Com a força do Estado a seu favor, as mineradoras e especuladores imobiliários tudo podem e seguem atropelando comunidades inteiras em sua fúria pelo lucro a qualquer custo. Se atropelam a sociedade civil organizada para destruir a Serra, quase no centro da capital mineira, imaginem do que são capazes contra um cidadão individualmente.
Leiam este desabafo e pedido de socorro do Tullio Marques, da Tropa Serrana Passeios a Cavalo (a quem agradeço pelo envio do texto), um defensor da natureza dos mais atuantes e famosos do país:
* “Especulação na Serra do Curral”
Chamo-me Tullio Marques, e venho aqui contar minha sina. Tenho um espaço totalmente preservado nesta região de onde querem me retirar para fazer mais um baita loteamento. Estou sendo vitimado por mais um arbítrio judicial como tantos ultimamente na história do nosso judiciário. Sou ambientalista, conhecido por minha especialidade em ecoturismo, trazendo visibilidade ao turismo sustentável, feito este, que atraiu inclusive a atenção da mídia nacional e internacional sobre o produto que gesto no turismo de aventura chamado Tropa Serrana Passeios a Cavalo. Adquiri meu terreno em 1984 mediante escritura pública de uma posse encravada na Fazenda Tapera, constituída desde 1961 por Sebastião Gonçalves, que ali naquela data construiu sua morada, tendo cercado toda a posse com arame farpado. Na data da aquisição já contava com decorridos 23 anos, o que seria bastante para a lei reconhecer o direito inequívoco do usucapião. A área com pouco mais que 3 hectares, com tamanho inferior aos 25 hectares exigidos pela lei 6.969 de 10\12\81 que determina o imediato reconhecimento ao usucapião. Transação feita em cartório a justo título, como convém.
Como ambientalista, logo me preocupei de me regularizar perante o INCRA e me registrar
como Produtor Rural. Em seguida, para exercer o segmento profissional de minha subsistência no
local, me cadastrei na EMBRATUR, e na prefeitura onde renovo todo ano, por décadas o Alvará de
funcionamento. Ao me concederem o Alvará, a Prefeitura de Nova Lima, reconheceu minha
presença na Fazenda Tapera.
Justamente aquela onde foi feita a primeira etapa do loteamento Vila
Castela por intermédio da Construtora Sercel Ltda. Na escritura de aquisição de toda a fazenda
Tapera feita pelo grupo loteador consta na sexta cláusula que eles reconheciam a presença de
posseiros na área, entre estes o meu antecessor Sebastião Gonçalves. A Construtora Sercel Ltda. e
outros que com ela se associaram jamais moveram ação contra meu antecessor nem a mim. Ao
contrário, foram indenizando um a um, sob ameaças para que aceitassem ofertas irrisórias. Eu
preferi buscar meu direito na justiça. Esperei meu processo em trânsito por 25 anos sem julgamento
e quando ficou em condição de ter a sentença, que deveria ser decidida em 10 dias, permaneceu na
Primeira Vara, inerte na mão do juiz titular por 8 meses. Alertado de que os réus fariam jogo pesado,
meu advogado fez um apelo veemente ao juiz titular para que ele mesmo prolatasse a sentença,
pois foi ele que conduziu a audiência e pôde ouvir das testemunhas que minha posse estava sendo
exercida por mais de 50 anos – sem interrupção. Mesmo assim apesar do pedido do advogado com
o qual havia concordado os autos foram remetidos a Belo Horizonte onde a sentença foi feita por um
juiz estranho a causa e que, de forma absurda confessou que não levou em conta o depoimento das
testemunhas e o laudo pericial para decretar uma sentença absurdamente monstruosa e injusta. Os
autos voltaram depois para Nova Lima onde a sentença deveria ter sido dada pelo juiz titular. Feita a
apelação os autos voltaram a Belo Horizonte pela segunda vez. Dupla viagem totalmente fora da
normalidade processual, em que se espera que a sentença seja dada pelo juiz da causa. De volta ao
Tribunal já agora em grau de apelação, o voto do relator se ateve à sentença absurda, cheia de
erros demonstrando que o relator não leu os autos de duas mil páginas ou se leu ignorou as provas.
As duas outras desembargadoras simplesmente acompanharam o voto do relator que é uma
verdadeira aberração do Direito Possessório. Nos autos está provado que a casa de moradia ali
construída em 1961 pelo Sebastião Gonçalves, ainda de pé sendo a mesma que ocupo desde minha
aquisição da área em 1984 até os dias de hoje. Apesar de a Prefeitura reconhecer minha presença
com a emissão do Alvará que por décadas renovo a validade os loteadores tiveram a planta de um
novo loteamento a que batizaram como Vila Castela ll surpreendentemente aprovada pelo Executivo
Municipal. Nessa manobra, os empreendedores ofereceram mais da metade de minha área para
compensação técnica na aprovação de 400 lotes. A Prefeitura de Nova Lima aceitou a fraude
mesmo reconhecendo minha presença numa área onde nunca tiveram acesso. Como os
empreendedores, também impedidos de entrar além de minha divisa , mas que, ainda assim,
mentiram ao declarar que se tratava de uma área livre e desembaraçada. Faltando com a verdade
para atender a lei, foram avançando. Com a cumplicidade entre empreendedores e a Prefeitura se
perpetrou a fraude que acabou por conferir legalidade ao loteamento Vila Castela ll.
Conforme alertado de que fariam um jogo pesado contra mim, o desenlace da ação com a
decisão absurda confirma que fizeram de tudo para alcançar suas metas. Nem mesmo o alerta que
fiz, sobre condutas criminosas da representante dos réus, Construtora Sercel Ltda. que às folhas
763 do volumoso processo deixei demonstrado por reportagem do jornal Estado de Minas, um fato
em que a polícia federal realizou a prisão de um de seus representantes no aeroporto de Brasília
portando 100 mil reais para subornar um funcionário público também detido no flagrante, serviu para
que melhor avaliassem o DNA de réus que tudo fazem pelo interesse de suas intentonas.
Agora, em que vemos uma mineradora obter licença para lavrar no solo deste valioso bioma
Serra do Curral, entendo que o interesse por lucro não mede esforços para contornar impasses. No
meu caso o prejuízo que causam é apenas mais um equívoco constitucional em estranha decisão,
mas à Serra do Curral, onde me encontro preservando a natureza, optam por minha remoção para
instalar mansões que só aumentam os impactos ambientais como supressão vegetal, mais esgotos
e sufoco viário .
Embora o MPF venha lhes aplicado sanções como suspensão da expansão da Vila Castela ll
com severas multas, como a que ora penam, não basta para detê-los pois este consórcio dos
abastados tem caixa com o que vai pagando e investindo suas retro escavadeiras sobre essa última
reserva de mata atlântica na região metropolitana. Os mananciais hídricos que não mais se
recuperam vão-se em troca de multas que simplesmente irrigam o cofre público sem que as minas
d’água voltem a brotar, uma vez
estancadas sob castelos de
concreto de alto valor.
É como estão acabando
com o patrimônio natural escolhido
pela população como símbolo de
Belo Horizonte e ainda levando a
reboque a própria honra do
judiciário.
S.O.S é o pedido que me resta !
Tullio Marques
Nova Lima 10 de maio de 2022
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