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A cultura do monopólio ataca o futebol e a maioria aceita passivamente

Obrigado ao Bessas, que nos enviou um ótimo texto sobre a ditadura imposta pelo poder econômico a vários segmentos do Brasil, e que ameaça tomar conta também do futebol, caso continuemos nessa passividade impressionante da maioria.

É do Ubiratan Leal, do site Balípodo.

Confira:

“Cultura do monopólio”

O mercado de cervejas no Brasil tem razoável variedade de rótulos, mas pouca variação de fabricantes. Em 2010, a AmBev detinha 70% das vendas, alavancadas por Skol, Brahma e Antarctica. Quando a empresa surgiu, em 1999, ninguém imaginou que seria diferente, ainda mais quando o Cade determinou que a única obrigação da nova empresa era vender a marca Bavária. Em 2009, quando a Procter & Gamble (Oral-B) entrou no mercado de creme dental, a Colgate-Palmolive detinha 60% dos consumidores nesse segmento, ainda resquícios da compra da Kolynos. Nas comunicações, a Globo ficou com 70% de tudo o que foi gasto com publicidade em TV aberta e 45% de todas as mídias (incluindo TV fechada, jornal, revista, internet e rádio) no ano passado.

Não são raros os casos de monopólios ou de quase monopólios na economia brasileira. E nem sempre o combate a eles é duro o suficiente. Por isso, a revista inglesa Financial Times tinha argumentos válidos ao criticar a postura das autoridades brasileiras na infrutífera negociação de compra do Pão de Açúcar pelo Carrefour. O poder público aceita esse tipo de domínio de mercado, fingindo que acredita em explicações como “criar uma multinacional de origem brasileira”, e a população não se vê especialmente motivada a protestar contra isso. Por mais que fira seus direitos como consumidores.

É esse o momento que o futebol brasileiro vive, potencializado pela quebra do Clube dos 13. Os grandes clubes (os “12 grandes”, mas sobretudo Corinthians e Flamengo, pelo apelo popular e de mercado) têm cada vez mais ferramentas para aumentar sua grandeza, enquanto os pequenos (nem tão pequenos assim, porque há muito time tradicional nesse bolo) são obrigados cada vez mais a aceitar sua pequenez. Um princípio de monopólio (na verdade, oligopólio) nos clubes que se construiu em cima do monopólio da TV. E muita gente não só acha isso normal, como acha que é certo, sob a lógica do “se eles têm mais torcida, merecem mais dinheiro”.

Será que é realmente assim que se faz um mercado (no caso, o esportivo) sólido e sustentável? Em diversos setores da economia, o governo tem mecanismos para promover a competição e que várias empresas tenham condições de competir para oferecer produtos melhores e mais baratos possíveis ao público. Se o cenário induzir um indivíduo a trocar de pasta de dente, ele o fará. No esporte, o consumidor-torcedor não troca de marca porque a outra é mais barata ou tem embalagem mais chamativa. Ele tem uma fidelidade maior até que a dos devotos de Steve Jobs pela Apple.

Essa imobilidade do público torna o caso do futebol ainda mais delicado. Não criar condições para que todos os clubes sejam sustentáveis e consigam competir com um mínimo de dignidade é alijar do mercado uma multidão de pessoas. Elas não trocarão o Sport ou o Coritiba por Flamengo ou Corinthians se suas marcas preferidas se tornarem inviáveis. Eles se tornarão órfãos de clubes, não-consumidores. E não é inteligente ao futebol brasileiro, como indústria, dar de ombros para milhões de clientes.

Ainda que algumas pessoas reclamem, a questão do monopólio não parece cativar o brasileiro como um todo. Não motiva protestos ou demandas por uma regulação mais equilibrada dos mercados. Só nos centros acadêmicos de universidades de humanas que se protesta contra a Globo. Ninguém fez manifestação contra a AmBev ou criou debates públicos no caso Pão de Açúcar-Casino-Carrefour. Talvez porque, se tivesse dinheiro para fazer o que bem entendesse, muita gente gostaria de viver em um ambiente em que pudesse se impor economicamente sobre os demais. E, se ele faria isso, acha justificável que quem pode o faça.

Por envolver paixões, o monopólio do futebol pode causar algum tipo de comoção pública em médio prazo. E, se isso acontecer, é preciso que siga em frente, que não se perca de vista que é o mesmo fenômeno que já toma diversos setores da economia brasileira.

Ubiratan Leal

* http://www.balipodo.com.br/index.php?p=6798

flamengo-1x1-corinthians-2011


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Comentários:
8
  • Alisson Sol disse:

    Geovany: já quiseram formar a liga. Mas os clubes não entraram em acordo, exatamente pela diferença entre a “bravata” e a realidade que impera na cabeça de alguns dirigentes, a qual transfere-se para alguns torcedores.

