O Marcio Borges tocou no assunto aqui no blog: “Chico, muito se falando em clube empresa neste momento. Você podia abordar o tema porque, quando se ouve os presidentes falando sobre parece que será a solução para todos os problemas. E nós sabemos que não será.”
Vamos lá: o presidente Sérgio Santos Rodrigues deu entrevista à TV Senado, reproduzida pelo Superesportes, dia 16: “Sérgio Rodrigues projetou que clube será a primeira SAF do Brasil – A meta do Cruzeiro é se tornar o primeiro clube-empresa do Brasil com as especificidades da Sociedade Anônima do Futebol (SAF)”.
O Vitória da Bahia passou por experiência semelhante, entre 2000 e 2004, com um grupo investidor argentino, mas não deu certo e foi parar na Série B do Brasileiro. Penso de forma bem objetiva. No Brasil, da forma como a legislação está sendo elaborada será uma boa para os clubes que conseguirem investidores que saibam contratar gestores competentes, que entendam de futebol, coisa rara. Não basta ter dinheiro e sair contratando treinadores e jogadores errados. Esculhambado e nada transparente como é o ambiente do futebol, grande parte que optar pela transformação, deve quebrar.
O portal Rede Brasil Atual, ouviu quem entende do assunto, no dia 13 de fevereiro. Vale a pena conhecer os exemplos citados por eles e as previsões nada otimistas que fazem para essa novidade no futebol brasileiro. Um desses especialistas é o Amir Somoggi, que conhece muito do assunto. Já o vi e ouvi muito no Sportv e Rádio CBN.
Confira e também dê a sua opinião:
Rede Brasil Atual
Autor do Projeto de Lei (PL) 5516/2019, o Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) promete mais investimentos privados, gestões modernas e crescimento do esporte no Brasil. O teor do PL, entretanto, é questionado por especialistas em gestão esportiva.
O PL de Rodrigo Pacheco propõe a criação de uma nova estrutura societária para o futebol, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que envolve um conjunto de regras específicas para o mercado do futebol. O texto, instruído pelos advogados José Francisco Manssur e Rodrigo Monteiro de Castro, tem como base os modelos de negócio da Espanha e Portugal – ambos criticados pelos especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual.
O jornalista e pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Irlan Simões, também organizador do livro Clube empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol (Corner, 2020), afirma que o projeto pode colocar os clubes nas mãos de grupos privados “inescrupulosos”.
O consultor esportivo Amir Somoggi, diretor da Sports Value, explica que o projeto do SAF não combate os principais problemas do futebol brasileiro, como a sonegação e endividamento dos clubes. “O projeto não garante o fortalecimento do futebol. Não tem nada ali que garanta que o futebol brasileiro saia do atoleiro e tenha boas gestões. Não é uma canetada de um deputado que vai mudar 30 anos de sonegação fiscal e má administração, transformando em gestões modernas e numa economia pujante”, afirmou.
Sociedade Anônima do Futebol
O Projeto de Lei de Pacheco propõe a criação de uma estrutura societária específica para o futebol, diferente do que a legislação brasileira já prevê atualmente. Como por exemplo, as empresas de sociedade anônima, limitada ou sem fins lucrativos. A ideia da SAF é criar mecanismos e travas de segurança específicas para o futebol profissional.
A ideia é que a SAF, diferentemente da uma sociedade anônima comum, crie debêntures específicas, ou seja, títulos de dívida que o clube-empresa poderia emitir no mercado financeiro para captar investimentos com juros mais baixos.
O projeto prevê que os clubes poderão se converter em SAFs, ou criar uma SAF como subsidiária, com os ativos relacionados ao futebol. A sociedade do clube-empresa terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos acionistas será limitada às ações adquiridas. O PL abre a possibilidade de pessoas físicas, empresas e fundos de investimentos controlarem os times.
O PL ainda propõe um regime tributário facultativo, de natureza transitória, denominado “Re-Fut”, com o recolhimento único de 5% da receita mensal, apurada pelo regime de caixa. Essa porcentagem quitaria três tributos de uma só vez: o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Atualmente, as demais empresas são obrigadas a recolher 25% sobre o lucro referente ao Imposto de Renda e 9% sobre a CSLL, além de 3% sobre as receitas para a Cofins.
“Tática”
Amir Somoggi aponta problemas na essência do PL 5516. Na avaliação dele, como a proposta enfatiza que os fundos de investimentos podem comprar clubes, isso mostra o espírito real por trás dele. “A lei precisa de uma base de sustentação que vai além de só pensar no dono do clube, mas como o time pode fazer parte disso sem perder o controle da entidade”, disse o especialista.
O consultor esportivo também lamenta a proposta de tributação do PL, que considera uma benesse às entidades. “Os clubes devem bilhões para o fisco e ainda querem dar essa tributação. Os grandes clubes faturam R$ 1 bilhão ao ano. Qual empresa que possui esse faturamento e paga apenas 5% de imposto? Na Alemanha, o imposto é de 30% para os clubes”, compara.
Clube-empresa tem profissionalismo?
