Fez o mundo do futebol, a parte omissa da imprensa e autoridades públicas acordarem e se mexerem.
Me lembro quando caiu o avião da Chapecoense e daquela comoção geral mundo afora. Me lembro também do que escreveu o Milton Neves no twitter: “Solidariedade tem data de validade”. As semanas começaram passar, a comoção diminuiu e as famílias das vítimas até hoje brigam na justiça para receber o que têm direito. Os anos se passaram e agora o que era comoção virou lembrança a cada dia 28 de novembro, data da tragédia naquele 2016.
Em 2014 torcedores do Villareal jogaram bananas no gramado, em direção ao Daniel Alves. O então lateral do Barcelona pegou uma, comeu, bateu o corner e a vida seguiu. Gesto muito aplaudido, que funcionou como um “tô nem aí”. Mas o racismo continou na Espanha e mundo afora, só aumentando, diante da passividade e omissão de quem deveria agir com rigor.
Agora, Vinicius Junior está dando uma aula de como reagir e exigir de verdade que o racismo seja combatido. Desde a primeira agressão sofrida partiu pra cima, pôs a boca do mundo e enfrentou os bandidos. A fúria dessa laia contra ele só aumentou, inclusive em manifestações na imprensa espanhola e de alguns dirigentes do futebol deles contra o jogador.
Como bem disse o conterrâneo jornalista Renato Alves, lá em Brasília: “Fazendo história. Ele vai mudar alguma coisa. Tenha certeza. Um menino de 22 anos, dando aula de responsabilidade social em muita gente.”
No estádio do Valência foi demais, e a reação do Vinícius na mesma proporção. Tanto que virou assunto diplomático, com manifestação oficial do governo brasileiro.
Aí, o governo espanhol se mexeu. Hoje foram presos quatro bandidos que puseram aquele boneco imitando o jogador, num viaduto em Madri. Os principais jornais do país, dois deles, que estavam mais pra racistas do que para a razão, desceram do muro e o pau está cantando.
Vamos ver como será a sequência.
O Globo, de hoje, soltou uma boa reportagem sobre o assunto:
“Caso Vini Jr.: ‘Não basta não ser racista, tem que ser antirracista’, estampa o jornal Marca, um dos maiores da Espanha”
Publicação que acompanha capa no site afirma que ‘questão já transcende o panorama futebolístico e mancha a imagem da Espanha a nível internacional’
Um dos principais jornais esportivos da Espanha, o diário Marca estampa na capa de sua versão impressa desta terça-feira uma frase marcante na luta contra o racismo: “não basta não ser racista, tem que ser antirracista”. Na publicação que acompanha a capa no site apenas dois dias após as acusações de racismo por parte da torcida do Valencia contra o brasileiro Vini Jr., o jornal afirma que a “questão já transcende o panorama futebolístico (um reduto onde ainda surgem flagelos que não são permitidos em mais nenhuma área) e mancha a imagem da Espanha a nível internacional”.
- Respostas:árbitro do VAR de jogo em que Vini Jr foi expulso e sofreu racismo é demitido
- Entenda o crime de ódio: qual a pena prevista na Espanha para atos racistas sofridos por Vini Jr
- ‘Comunicados não funcionam mais’: Vini Jr enumera casos de racismo e lembra que não houve punições
“Os insultos racistas sofridos por Vinicius no Mestalla , episódio vergonhoso que se soma ao que já aconteceu em outros estádios e com outros jogadores, obrigam a ações sérias e contundentes, em consonância com a extrema gravidade dos fatos. […] Não somos um país racista, mas isso não basta: devemos ser um país antirracista”, diz a publicação.
O periódico ainda cita que é necessário se mostrar “revoltados com esse tipo de situação e exigir respostas decisivas para erradicar de vez esses desprezíveis surtos”. O jornal ainda afirma que “e nada adiantam palavras, reclamações e lamentos se as denúncias reais, como as apresentadas pela LaLiga nesta temporada, acabam sendo apresentadas pelo Ministério Público , cuja atuação em alguns casos tem sido morna e ineficaz”.
