Costumo dizer a todo jovem que pensa em se tornar jornalista que em nossa profissão “ganha-se pouco, mas diverte-se; quase o tempo todo”. A falta de rotina, a oportunidade de se conhecer pessoas e lugares, o poder de emitir informações e opiniões para milhares através de tantos meios de comunicação, enfim.
Para quem não é dinheirista, desses que sonham em ganhar altos salários ou ficar rico, é um prazer incomensurável ser jornalista. Enfrenta pressões de todos os lados, trabalha muito, mas isso faz parte de qualquer profissão.
O lado ruim mesmo é o caráter nacional brasileiro, onde os bandidos de todas as áreas, que podem pagar a advogados competentes, tentam calar e muitas vezes nos calam através de artifícios jurídicos, postos nas leis quase sempre por legisladores que trabalharam e trabalham a favor do crime na Câmara dos Deputados e no Senado.
Com dinheiro é possível calar os maus profissionais do nosso meio; os que vendem opiniões ou se prestam ao papel de datilógrafos de aluguel; felizmente, minoria. Mas os sérios, só são calados quando lhes tiram os espaços ou os amordaçam através de ações judiciais que encontram respaldo em leis criadas com este propósito.
Antes de me graduar em Comunicação, me formei em Direito, e já no estágio, com o Dr. Carlos Linhares, um dos melhores criminalistas que conheci, conterrâneo de Sete Lagoas, já decidi que jamais advogaria. Ainda mais nessa área. Seria vender a alma para o que há de pior na espécie humana.
Mas, vida que segue! Meu pai, o saudosíssimo seu Vicente, ficou feliz com meu diploma, mais ainda quando passei no exame da OAB e ganhei a minha inscrição na Ordem.
Valeu demais ter feito o curso onde aprendi muito, do Direito, da vida e onde fiz ótimas amizades que perduram e são eternas.
Este preâmbulo todo para sugerir às senhoras e senhores que leiam este artigo do jornalista Fábio Pannunzio, da Band, que está sendo obrigado a se calar em seu blog pessoal, por forças que sabem usar as artimanhas do Direito.
Publicado dia 31 de outubro, na seção “Tendências/Debates”
Vale muito a pena e aqui a minha solidariedade a ele:
* “Fábio Pannunzio”
Contra a avalanche, o jornalista desiste
Em empresas de comunicação, fui processado uma vez em 31 anos. Já na internet, sozinho, é uma avalanche. Como bancar? Sobra só a blogosfera ‘estatal’…
Como jornalista a serviço de empresas de comunicação, fui processado só uma vez em 31 anos de profissão -a despeito de ter trabalhado a maior parte desse tempo como repórter investigativo e de ter feito dezenas de denúncias graves. E ganhei.
Há menos de quatro anos, criei um blog dedicado à reflexão política e à denúncia de iniciativas visando sufocar a liberdade de expressão, promover ou justificar a corrupção.
Ao longo de sua existência, tornei-me alvo de uma avalanche de processos judiciais. Foram oito ao todo, que me obrigaram a gastar uma fortuna com a contratação de advogados. Como blogueiro, descobri a condição de vulnerabilidade em que se encontram dezenas de jornalistas que decidiram atuar independentemente na internet.
Jamais fui condenado, mas é fato inquestionável que o exercício das garantias constitucionais é excessivamente custoso para quem não está respaldado por uma estrutura empresarial -ou não vendeu a alma ao diabo.
Contratar advogados, pagar custas e honorários, invariavelmente caríssimos, já constitui, em si, uma punição severa, mesmo para quem fatalmente será absolvido ao final de um processo sofrido e demorado.
Foi o que me levou à decisão de parar de publicar no blog.
Os dois primeiros processos vieram do Paraná, de onde uma quadrilha de estelionatários e traficantes de trabalhadores brasileiros para os EUA conseguiu censurar o blog durante alguns meses. A prisão dos denunciados fez com que a censura se extinguisse. Não satisfeitos e embora presos, passaram a pleitear uma indenização por danos morais.
De Mato Grosso chegaram outras quatro ações. O autor é o deputado estadual José Geraldo Riva, réu em 120 processos por peculato, corrupção e improbidade administrativa. Seu mandato foi cassado duas vezes por compra de votos, mas Riva ainda preside a Assembleia Legislativa do Estado, mesmo proibido de assinar cheques e ordenar despesas.
Boa parte dos textos teve como objeto o repúdio às práticas que o STF agora condenou como crimes praticados pelos mensaleiros do PT. O foco era o desvirtuamento ético, e não a questão partidária.
Também critiquei o mata-mata na segurança pública de São Paulo, Estado governado pelo PSDB. Daí brotaram dois outros processos.
O primeiro, uma queixa-crime do ex-comandante Paulo Telhada, que acaba de ser eleito vereador em São Paulo graças à imagem que ele alimenta de matador implacável. É o mesmo acusado de incitar no Facebook a campanha que culminou em uma série de ameaças ao repórter André Caramante, desta Folha.
O segundo é uma ação por danos morais movida pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, que novamente pôs o blog sob censura.
Não fui o único blogueiro a ter a sua atividade jornalística impedida por uma sequência de ações judiciais. Outro caso exemplar é a mato-grossense Adriana Vandoni, do blog “Prosa & Política”. Desde 2009, a publicação está censurada judicialmente pelo mesmo José Geraldo Riva.
Não defendo prerrogativas de qualquer natureza para o jornalismo irresponsável. O exercício do jornalismo se torna deletério quando há deslizes éticos, com prejuízos enormes para quem se vê caluniado, difamado ou injuriado.
Também não me insurjo contra o direito dos ofendidos de pleitear reparação diante de distorções e erros da imprensa. O blog, aliás, sempre criticou o engajamento do jornalismo a soldo de políticos suspeitos, que atua como uma máquina de destruir reputações. Tal máquina ataca inclusive jornalistas, como Heraldo Pereira, da TV Globo, e Policarpo Júnior, da “Veja”, vítimas de uma campanha difamatória hedionda movida pela blogosfera estatal.
Minha página eletrônica nunca aceitou qualquer forma de publicidade. Era mantida exclusivamente às expensas da minha renda pessoal auferida como repórter e apresentador da Rede Bandeirantes de Televisão. O exercício da liberdade de expressão, no ambiente cultural de uma democracia que ainda não se habituou à crítica (e a confunde com delitos de opinião), desafortunadamente, se tornou caro demais.
Mas sou forçado a concordar com os que entenderam minha atitude como capitulação. Porque o silêncio compulsório, que é o que desejam os inimigos da liberdade de expressão, só fará agravar o problema.
FÁBIO PANNUNZIO, 51, jornalista, é repórter e apresentador da TV Bandeirantes