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Quando Pelé foi chamado de Rei pela 1ª vez, em 1958

Obrigado ao Petrônio  Souza, grande escritor e poeta, parceiro do fantástico Toninho Horta em incríveis saraus de música e poesia “Nos Caminhos da Estrada Real”. Ele nos enviou um artigo sensacional do Nélson Rodrigues, que é uma aula de história, de futebol e de jornalismo, quando Pelé tinha apenas 17 anos e já dava grandes sinais de que o mundo estava prestes a ver um fenômeno dentro nos gramados do futebol.

Nélson tinha uma concorridíssima coluna semanal na revista Manchete, em que destacava um personagem da semana. Nessa, em 1958, batizou Pelé como “Rei”.

Confira:

* “Depois do jogo América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade [Albert] Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor.
O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?” Ele respondeu, com a ênfase das certezas eternas: — “Eu.” Insistiram: — ”Qual é o maior ponta do mundo?” E Pelé: — “Eu.” Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção que ninguém reage, e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé.

Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompeia. Sozinho, liquidou a partida, liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente estrebuchava: — “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!” De certa feita, foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para a frente, e o caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe, ao encalço ferozmente, o terceiro, que Pelé corta sensacionalmente. Numa palavra: — sem passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e sádica da defesa rubra. Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: — a defesa estava indefesa. E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompeia e encaçapou de maneira genial e inapelável.

Ora, para fazer um gol assim não basta apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança, de certeza, de otimismo que faz de Pelé o craque imbatível. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível na formação de qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente, que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas de pau.

Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.”

* Texto de Nélson Rodrigues publicado na Manchete Esportiva de 8 de março de 1958:


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Comentários:
6
  • Horacio disse:

    A minha primeira vez para assistir um jogo no mineirão foi para ver ele, Pelé. Meu pai nos levou.

    Pra você ver a força do Rei, meu pai nunca teve interesse em futebol, se dizia americano, nunca foi ao campo. Para ele, nossa diversão deveria ser estudar, e só, foi a única vez na vida que nos levou pra ver futebol.

    Na época era muito mais barato, mesmo assim para um assalariado, como um monte de filhos, pesava. Mas fez questão, queria que vissemos o cara jogando. Outras lendas, como Garrincha, já estavam parando, o meu pai sabia como Pelé era importante e não só para o futebol. Foi ele quem pos o Brasil no mapa.

    Eu era muito novo, o jogo foi Atlético x Santos, ficou 2×1 pra nós, Pelé foi substituído, quem marcou pra eles foi Coutinho, mas lembro pouco do jogo, achei difícil identificar os jogadores. O menu, acho que foi pão seco com salame e grapete ou coisa parecida…arghhh.

    Eu ainda o vi jogando muitas vezes, pela tv, jogou muito na copa de 70. Devo ser um dos poucos que viu Pelé jogando no campo, no mineirão. Presentaço do meu pai.

    Belissima essa foto.

    Horacio

  • Julio Cesar disse:

    Re Rei Rei Reinaldo é nosso Rei ! Só Ele Reinaldo é meu idolo, Rei, como cantava a Massa!
    Pelé jogou pra caralho mas meu Rei é Reinaldo. Se precisar entrar em detalhes pode até ser mas não agora.
    Tô muito longe dessa de rei disso, rei daquilo!
    Outro, rei Roberto Carlos! Passo!
    Elvis rei ! Pára!
    Vi o jogo do Galo na taça SP futebol sub 20 contra Galvez. Time do Galo sofrivel. Horrivel. Onde está estrutura do clube? Parece mesmo jogadores patrocinados! Cadê os olheiros? Os jogadores da varzea, do futebol amador?
    Deve ter muita coisa errada na administração da base!

    • LÉO BRAZ disse:

      Bom dia pessoal do blog!!!!
      Prezado Júlio… também tive a infelicidade de ver um pedaço desse jogo. Ainda bem que não consegui ver mais do que 20 minutos no meu intervalo do almoço.
      O time é péssimo dos péssimos!!!! Não conseguem trocar mais de 5 passes seguidos sem errar. Só conseguem dominar a bola se tiverem que se deslocar 1 metro para o lado. Ganharam apertado de um time do Acre (nada contra o estado ou seus moradores, ok) !!!! Mas com certeza a estrutura deles não chega nem aos pés da nossa.
      Tenho certeza que se pegarmos o pessoal da pelada de fim do ano do nosso amigo Chico Maia lá em Conceição do Mato Dentro e colocar para jogar com o Galinho ganha fácil.
      Saudades de Barbatana, Reinaldo, Cerezo, Marcelo, Paulo Isidoro, Heleno, etc.
      Tem muita coisa errada nessa base do Galo e é de muito tempo.

  • Silvio Torres disse:

    Chico, tenho certeza que você e meus “fãs” devem lembrar. Disse que estava jogando a toalha e dando um tempo aqui no blog quando anunciaram a “entregada” do Diamond Mall. Na minha concepção, a patranha era tão vergonhosa e evidente que não estranhei em nada a notícia publicada ontem de que o troço melou. Tô esperando sentado a competentíssima e honesta imprensa mineira, que rastejou nos comentários defendendo a escandalosa transação, uma explicação convincente para o fracasso da maracutaia. By the way, estou neste momento assistindo a estreia do Atlético na Copa São Paulo. Minha Santa Periquita do Bigode Loiro! A mesma indigência técnica e tática de décadas das categorias de base do Galo. Queria tanto arrumar uma boquinha nesse cabidão de emprego. Não precisa dar resultado mesmo…

  • Carlos Henrique disse:

    Quando Mraradona faleceu, a maioria dos jogadores e ex campeoes
    foram no sepultamentoe velorio
    Torci para Argentina na copa, futebol envolvente adoro o touque de bola
    da Argentina, brasileiro que tem esse ranço com argentino.
    Neto falou certo, quantos jogadores do Tetra ou do Penta , foram ao velorio
    ou no sepultamento do rei do futebol.
    so o Mauro Silva, Neto como Casagrande estao certissimos
    se tivesse cache Kaka iria, disse Casagande
    Certo lha a diferença dos jogadores argentinos e dos brasileiros
    soberbos, mascarados
    o Brasil vai ficando na fila da Copa do mundo
    esses jogadores precisam mudar a mentalidade, jogadores
    individualistas, mascarados

  • Celso Martinelli disse:

    Artigo sensacional! Nelson, o anjo pornográfico, excelente comentarista, mesmo cego quando a cegueira o acometeu.