é um supermercado, quase no centro da cidade.
Quando li a notícia voltei no tempo e lembrei-me do telefonema que recebi do Gil Costa, convidando-me para trocar a Rádio Cultura de Sete Lagoas pela Rádio Capital, que estava sendo montada em Belo Horizonte. Aos 18 anos de idade eu era o “faz tudo” na emissora do Geraldo Padrão na minha terra. Adorava a roça, que aliás, gosto até hoje, e nem pensava em sair de lá. Andava de bicicleta, subia nos postes para instalar as linhas telefônicas de transmissão, montava as gambiarras dos transmissores, microfones e etecetera e tal. Os estádios Duarte de Paiva (Democrata), Santa Luzia (Bela Vista), Emilio Vasconcelos (Ideal), Santo Antônio (Textil) e campo do América no “Papa Vento” eram o meu mundo, felicidade total. Como o número 1 da “aldeia”, nunca tinha passado pela minha cabeça me aventurar em “Roma”. Morar em Belo Horizonte, nem pensar!!! Aquela selva de pedra me dava medo. No máximo, eu gostava do Mineirão e da lagoa da Pampulha, onde íamos regularmente transmitir os principais jogos do Atlético e do Cruzeiro.
Por educação, aceitei o convite para, pelo menos, conversar e agradecer pessoalmente ao convite do Gil, um mito do rádio na época. O programa dele na Itatiaia tinha uma audiência fantástica e ele tinha sido convidado pelo grupo paulista que estava montando a Rede Capital Capital de Comunicações para criar e comandar a rádio em Minas. Na época falava-se que era um projeto político do então governador de São Paulo, Paulo Maluf, que pensava nas eleições presidenciais, que viriam mais cedo ou mais tarde, no embalo das “Diretas Já”, com o prenúncio do fim da ditadura militar. Por intermédio de testas de ferro o hoje presidiário Maluf estava criando uma potência radiofônica nas principais capitais do país.
Em Minas, a Capital entrou detonando a concorrência, tirando os melhores profissionais das emissoras que detinham a liderança: Itatiaia, Guarani e Inconfidência foram desfalcadas dos seus melhores e mais famosos profissionais. E investia em desconhecidos, principiantes, de bom potencial do interior do estado ou rádios comunitárias, serviços de auto-falantes de bairros de Belo Horizonte. Eu neste time, junto com Garcia Júnior (Barbacena), Kleyton Borges, de Belo Horizonte e vários outros.
No escritório que dividia com o Luiz Carlos Alves, na AGC Propaganda, o Gil recebeu-me numa terça-feira pela manhã, na Avenida Olegário Maciel, a um quarteirão da sede do Atlético. Eu nunca soube quem indicou meu nome para ele, mas muito provavelmente foi o Luiz, um dos maiores nomes da reportagem do Brasil naqueles tempos, com trabalhos de grande repercussão na TV Itacolomi, Rádios Itatiaia, Inconfidência e Guarani. O Gil falou do projeto Rádio Capital que chegava para “arrebentar” e dominar a audiência em todo o Brasil, começando pelas principais capitais: São Paulo, Rio, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e obviamente Beagá. Eloquente, o mato-grossense Gil, vindo do rádio da Bahia, impressionava pela força da fala e pela estatura física, com seus quase dois metros de altura, ex-lutador de boxe. Entregou-me uma “ficha” de emprego, onde eu deveria preencher meus dados pessoais e na ultima linha a “pretensão salarial”. Impressionado e assustado com tudo aquilo, na minha cabeça eu reforçava a ideia de que jamais deixaria a minha cidade e vi naquele item da pretensão salarial, a oportunidade de agradecer a proposta e dizer não. Ganhava quase dois salários na Rádio Cultura de Sete Lagoas (uns 160 cruzeiros) e resolvi chutar alto na “pretensão”, que certamente seria recusada. Escrevi lá: Cr$ 1.000,00. Para o meu espanto, o Gil leu tudo com atenção e na mesma hora disse que estava tudo certo e que eu me apresentasse no dia 15 de junho na Rua Dr. Camilo, 116, na Serra, onde funcionava a Rádio Del Rey FM e a Del Rey Ondas Médias, a atual 98,3FM, cujo dono continua o mesmo, o querido Marco Aurélio Jarjour Carneiro, sócio do grupo paulista naquela época.
Para mim foi como uma pancada na cabeça. Não imaginava que ele fosse aceitar a minha pedida e não estava preparado para mudar os rumos da minha vida. Dentro de um mês eu teria de me mudar para Belo Horizonte e deixar a minha felicidade no interior!
