Ilustração: www.umdoisesportes.com.br
Sou apaixonado pelo rádio, tanto para ouvir como para trabalhar. Sem campeonato mineiro domingo à tarde, parei na CBN/Globo Belo Horizonte (que lamentavelmente só transmite futebol do Rio e de São Paulo) e fiquei ouvindo os momentos finais de Botafogo 2 x 0 Bangu e logo em seguida, Fluminense x Madureira pelo Carioca, até começar América x Democrata-GV, pelo Mineiro. Terminou 1 x 0 para o Flu, que teve o goleiro Fábio no banco de reservas e Nathan, ex-Galo, entrando no segundo tempo e melhorando o time, segundo o ótimo comentarista Eraldo Leite, aliás, gente muito boa também.
Mas o que mais me chamou a atenção foi o início da transmissão pela rádio. O locutor entrou em pânico duas vezes. Em apenas 11 minutos de partida, dizia que uma “tela preta” estava aparecendo no lugar das imagens do jogo e que aquilo era um “absurdo”. Uai, será que ele está fazendo transmissão “off-tube” (assistindo pela TV, no estúdio ou em casa), um jogo realizado em Volta Redonda? Pensei comigo. E era. A Globo/CBN em “off-tube”, num jogo a 130 Km de distância da cidade do Rio!
Começou o jogo do América e assisti pelo Premiere, muito boa transmissão. Assim como gostei da transmissão de Cruzeiro 2 x 0 URT pela internet, Canal O Tempo, na primeira rodada. As transmissões da Globo/Premiere são, tradicionalmente, de muito boa qualidade geral. Mas ela demorou comprar os direitos do Campeonato Mineiro deste ano. E já acertou com o Cruzeiro o do ano que vem.
Muita gente achou que as transmissões pela internet (streaming), especialmente pelos canais dos próprios clubes seriam a solução da vida de todos os torcedores. Mas, até agora não foi isso o que aconteceu. Muito pelo contrário, como mostra o Rodrigo Capelo, na coluna dele em O Globo, de ontem:
* “Rodrigo Capelo: O caos das transmissões”
No Rio, partidas são exibidas com imagem de baixa qualidade, gafes na cobertura e até perda de sinal
No momento em que decidiram “revolucionar” o negócio dos direitos de transmissão no futebol brasileiro, em meados de 2020, dirigentes criaram narrativas atrativas, baseadas em princípios nobres. “Democratização”, “fim do monopólio” e “desintermediação” foram três termos muito repetidos pelas cabeças. Disseram que o torcedor ganharia com a mudança.
Não estávamos, no Brasil, desalinhados das ambições internacionais. O streaming passou para todo mundo a impressão de que o fã teria mais opções para assistir ao futebol. Medidas antitruste foram adotadas por vários países para impedir a concentração de campeonatos em apenas uma emissora. Todos os mercados têm tentado se adaptar à nova era da transmissão.
Passado um ano e meio de algumas mudanças, vejamos como está a vida do brasileiro. Um torcedor que queira acompanhar o Campeonato Carioca, por exemplo, tem dificuldade para descobrir onde a partida vai passar. A Record transmite um jogo por rodada na TV aberta; a federação estadual e o Flamengo têm seus canais próprios. Também há transmissões em canais de streamers e de empresas em YouTube e Twitch. No total, sete ou oito alternativas.
Todas as opções descritas no último parágrafo servem apenas para o estadual fluminense. Se o torcedor quiser acompanhar a trajetória do clube em outras competições estaduais, nacionais e continentais, precisará acrescentar à agenda Globo e SBT na televisão aberta, ESPN e SporTV na fechada, Amazon no streaming, além dos canais de confederações e outros clubes. A soma de todos esses pacotes pode acabar em valor maior do que o que estava habituado a pagar.
Além da hiperfragmentação dos direitos, houve diminuição significativa da qualidade da transmissão. No Rio de Janeiro, partidas são exibidas com imagem de baixa qualidade, gafes na cobertura e até perda de sinal. Torcedores de Flamengo e Vasco, no último fim de semana, não conseguiram sequer assistir aos jogos inteiros. A Ferj, responsável pela bagunça, se desculpa em comunicado, mas tenta empurrar a “culpa” para parceiros diretos e indiretos.
Perdas de sinais, quando pontuais, podem ser explicadas por falhas técnicas, às quais qualquer empresa no mundo está sujeita. Mas o problema é mais grave. Federação e clubes resolveram economizar nos custos de produção, distribuição e edição do conteúdo. Em 2021, foram necessários R$ 6,4 milhões no Carioca. Em 2022, esse valor caiu para R$ 3,8 milhões. É inegável que a qualidade do produto seria maior se houvesse mais dinheiro na mesa.
https://oglobo.globo.com/esportes/rodrigo-capelo/rodrigo-capelo-caos-das-transmissoes-1-25374140