O principal argumento de Rodrigo Pacheco é que o SAF melhoraria a gestão dos clubes, ampliaria o valor de mercado dos torneios nacionais e aumentaria as receitas dos clubes. Segundo Irlan Simões, na prática, o Projeto de Lei possui um “excesso de mentiras”.
De acordo com ele, o PL se orienta pela mesma lógica neoliberal que tenta privatizar serviços públicos, com o argumento de “melhorar a eficiência de serviços”. “Não é verdade que os clubes que viram empresas são mais bem geridos e ficam mais ricos. Os times europeus são mais ricos porque a economia de lá é melhor. No Brasil, tivemos clubes que viraram empresas e caíram nas mãos de grupos privados inescrupulosos, trazendo problemas para esses clubes. Bahia, Vitória e Figueirense são exemplos. Você vai ter o Cuiabá, agora, como um exemplo positivo, mas será um dos tantos clubes que aparecem e morrem, em pouco tempo”, afirmou.
Bola fora
Citado por Irlan, o Esporte Clube Vitória foi o primeiro clube brasileiro a adotar o modelo de sociedade anônima e vender a maioria das ações para um grupo de investimentos estrangeiro, o argentino Exxel Group, no começo dos anos 2000. Em 2004, com a crise cambial da Argentina, o grupo escolheu deixar de investir o prometido no clube baiano. Naquele mesmo ano, o Vitória caiu para a Série B do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte foi rebaixado para a Série C e a diretoria da instituição precisou negociar o pagamento parcelado da recompra das ações.
O pesquisador acrescenta que, quando o clube se transforma em empresa, ele fica suscetível ao que ocorre com todo tipo de empresa: a falência. “Na Itália foi o que aconteceu, times fecharam as portas. Alguém refundou com cores e emblema parecidos e voltaram. Na Espanha, não aconteceu isso porque os clubes têm uma força política enorme. O que ocorreria no Brasil?“, alerta.
Somoggi afirma também que o projeto da SAF foi “escrito pelo capital, pelos donos dos interesses econômicos”, sem a participação da sociedade. “Aquilo está sendo legislado para dar certo para um fundo de investimento, empresas, não é para a sobrevivência da Ponte Preta ou XV de Jaú.”
Neoliberal em campo
Os especialistas dizem que o projeto de clube-empresa tem suas fundamentações teóricas, porém, equivocadas. Na justificativa do PL, Rodrigo Pacheco trata as experiências mercadológicas no futebol espanhol e português como “exemplos bem-sucedidos”. Na avaliação de Irlan Simões, as considerações são “absurdas e irreais”.
Ele lembra que os clubes espanhóis endividados foram transformados em sociedades anônimas, em 1990, através da Ley del Deporte. Apesar disso, em 2010, grandes clubes, como Valencia e Atlético de Madrid, possuíam dívidas de cerca 500 milhões de euros. Outro exemplo citado é o tradicional Málaga, comprado em 2010, pelo xeique do Catar Abdullah bin Nasser. Sob essa gestão, o clube conseguiu uma classificação inédita à Uefa Champions League, em 2012. Pouco depois, o Málaga passou a arcar com punições da Uefa por atrasos de salários e dívidas acumuladas e acabou banido das competições europeias. Hoje, o time disputa a segunda divisão espanhola.
Em Portugal, onde foi aplicada a lei da Sociedade Anônima Desportiva, um dos exemplos do fiasco de clube-empresa é o tradicional Belenenses. O clube português foi vendido à empresa Codecity Sports Managment, do empresário Rui Pedro Soares, em 2012. O acordo previa prioridade na recompra dessas ações, se assim o clube entendesse ser o ideal, mas a devolução dos ativos foi negada pela empresa, o que tirou o poder da associação. Sem voz ativa no clube, os sócios e torcedores tiveram que criar um novo time para disputar a última liga portuguesa.
Gol contra
Pioneira desse tipo de legislação, a Itália criou sua lei de sociedade anônima do futebol, a Societá per Azioni, anos antes, em 1981, alegando alto endividamento e corrupção nos clubes. Entretanto, nos últimos 35 anos, dos 63 clubes que participaram de ao menos uma edição da Serie A, a primeira divisão italiana, 40 faliram pelo menos uma vez.
Somoggi cita o exemplo do AC Milan, um dos maiores times do mundo e que sofre nas mãos de seus proprietários. “Ele tinha como dono o (empresário e ex-primeiro ministro da Itália) Silvio Berlusconi, que cansou de brincar de dono do clube, quando viu que era um negócio deficitário. Ele vendeu o Milan para um grupo chinês que contratou um monte de jogador, pensando que teria resultado esportivo, mas quebrou. O time está na mão de um americano, que não entende nada de futebol, sem perspectiva alguma. Esse é o Milan de hoje”, citou.
“Não tinha que criar SAF nenhuma. A SAD (Sociedade Anônima Desportiva) da Espanha foi um fiasco, a lei de Portugal foi um outro fiasco. A SAF é uma baboseira”, acrescentou o diretor da Sports Value.
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