Agradeço aos leitores Johnny e Klang, que enviaram ótimas dicas para este primeiro post do dia.
A primeiro, do Johnny, ironiza a frase adotada para a Copa de 2014, transformada por ele em:
“Juntos num mesmo ritmo. O ritmo das obras inacabadas…” e do atraso, digo eu.

Uma reportagem do Globoesporte.com ilustrada com uma foto emblemática: o Ministro do Esporte, Aldo Rebelo (esq.), o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e o Secretário-Geral da Fifa, Jerome Valcke, ou seja: governo e políticos brasileiros, juntos com a entidade maior do futebol mundial, juntos, no atraso, no descompromisso e na farra das verbas públicas, se beneficiando e repartindo com alguns poucos parceiros, o faturamento com a Copa do Mundo no Brasil.
Depois, vem a dica do Klang, que trata, inclusive, de uma das minhas leituras preferidas, como os senhores bem sabem: Nelson Rodrigues, a quem reverencio sempre em minhas falas e escritos; o maior dramaturgo do país e um dos melhores jornalistas da nossa história. Frases dele no site “Releituraa”, que reproduziu trecho de livro do Ruy Castro (outra fera), um especialista em “nelsismo”:
* Fifa e governo admitem possibilidade
de obras inacabadas em 2014
Valcke diz que Copa depende apenas de estádios e aeroportos prontos. Aldo adota discurso parecido: ‘Não são obras para Copa, são para o Brasil’
O terceiro balanço da preparação da Copa do Mundo, apresentado pelo Governo Federal na semana passada, foi assunto no evento em que a Fifa anunciou a tabela da Copa das Confederações, no Rio de Janeiro. O relatório apontou que apenas 5% das obras para 2014 estão concluídas, enquanto 40% ainda não saíram do papel. Nesta quarta-feira, pela primeira vez Fifa e governo admitiram a possibilidade de algumas obras não ficarem prontas a tempo para o Mundial.
Tanto o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, quanto o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, adotaram um discurso semelhante e inédito quando questionados sobre o balanço apresentado na última semana.
– Talvez alguns projetos não sejam tão importantes para a Copa do Mundo. Alguns podem ser entregues após a Copa. Na África do Sul foi assim. Alguns projetos podem esperar. Essa não é a preocupação da Fifa. O que precisamos, com certeza, são dos estádios. Precisamos também que os aeroportos funcionem, que as pessoas possam se locomover de uma cidade para outra. Mas não podemos pensar que um país mudará completamente em cinco, seis anos – disse Jérôme Valcke.
Talvez esses projetos não sejam tão importantes para a Copa do Mundo. Alguns podem ser entregues após a Copa. Na África do Sul foi assim.”
Jérome Valcke
Apesar de demonstrar mais confiança na conclusão das obras, Aldo Rebelo também falou que algumas obras do pacote não são determinantes para 2014. O ministro também disse que governo e Fifa devem dividir responsabilidades.
– Não são apenas obras para a Copa, são para o Brasil. Muitas delas já estavam planejadas muito antes de sabermos que o Brasil iria receber a Copa. Elas foram incluídas no pacote da Copa pelo fato de facilitarem para população local e para os turistas durante a competição. Nós já estamos trabalhando juntos com a presença de Luis Fernandes no COL. Temos absoluta confiança. Os propósitos são os mesmo. Temos de partilhar responsabilidades e desafios. Reunidos anteciparemos problemas, mas também anteciparemos soluções – disse o ministro.
* http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2012/05/fifa-e-governo-admite-possibilidade-de-obras-inacabadas-em-2014.html
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* “Flor de Obsessão”

Nelson Rodrigues
– O adulto não existe. O homem é o menino perene.
– Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.
– A perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real.
– Amar é ser fiel a quem nos trai.
– Toda autocrítica tem a imodéstia de um necrológio redigido pelo próprio defunto.
– Só acredito na bondade que ri. Todo santo devia ser jucundo como um abade da Brahma.
– O brasileiro é um feriado.
– Os jardins de Burle Marx não têm flores. Têm gramados e não flores. Mas para que grama, se não somos cabras?
– A burrice é a pior forma de loucura.
– No Brasil quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte. O Otto Lara está certo. O mineiro só é solidário no câncer.
– O carioca é o único sujeito capaz de berrar confidências secretíssimas de uma calçada para outra calçada.
– Num casal, pior que o ódio, é a falta de amor.
– O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira.
– Geralmente, o puxa-saco dá um marido e tanto.
– O carioca é um extrovertido ululante.
– As bodas de prata são, via de regra, uma festa cínica que finge comemorar um amor enterrado.
– O pior cego é o surdo. Tirem o som de uma paisagem e não haverá mais paisagem.
– Os que choram pouco, ou não choram nunca, acabarão apodrecendo em vida.
– Gosto do cigarro que me queime a garganta. O fumo suave não passa de um ópio de gafieira.
– Toda coerência é, no mínimo, suspeita.
– Desconfie da esposa amável, da esposa cordial, gentil. A virtude é triste, azeda e neurastênica.
– Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica.
– Numa simples ginga de Didi, há toda uma nostalgia de gafieiras eternas.
– Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação.
– Djalma Santos põe, no seu arremesso lateral, toda a paixão de um Cristo negro.
– A educação sexual só devia ser dada por um veterinário.
– Eu, como artista, se tivesse de escolher um epitáfio, optaria pelo seguinte: — “Aqui jaz Nelson Rodrigues, assassinado pelos imbecis de ambos os sexos”.
– Qualquer um de nós já amou errado, já odiou errado.
– Não há ninguém mais bobo do que um esquerdista sincero. Ele não sabe nada. Apenas aceita o que meia dúzia de imbecis lhe dão para dizer.
– Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo.
– A família é o inferno de todos nós.
– A fidelidade devia ser facultativa.
– O gordo só é cruel na mesa, diante do prato, com o guardanapo a pender-lhe do pescoço.
– D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva.
– Na mulher, certas idades constituem, digamos assim, um afrodisíaco eficacíssimo. Por exemplo:— quatorze anos!
– O jovem só pode ser levado a sério quando fica velho.
– Hoje, a primeira noite é a centésima, a qüinquagésima. O casamento já é uma rotina antes de começar.
– O ser humano está mais para Lucho Gatica do que para Paul Valéry.
– O que se está fazendo aqui é uma música popular brasileira que não é popular, nem brasileira e vou além: — nem música.
– Aqui o branco não gosta do preto; e o preto também não gosta do preto.
– Amigos, eis uma verdade eterna: — o passado sempre tem razão.
– Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.
– O pobre, para sobreviver, precisa da pornografia.
– O presidente que deixa o poder passa a ser, automaticamente, um chato.
– O ônibus apinhado é o túmulo do pudor.
– É impossível ser ridículo dentro de uma Mercedes.
– Num casamento, o importante não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos da própria mãe.
– A pior forma de solidão é a companhia de um paulista.
– No Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio e, se quiserem acreditar, vaia-se até mulher nua.
– Uma dor de viúva dura 48 horas.
– Todo óbvio é ululante.
– Toda mulher gosta de apanhar. O homem é que não gosta de bater.
Frases selecionadas e organizadas por Ruy Castro, extraídas do livro “Flor de Obsessão“, Cia. das Letras – São Paulo, 1997, págs. diversas
Nelson Rodrigues – tudo sobre o autor e sua obra em “Biografias“.
* http://www.releituras.com/nelsonr_flor.asp