Hoje é o dia do Centenário do América e fiquei muito honrado com esta correspondência que recebi do senhor Adauto Miserani de Barros Moreira, que é filho de um dos mais importantes presidentes que o Coelho teve em sua rica história: Amador de Barros Moreira, que coincidentemente também estaria completando 100 anos, só que amanhã, dia 1º de maio.
A carta do Adauto traz histórias ótimas das vidas de ambos e me fez lembrar uma frase do saudoso Kafunga sobre os dirigentes de futebol: “Quem tem, põe; que não tem, tira!”.
E muitos desses, que põe, saem injustiçados e não têm, na sequência, o reconhecimento que mereciam.
Amador de Barros Moreira é um caso desses que puseram, que dedicou uma vida a um grande clube, e como disse o próprio filho Adauto, deixou no América o que seria hoje a herança financeira dele e da família.
Era um empreendedor, grande liderança empresarial e política, cuja origem era Campo Belo, onde fundou empresas, foi prefeito e fundou dois famosos times da cidade e do Sul de Minas, o Sparta e o Comercial.
Através dessa carta do Adauto, faço a minha homenagem ao América, a todos os americanos e a quem gosta de futebol, pois se o futebol mineiro é importante no contexto brasileiro e mundial, este clube contribuiu de forma decisiva, com a sua grandeza e os grandes craques que fizeram fama, ganhando títulos por clubes e Copas do Mundo com a seleção brasileira.
“100 anos – Amador de Barros Moreira e o América Futebol Clube”
Por Adauto Miserani de Barros Moreira (*)
Foi ao entardecer de um domingo, em 29/03/70. Ele acabara de sepultar sua esposa, minha mãe Adel, no cemitério de Betim, falecida prematuramente aos 54 anos, acometida pelo mal de Parkinson. Sobre a urna, a bandeira alvi-verde do América Futebol Clube foi a derradeira lembrança.
Meu pai, Amador de Barros Moreira, foi presidente do AFC no período 1968/69/70. Desportista desde a juventude, em Campo Belo/MG, onde nasceu em 01/05/1912 e veio a falecer naquela cidade em 22/12/1991. O América, por sua vez, foi fundado em 30/04/1912. Por coincidência e a despeito da diferença de apenas um dia, não se poderia reverenciar o centenário de Amador sem vincular aquela data ao centenário do América, uma de suas maiores paixões.
Na sua estimada Campo Belo, da qual foi Prefeito por quatro vezes, participou ativamente da fundação do Comercial e do Sparta Futebol Clube. Ele próprio, além de dirigente, foi um jogador de grandes qualidades técnicas. Dizem os que o viram jogar que ele era uma réplica do Romário, com lampejos do Ademir, o “Queixada” do Vasco da Gama e da Seleção Brasileira. Exageros à parte, o fato é que ele foi realmente um ótimo jogador de futebol, até os idos de 1948/49.
No exercício da Presidência do América, foi apoiado por companheiros como Ruy da Costa Val, Celso de Melo Azevedo (Patrono do Clube), Jaime Rigueira, Milton Machado Mourão ,Presidente do Conselho Deliberativo, Hamilton Caldas Moura, Agoncillo Baeta, Wilson Gosling, dentre outros. Procurou implementar no clube uma estrutura administrativa com métodos de gestão mais eficientes, a exemplo de sua empresa industrial, à época associada ao Grupo Toshiba, do Japão. A propósito, vale ressaltar que , com tal associação (Toshiba-Iman), por tratativas de Amador e sua família iniciou-se com 10-20 anos de antecedência a tão decantada globalização comercial de Minas com o mundo asiático.
Entretanto, volumosas dívidas acumuladas e oriundas de gestões anteriores — situação agravada pela venda de 5 ou 6 atletas do clube pertencentes à Seleção Mineira campeã do Brasil, em 1963 — tais circunstâncias impediram e retardaram a recuperação do prestígio do América, em todas as áreas. Vale salientar, para conhecimento dos americanos da nova geração. Integrantes daquela Seleção foram vendidos pela administração antecedente: Edgard (goleiro, para o Palmeiras), Hilton Chaves (América RJ), Décio Teixeira (Atlético), Amaurí, Marco Antonio e Arí (Comercial, de Ribeirão Preto), Zuca (clube argentino) e — desastre maior —, uma verdadeira HECATOMBE que foi a cessão ao Cruzeiro do então juvenil TOSTÃO.
Os resultados financeiros do sucateamento do time não foram bastante sequer para a cobertura de parcela ínfima da elevada dívida do América ! . Os dirigentes daquela época não tiveram a percepção de que se avizinhava uma nova era para o futebol de Minas: a “era do Mineirão” (1965). O clube passou a sofrer, portanto, as conseqüências de administrações primárias, sem qualquer planejamento e caminhando na base do “salve-se quem puder”!
