O desrespeito aos direitos mínimos do torcedor não ocorre só em Minas Gerais. O jornalista José Roberto Torero escreveu em sua coluna na Folha de S. Paulo a luta que foi para conseguir assistir Santos e Rio Claro esta semana, no Estado mais rico do Brasil:
Torcedor + trouxa = Trouxedor
JOSÉ ROBERTO TORERO
Após ver Santos x Rio Claro no estádio, concluí que o torcedor desorganizado tem que se organizar de alguma forma |
“TORCEDOR” , segundo o dicionário “Houaiss”, significa “Aquele que torce nas competições esportivas”. Já “trouxa” quer dizer “Aquele que é facilmente iludido; tolo”. Pois bem, creio que precisamos de uma nova palavra: “trouxedor”.
Uma mistura de trouxa com torcedor. É isso que nós, aqueles que gostamos de ver uma partida de futebol ao vivo, somos.
Para começar, a ida ao estádio é um suplício. Se você vai de ônibus, fica com inveja das sardinhas. Se vai de carro, tem que deixar algum dinheiro com o flanelinha, o primeiro de vários malandros que você encontrará em seu caminho até o campo. Este personagem não passa de um chantagista. O dinheiro que você lhe paga não é para que ele cuide do seu carro, mas para que não o risque.
No domingo, fui comprar ingresso no estádio do Pacaembu várias horas antes do jogo, e eles já estavam lá. Para quem não sabe, o Pacaembu tem zona azul, mas, mesmo assim, havia muitos deles.
Pois bem, depois de você deixar um cartão de zona azul no seu carro e de também pagar o flanelinha, você vai para a fila. Uma grande fila. Os responsáveis sabem que o número de compradores será enorme, mas nem se pensa em colocar mais gente trabalhando, o que pode não ser apenas incompetência mas também conivência com um esquema de corrupção que explicarei logo abaixo.
Depois de esperar 40 minutos na fila, vi um torcedor sair do guichê dizendo em voz alta: “Cuidado aí, pessoal, eles estão vendendo ingresso de estudante a preço de inteira!”.
Logo depois, um fiscal se aproxima da fila e esclarece: “Para o tobogã, só há meia-entrada. Mas tudo bem, todos poderão comprá-la e só pagarão metade do preço”.
Porém, quando chego ao guichê, o bilheteiro, um sujeito usando uma camisa do Santos, diz que a entrada custaria R$ 30. Eu protesto e repito o que o fiscal havia dito. O bilheteiro resmunga e, milagrosamente, a entrada volta a custar R$ 15.
É claro que, se você preferir não enfrentar a fila, pode recorrer aos cambistas. Pagará a “tarifa de conforto” e, depois, basta torcer para que o bilhete não seja falso. Em resumo, na hora da compra do seu ingresso, você pode escolher o pilantra para o qual vai deixar seu dinheiro. E é um bom dinheiro, caro trouxedor.
O ingresso mais barato custava R$ 30. Se quiser lugar melhor, o preço vai a R$ 50 ou R$ 60, mais que o bilhete de cinema mais caro da cidade, do shopping Cidade Jardim (R$ 46).
Então, depois de pegar uma longa fila para entrar no estádio, você sentará sob o sol, no cimento, e será vítima de outro malandro: o ambulante.
Neste caso, nem sei qual é pior, se o clandestino ou o oficial. Este vende seus produtos a preços inacreditáveis (um picolé custa R$ 4). Os do clandestino são mais baratos, mas não venha reclamar da qualidade.
Não, você não tem saída, trouxedor. Pois, se não quiser mais ir ao estádio, acabará no “pay-per-view”, de preços absurdos. Ou, pensando melhor, há uma saída. É jamais comprar de cambistas, é fotografar bilheteiros pilantras e colocá-los na internet, é levar seu próprio alimento, é reclamar e dedurar os pilantras.
O torcedor desorganizado tem que se organizar de alguma forma.
Senão será para sempre trouxedor.