    O Cesar escreve que alguns clubes “… não tiveram alternativa a não ser fechar também com a Globo“. Tinham alternativa sim. De ficar sem ter seus jogos transmitidos a fechar individualmente com a concorrente, todos tiveram alternativas. Apenas não tiveram a coragem de ir além do jogo de cena para a torcida, e no final assinaram contratos idênticos aos que os outros clubes que assinaram primeiro fizeram.

    Durante o período de negociação, teve de tudo aqui: torcedor comemorando que seu clube não ia fechar com a Globo, torcedor comemorando que seu clube ia receber mais que o rival, etc. Faltou contar tais estórias para a “Senhora Realidade”.

  • Geovany Altissimo disse:

    A maneira mais viavel é criar uma liga de clubes e fazer a divisão do dinheiro de maneira mais igualitária. Mas com esses cartolas que nós temos isso é utopia.

  • Geovany Altissimo disse:

    É sem duvida como disse o Cesar, isso só fortalece o futebol do Rio e São Paulo, vai cada vez ficar mais dificil clubes de outros estados ganhar o campeonato nacional. E todos nos sabemos de quem é culpa. Deram um tiro no proprio pé.

  • Aldemário Ferreira Filho disse:

    A primeira vista o capitalismo com sua ideia de livre mercado e concorrência seduz. Porém o que se vê é isso que o texto mostra, o tal capitalismo monopolista, que enriquece pouquíssimos e torna milhões dependentes de suas vontades.
    Só uma sociedade consciente pode ir contra o monopólio, pois por mais que a competição perfeita seja uma utopia um país sem grandes concentrações de poder e dinheiro já garante qualidade de vida para a maior parte da sua população.

  • Alisson Sol disse:

    O Financial Times analisa a “atividade econômica”. Para qualquer atividade econômica, não é interessante o monopólio. As pessoas às vezes projetam maldade até em doações. Mas na Inglaterra a atividade econômica depende fundamentalmente de se ter informações. Não fosse isto, não poderia um escritório de arquitetura da Inglaterra ter sido informado de uma licitação no Rio para projetos da cidade olímpica, vencendo o concurso internacional (link).

    Globalização ocorre nos dois sentidos e o Brasil, que teve uma construtora de origem mineira construindo grande parte das estradas do Iraque em décadas passadas, hoje tem construtoras atuando em Portugal, Angola, e vários outros países. Além disto, inúmeras empresas do país atuam internacionalmente, às vezes adquirindo empresas no exterior. E são estas as empresas dando emprego a gente fabricando sapatos em Nova Serrana, que são vendidos em lojas de Nova York.

    O Financial Times aproveita-se de toda a infraestrutura que a imprensa inglesa tem, com correspondentes em todo o mundo, e talvez seja o único jornal do meio econômico que realmente “informa” a nível mundial. Mas não deixa de ter também cadernos locais. Hoje mesmo, o FT tem matéria sobre a “Volta de expatriados para o Brasil”, devido à necessidade de experiência técnica e gerencial no país (link).

  • J.B.CRUZ disse:

    Em todos os setores da vida, não há escapatória, a DITADURA DO DINHEIRO já foi implantada, princiapalmente a partir da NOVA REPÚBLICA,(do sarney para cá)…

  • Cesar disse:

    Vamos ter que torcer para que nos próximos anos Flamengo e Corinthians tenham péssimas administrações, ou teremos aqui o mesmo que temos na Espanha onde somente Barcelona e Real Madri ganham os títulos, porque se ocorrer o contrario a diferença de arrecadação é muito grande.
    Espero que saibam de quem cobrar a conta no futuro, dos presidentes atuais de Cruzeiro, Grêmio, Botafogo, Fluminense e Vasco, que saíram na frente a favor da Globo desmobilizando o Clube dos treze. Corinthians e Flamengo estavam defendendo o lado deles, esses outros defenderam o lado da Globo. Vamos ver quanto vai custar isso, e eles não são burros sabiam o que estavam fazendo. Espero que no futuro quando a vaca for para o brejo eles expliquem as suas torcidas do porque fizeram isso.
    Que fique claro que os únicos que não devem nada são: Atlético, São Paulo e Internacional, que não tiveram alternativa a não ser fechar também com a Globo, e não eram contra a Globo eram contra esse monopólio que não tenho dúvida que vai destruir a única coisa boa atualmente no futebol brasileiro que e ter pelo menos dez clubes em condições disputando os campeonatos a nível nacional em condições de levarem o Título.

  • Lincoln Pinheiro Costa disse:

    Chico,

    Muito bom o post, especialmente no que tange ao controle do futebol pela Rede Globo. Tenho martelado muito sobre isso, mas sem visibilidade.
    Agora, achei estranho o que ele escreveu lá no meio do texto acerca da atitude da Financial Times em defender o consumidor brasileiro. Será que a publicação inglesa estava mesmo preocupada com o consumidor brasileiro? Pense nisso.
    Saudaçoes atleticanas.
    twitter.com/lincolnpinheiro