Mas era muita grana para a minha realidade e eu não resisti. Assinei a papelada, fui para a rodoviária, que continua ali no mesmo lugar, e iniciei o processo de mudança de vida, começando por uma demorada conversa com os meus pais e depois com o dono da Rádio Cultura.
Uma das minhas últimas transmissões pela Rádio Cultura, entrevistando Ronaldo Tenaz, artilheiro do Huracan, um dos melhores times de futsal do Brasil, em 1979.
Na Capital, parecia um sonho trabalhar com “ídolos” da minha infância: Vilibaldo Alves, Waldir Rodrigues, Aldair Pinto, Flávio Anselmo, Paulo Roberto Pinto, Afonso Alberto, Marco Antônio Bruck, Paulo Rodrigues e tanta gente mais.
Me puseram para cobrir o América. Ao invés da bicicleta, um fusca marrom, novinho, dirigido pelo Geraldo Tito Pereira (Tatú) me levava diariamente para o distante Vale Verde, em Contagem, onde o Coelho treinava. Um operador, instalava o equipamento, testava, me entregava o microfone e eu tinha apenas o trabalho de abri-lo e falar o noticiário, de três minutos. Nas transmissões dos jogos, a mesma coisa. Meu trabalho era só falar, bem diferente dos tempos de Rádio Cultura, onde era o “faz tudo”.
Antes do quinto dia útil do primeiro mês, recebi o “holerite” ou “contracheque”, e me assustei com o salário que estava escrito: 1.500 cruzeiros!
“Uai, tem um erro aí!”. Eu tinha acertado 1.000. Fui “reclamar” com o Gil Costa, dizendo que havia um engano ali. Ele se espantou com a minha abordagem e bem ao estilo grosseiro dele, respondeu:
__ Ô seu animal; tem engano nenhum não. O seu salário é esse mesmo!
Incrédulo, feliz demais conta, eu iniciava uma nova vida, agarrado à oportunidade, aprendendo com aqueles profissionais espetaculares e muito bem remunerado. Três meses depois fui escalado para cobrir o Galo, aumentando a minha felicidade. Eu estava no paraíso. Foram quatro anos de intensa alegria, até que as “Diretas Já” fossem barradas no Congresso. O projeto do Maluf esfriou em São Paulo, Gil Costa batia forte no recém eleito governador Tancredo Neves, que reagiu à moda dele, e o sonho começou a acabar. Os comentários do Gil eram demolidores contra o governador no “Jornal da Capital”, no editorial que ele mesmo redigia ou fazia de improviso. Atacava questões administrativas e entrava pelo campo pessoal, pesado realmente, com todo tipo de ofensa. De segunda a sexta-feira, às 8 da manhã, era chumbo grosso no lombo do “velho gagá e enrolador”, nas palavras do Gil.
Numa dessas manhãs, imediatamente ao fim do comentário do dia, o telefone tocou. O Gil estava sendo chamado a São Paulo, para conversar com a direção da rede. Em princípio pensamos que ele seria promovido a chefão geral da rede, já que a Capital Minas era a única da rede que se auto-sustentava, pois faturava muito e estava colada nos calcanhares da Itatiaia, a líder.
Gil atendeu à determinação de São Paulo de pegar o primeiro avião na Pampulha. O vôo partiu às 11 horas. Às 17 ele desembarcaria de volta, demitido.
A carruagem virava abóbora a partir dali. A audiência começou a despencar na mesma proporção do faturamento. Um interventor paulista que foi enviado para o lugar do Gil era até gente boa, mas completamente despreparado para a missão. Começou de cara cortando nos salários, que eram os mais altos da história do rádio mineiro. Cortou também o valor das diárias das viagens, pela metade. Quem não aceitava, saía ou era demitido. A debandada foi total, na base do o “último a sair que apague a luz”.
A Rádio Capital Minas, nos 570 Khz “na ponta do seu rádio” foi um sonho, nunca mais repetido na imprensa de Minas. Uma história muito interessante, assim como a do Gilberto Gil da Costa Ferreira, que infelizmente teve um triste fim, como profissional e pessoal.
No dia 5 de abril de 2014 escrevi sobre ele aqui no blog: https://blog.chicomaia.com.br/2014/04/05/gil-costa-o-que-nao-tinha-medo-de-ninguem-falava-o-que-queria-e-se-deu-mal/