A publicação sugere, como medidas para reduzir os casos, “uma revisão imediata de todos os protocolos de atuação neste tipo de casos, envolvimento direto e efetivo de todas as instituições desportivas e uma estratégia educativa a nível nacional”. O Marca ainda aponta que o país deve se “tornar um modelo de país antirracista” e que “as acusações e o descrédito internacional devem ser resolvidos”.
Principal jornal da Espanha, El País também terá uma capa especial nesta terça-feira sobre o caso de racismo contra o brasileiro. Em destaque na publicação há uma charge na qual é representada uma pessoa acompanhada de um militar em terra, atrás de uma grade que os separa do mar, onde está uma barco com várias pessoas.
“Um momento!! Algum joga bem futebol?”, diz a pessoa na charge àqueles que estão no barco, em uma referência aos migrantes que chegam ao país, que costumam atrair interesse no continente, em geral, quando são jogadores promissores ou notórios. Vini Jr. foi novamente alvo de racismo em um jogo na Espanha, desta vez no Mestalla, estádio do Valencia. Embora durante todo o jogo gritos de “mono” (na tradução livre significa “macaco” em espanhol) pudessem ser ouvidos — o árbitro, inclusive, chegou a avisar a sua equipe num primeiro momento —, o caso maior começou aos 24 minutos.
- Vini Jr:entidades brasileiras denunciam na Espanha governo local e La Liga por racismo estrutural
- De Ludmilla a Gilberto Gil:artistas se solidarizam com Vini Jr. após ataques racistas na Espanha
Vini Jr. fazia jogada individual pelo canto esquerdo, quando um jogador do Valencia chutou uma segunda bola que estava em campo no lance para atrapalhar o atacante brasileiro. Indignado com o antijogo, Vini Jr. foi reclamar do lance com a arbitragem. Com isso, parte da torcida do Valencia que estava atrás do gol mais próximo da jogada voltou a xingar o brasileiro com gritos racistas. Foi quando Vini chamou Bengoetxea para denunciar um dos torcedores.
Nesse momento, alguns jogadores de Real Madrid e Valencia, entre eles o capitão da equipe mandante, Gayà, chegou para tentar acalmar os ânimos. De acordo com o jornal “Marca”, as câmeras de transmissão chegaram a captar Vini Jr. afirmando que não queria mais jogar a partida. A polícia espanhola chegou a ir no local, mas nada foi feito com o torcedor e, após oito minutos de paralisação, a partida reiniciou após o segundo aviso de caso de racismo dado pela arbitragem. Em caso de um terceiro, a partida poderia ser suspensa, como consta no código disciplinar da Fifa.
“Acredita, da próxima vez vamos (suspender o jogo)”, teria falado o árbitro da partida para Vini Jr., conforme informou o “Marca”.
Mas o jogo continuou com nova confusão, aos 48 minutos. Dessa vez, após discussão na área defensiva do Valencia, o goleiro Mamardashvili foi tirar satisfações com Vini Jr, que bateu bocas com o jogador. A princípio, ambos receberam cartão amarelo, mas posteriormente o VAR da partida chamou o árbitro do jogo para denunciar que o atacante brasileiro havia acertado o atacante Hugo Duro no rosto da confusão. Após a checagem, Vini Jr. foi expulso — Duro, que também agrediu Vini com uma espécie de mata leão durante a confusão, não recebeu a mesma punição.
- ‘Até quando irão se fazer de cegos?’:Neymar volta a se manifestar em apoio a Vinicius Júnior
Nas redes sociais, o atacante brasileiro também ironizou toda a situação e a conivência da La Liga com tantos casos de racismo contra ele:
— O prêmio que os racistas ganharam foi a minha expulsão. “Não é futebol, é La Liga” — escreveu.
Depois de receber o cartão vermelho, Vini andou em direção ao vestiário falando e batendo palmas em sinal de ironia. Reservas e integrantes da comissão técnica do Valencia partiram para cima do atacante brasileiro, que foi escoltado por companheiros de Real Madrid até o túnel de saída do campo.
Deixe um comentário para Jerônimo Cancelar resposta