Sou admirador do trabalho do Ruy Castro, mineiro de Caratinga, um dos maiores escritores do país, especializado em biografias, e trabalhos espetaculares, como sobre a vida do Nelson Rodrigues, Garrincha, Carmen Miranda, a Bossa Nova, e por aí vai.
Ele também tem um comentário às terças feiras pela manhã na Band News FM, onde bate um ótimo papo com o Ricardo Boechat sobre temas do cotidiano.
Escreve na Folha de S. Paulo, onde li este comentário, do dia 1o, muito interessante, sobre a homenagem ao uruguaio Gigghia, carrasco do Brasil em 1950.
Sem ser deselegante ele dá um cutucão, não no Gigghia, mas no tratamento dado pelos brasileiros a uma vítima daquele gol que nos tirou a Copa de 1950.
Confira:
“O carrasco e a vítima”
RIO DE JANEIRO
– Maracanã, 1950. Aos 20 minutos do 2º tempo, o ponta uruguaio Gigghia avançou pela direita, driblou o lateral Bigode e, diante do zagueiro Juvenal, que se deslocara para combatê-lo, cruzou para seu companheiro Schiaffino. Este recebeu livre no centro da área e fuzilou o goleiro Barbosa, empatando para o Uruguai. O 1×1 abalou os quase 200 mil torcedores, mas, com aquele resultado, o Brasil ainda seria campeão do mundo.
Aos 34 minutos, repete-se o lance. Só que, desta vez, Juvenal guarda sua posição para não deixar Schiaffino livre. Gigghia, então, em vez de cruzar, atira a gol e a bola penetra entre Barbosa e a trave -2×1, silêncio no Maracanã, Uruguai campeão.
Na terça-feira última, Gigghia, 83 anos, gravou seus pés em cimento para a Calçada da Fama do Maracanã. Já são 59 anos desde aquela tarde em que suas arrancadas pela ponta levaram tantos brasileiros ao desespero -e, desde então, o Brasil cansou de ganhar a Copa-, mas não sei de outro país ou povo que prestasse tal homenagem a seu carrasco. Nem Gigghia, em lágrimas, esperava por isso.
Em compensação, há dois meses, uma das vítimas daquela história, Juvenal, foi enterrado no cemitério de Camaçari, em Salvador, na presença de meia dúzia. Tinha 86 anos, dos quais os últimos foram muito tristes: pobre, quase esquecido, numa casinha de 10 m2, sem poder andar, com artrose nos joelhos e quadris, e ligado ao mundo apenas por um rádio.
Marcia Turvão, a bondade em pessoa, minha amiga e de Juvenal, tentou vestir seu caixão com uma bandeira do Brasil, do Flamengo ou do Bahia, cores que ele defendeu. Mas era véspera de feriado e, quando Marcia conseguiu achar uma bandeira e voltar ao cemitério, Juvenal já fora sepultado. Mais um desencontro do destino entre ele e Gigghia.