Foi então que apareceu o “salvador da Pátria”… Amador que, à época, desfrutava de privilegiada situação econômica e financeira, passou a financiar o clube, investindo grandes somas de recursos próprios.Assim, ao assumir a Presidência, procurou, de imediato, formar um time de futebol que pudesse refazer o prestígio do América. Contratou jogadores que se destacaram no campeonato mineiro do ano anterior:: do Formiga, então vice-campeão (Hale, Gilson e Cristovão), do Valeriodoce (Zé Borges, Batista e Café), do Uberlândia (Ferreira, artilheiro do campeonato) e Nacional de Uberaba (Vanderlei), usando aporte financeiro próprio e parte da venda de Dirceu Alves, ao Corinthians. Desse trabalho, que poucos reconhecem e valorizam, surgiria a formação da equipe que se tornaria, de forma invicta, CAMPEÃ MINEIRA DE 1971.
Na visão avançada de Amador, não bastava um time de futebol; fazia-se necessário estruturar um CLUBE, um complexo esportivo, a exemplo do Minas Tenis Clube, PIC e Jaraguá.. Com a interferência do Governador do Estado à época, Dr. Israel Pinheiro, Amador obteve a liberação da cláusula de inalienabilidade que onerava o imóvel da Alameda Álvaro Celso, onde pretendia implantar o complexo esportivo. Iniciou as obras e lançou cotas no mercado que, infelizmente, não tiveram a aceitação que se esperava.
O clube não tinha dinheiro para nada. Crédito cortado na praça. Todos os insumos eram adquiridos á vista. Amador continuava a financiar todas as despesas, enquanto falsos americanos com algum prestígio social, especialmente certos “doutores”, posavam de benfeitores do Clube. A despeito de todos os recursos financeiros alocados por Amador terem sido sistematicamente contabilizados, dentro da melhor técnica e com total transparência, Amador veio a sofrer forte resistência, injusta e despropositada, do Conselho do Clube, quando passou a exigir o reembolso do seu crédito. A contra-gosto de Amador, a única alternativa foi a cobrança judicial.
Sem queixas ou lamúrias, Amador de Barros Moreira colocou no clube, à época, recursos financeiros próprios de muitos milhões de cruzeiros. Ele só veio a receber parte do seu crédito 5-6 anos após o desembolso, sacrificando financeiramente a si próprio e sua família. A despeito disso, continuava a acompanhar o América, após a sua gestão e por toda a vida, impregnado pela velha paixão pelo clube.
Amador não foi o único e certamente não será o último. Sabemos de inúmeros e abnegados americanos que agiram movidos pela paixão clubística, porém ninguém com tanta liberalidade e desprendimento quanto Amador o fez. Lembro-me de meu pai se referir, naquele sentido, a americanos históricos e bem intencionados, como Celso Melo Azevedo (Patrono do Clube), Ruy da Costa Val, Dr. Gama e seu filho Fábio, Hamilton Caldas Moura, Adjuctor Pereira Alvim, Juscelino Gonzaga (o Bijú), Wilson Gosling, os Papini e tantos outros. O América agradece àqueles que engrandecem o seu Pavilhão!
Este artigo não visa a lamentar perdas. Pelo contrário, trata-se de uma singela homenagem à memória de meu pai para que tanto americanos, como campobelenses da atual geração possam conhecê-lo melhor. Na sua terra, Campo Belo, Amador implementou uma gestão pública incomparável, alem de se destacar , em épocas distintas, como desportista, comerciante, industrial e grande empreendedor, por esforço próprio, sem apadrinhamento de ninguém. No América Futebol Clube exerceu seu mandato com grande esforço pessoal (doença de sua esposa), com uma administração transparente e correta sob todos os aspectos e que teve o mérito, pouco reconhecido, de preparar a equipe de futebol PARA A CONQUISTA INVICTA DO CAMPEONATO MINEIRO DE 1971.
É uma honra, portanto, para a família de Amador rememorar sua jornada — embora com fragmentos das lembranças e episódios de sua trajetória de vida —, assim como vinculá-lo ao CENTENÁRIO DO CLUBE ao qual devotou tanto esforço e dedicação.
Que o América Futebol Clube possa comemorar outros centenários ao longo de sua vida esportiva. Amador, por seu turno, será sempre, para seus filhos e amigos, um acalentado exemplo de luta, tenacidade e trabalho árduo, notadamente uma lembrança de PAZ e ESPERANÇA, a exemplo das cores da camisa de seu querido clube.
(*) ambm.bhz@veloxmail.com.br