Vida de goleiro não é nada fácil. Herói em dia de grandes defesas; vilão quando toma um frango.
O ex-goleiro do Cruzeiro, que começou a carreira no Democrata Jacaré, desabafou hoje no O Globo:
* “Gomes revela mágoa com críticas após fase de lua de mel com torcedores do Tottenham”
LONDRES – Heurelho Gomes nunca se iludiu: desde o momento em que, já no final da adolescência, trocou a posição de atacante para ficar debaixo das traves, sabia que seus erros seriam bem mais notados que os dos companheiros. Fosse no Campeonato Mineiro, com a camisa do Cruzeiro, ou no papel de primeiro goleiro brasileiro a jogar na bilionária Premier League. Daí o fato de o jogador do Tottenham encarar com tranquilidade as críticas despertadas pelas recentes falhas nos jogos da equipe inglesa pela Liga dos Campeões da Europa, contra o Real Madrid, e no recente clássico londrino com o Chelsea.
– Sou a pessoa que mais cobra de mim e nunca vou fugir da responsabilidade. Só não acho justo que os críticos de esqueçam de como o clube ganhou muito mais pontos do que perdeu com a minha ajuda – afirma o goleiro.
Gomes se refere especificamente à temporada passada, em que o Tottenham pela primeira vez em sua história se classificou para a Liga dos Campeões, obtendo a quarta vaga inglesa num duelo particular com o Manchester City, decidido apenas na penúltima rodada da temporada, e em que o goleiro brasileiro garantiu a vitória por 1 a 0, fora de casa, com pelo menos quatro defesas. O suficiente para inspirar a torcida do clube londrino a criar um canto em que declara sua apreciação ao goleiro com uma oferta para que ele durma com suas esposas e namoradas.
Gomes chegou a Londres em 2008, após quatro temporadas no PSV Eindhoven, em que também precisou enfrentar a desconfiança de locais orgulhosos com sua escola de goleiros. Saiu da equipe holandesa aclamado e como um dos heróis do time que em 2005 esteve a minutos de eliminar o Milan nas semifinais da Liga dos Campeões – curiosamente, desde a saída do goleiro, o PSV não voltou mais à principal competição europeia.
Na Inglaterra, além de estranhar as diferenças de cultura futebolística, em especial a diferença de velocidade e contato físico, o goleiro sofreu lesão na bacia num dos primeiros treinos, ao ser atingido pelo lateral Alan Hutton). Sem reserva de nível, jogou várias partidas no sacrifício, tomando até injeções para suportar as dores. Isso ao mesmo tempo em que o clube passava por uma crise unindo a má-fase de jogadores a uma queda de braço entre a diretoria.
– Não conseguia cair para o lado direito, por exemplo. Isso contribuiu para que minha cabeça não estivesse boa. As falhas também ocorreram porque o Tottenham é um time que, apesar de jogar bonito, dá muito espaço. Nunca fui tão acionado como aqui no futebol inglês – explica.
Ele tem mágoa de alguns comentaristas, sobretudo os que fizeram piadas com suas falhas. Enxerga preconceito em relação a goleiros brasileiros, o que considera um pouco cínico diante das recentes desventuras de ingleses na posição – embora não cite nomes, a imagem do frango de Robert Green na Copa é uma lembrança imediata. Prefere mencionar o técnico do Tottenham, Harry Redknapp, que na semana passada, após a falha contra o Chelsea, saiu em defesa do brasileiro.
– Gomes é um grande goleiro. Teve problemas de forma quando chegou, mas demos apoio e continuaremos dando – disse o inglês.