Ricardo Noblat é um dos nomes do jornalismo brasileiro.
Além de escrever semanalmente no Hoje em Dia, O Globo e outros jornais, tem um dos blogs mais concorridos do país.
Escreveu hoje um artigo que mostra mais vísceras da política brasileira.
O assunto está nos jornais desde aquele acidente de helicóptero perto de Porto Seguro/Trancoso, que vitimou dentre outros, a nora do governador do Rio, Sério Cabral.
Mas o Noblat deu uma esmiuçada muito interessante.
“Comentário”
Governador Sérgio Cabral: minha solidariedade. Fora a perda de um filho, nada dói mais do que ver um filho sofrer. Tenho um que perdeu a namorada em acidente de carro. E foi ele quem encontrou o corpo.
O senhor fez bem em licenciar-se do cargo para ficar ao lado do seu filho. Pezão, o vice, dá conta do recado. É eficiente. Está acostumado.
Só não escale Pezão para responder perguntas que apenas ao senhor cabe responder. Não são poucas. E estão na boca das pessoas que ainda se preocupam com as parcerias público-privadas entre políticos, seus amigos e benfeitores.
Sou do tempo em que os políticos escondiam amantes, tesoureiros de campanha e empresários do peito.
Amantes ainda são mantidas à sombra – embora algumas delas, de um tempo para cá, tenham protagonizado barulhentos escândalos. Outras morrem sem abrir o bico.
Tesoureiros? Esses se expõem ao sol sem o menor pudor. São reconhecidos em toda parte. E fingem que abdicaram de cometer antigos pecados. Pois sim! Acredite…
Quanto a empresários do peito… Liberou geral.
Direto ao ponto: por que o senhor viajou a Porto Seguro, acompanhado de parentes, em jatinho cedido por Eike Batista, dono de muitos negócios que dependem do interesse ou da boa vontade do governo do Rio de Janeiro?
Foi o senhor que pediu o jatinho emprestado? Foi Eike quem ofereceu? Se ele ofereceu como soube que o senhor precisava de um?
Há vôos comerciais diários para Porto Seguro. Por que não embarcou em um deles pagando do próprio bolso a sua passagem e as de seus familiares?
O jato de Eike decolou com o senhor do aeroporto Santos Dumont às 17h da última sexta-feira dia 17. O vôo 3917 da TAM decolou antes – às 10h15. Nele, o senhor teria chegado ao seu destino às 14h16.
Não considera indecoroso viajar a custa de um empresário que em 2010 doou para sua campanha R$ 750 mil? Um empresário beneficiado por isenções concedidas por seu governo?
Foi por isso que sua assessoria, no primeiro momento, negou que o senhor tivesse voado para Porto Seguro? Foi por isso que o senhor preferiu voltar em um jatinho alugado por seu governo?
Se a autoridade máxima de um Estado pede ou aceita favores de empresários não será compreensível que seus secretários também aceitem, igualmente os subsecretários, chefes de gabinetes, chefes de repartições – e assim por diante?
Que diferença existe entre um agrado feito com dinheiro e outro com gasolina e conforto?
O que o levou a Porto Seguro foi a comemoração de mais um aniversário do empresário Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta Construções, cujos contratos abocanhados para obras durante seu governo valem em torno de R$ 1 bilhão. Somente no ano passado a Delta ganhou 18 contratos – 13 deles sem licitação.
Em momento algum o senhor imaginou que não pegaria bem comparecer a um evento promovido por quem tanto lhe deve?
Um homem público não deveria saber distinguir entre prestadores de serviços ao Estado e amigos pessoais? A mistura do público com o privado não acabaria por causar sérios danos à sua imagem?
Quem acreditará que Cabral, amigo de Cavendish, nada tem a ver com Cabral, governador do Rio e cliente de Cavendish?
E onde mesmo seria a festa de aniversário do empresário? No Jacumã Ocean Resort, de propriedade do piloto Marcelo Mattoso de Almeida – um ex-doleiro acusado de fraude cambial há 15 anos.
Marcelo foi dono da empresa First Class, acusada de ter cometido crime ambiental na praia do Iguaçu, na Ilha Grande, em Angra dos Reis.
Sinto muito, governador, mas é com esse tipo de gente que o senhor anda? É a esse tipo de gente que o senhor não se constrange em ficar devendo favores?
Eike Batista disse que cedeu seu jatinho ao senhor com “satisfação” e “orgulho”. E que é livre para selecionar suas amizades.
Lembrou-me a rainha francesa Maria Antonieta, no Palácio de Versalhes, mandando o povo comer brioches às vésperas da revolução que a guilhotinou.
Se quiser ser levado a sério, o homem público que deve seu mandato ao povo está proibido de desfrutar do mesmo grau de liberdade.
Reflita com calma a respeito, Cabral. E não deixe uma só dessas perguntas sem resposta.