Boa leitura para o fim de semana
Recebi do Promotor José Antônio Baêta de Melo Cançado, o relatório completo de suas investigações em torno da escolha dos árbitros para os jogos do Campeonato Mineiro.
Um trabalho longo, com muitos detalhes e que será útil ao futebol de todo o Brasil, porque o que acontece aqui é do mesmo jeito que acontece em todos os Estados e na CBF, em relação às competições nacionais.
O Ministério Público entrou de sola no assunto motivado por duas partidas especiais do Campeonato Mineiro 2010: Atlético x América, em Ipatinga; Cruzeiro x Ipatinga, no Mineirão, ambas pela fase decisiva.
A boca no trombone do Marcus Salum, e os erros graves da arbitragem nessas duas partidas foram o ponto de partida do Promotor Baêta, que ouviu dirigentes e funcionários dos clubes, da FMF, treinadores e jornalistas.
Interessante é que conversei anteontem com Jurandy Gama Filho, chefe da arbitragem mineira, e ele disse que está mais fora do que dentro do comando atualmente, já que assumiu cargo importante na empresa do irmão; um grupo forte ligado à siderurgia e fabricação de equipamentos.
Jurandy informou também que deve apresentar seu pedido demissão ao presidente Paulo Schetino a qualquer momento, já que não está conseguindo ninguém da sua confiança para substituir Alexandre Paoloucci, seu ex-braço direito, que foi morar em Salvador, onde faz Mestrado em Educação Física.
Alguém pode estranhar o fato do Dr. Baêta ter me enviado em primeira mão para a imprensa este relatório e as recomendações que ele enviou à FMF e CBF. Como os senhores sabem, tivemos divergências nas páginas de O Tempo e Super Notícia, além deste blog, na semana passada.
Pois digo que tive uma das mais gratas experiências profissionais da minha carreira. São raras as autoridades públicas que têm espírito democrático e cidadão como ele teve nesta situação. O normal, quando algum jornalista incomoda a alguém através de seu
trabalho, é sofrer ameaças ou receber respostas ofensivas e mal
educadas, estando certo ou não no que escreveu ou falou.
Informei o que vi, ele confirmou parte do ocorrido e informou o desfecho que eu não vi. Não menti, ele não mentiu; não nos ofendemos e nos tratamos com respeito, como profissionais que procuram executar bem as suas profissões.
Apesar de nunca termos conversado pessoalmente, apenas trocado e-mail, continuamos nos respeitando como pessoas de bem.
Se toda desavença fosse resolvida dessa maneira, o mundo seria muito melhor.
Agradeço a ele pelo gesto e pelas palavras gentis no endereçamento do e-mail.
Como o relatório é grande, 37 páginas, mais os ofícios endereçados à FMF e CBF, publico neste post apenas um trecho, e anexado está o texto completo, bem detalhado, para que os senhores possam se aprofundar na história toda.
Agradeço também à Juliana, da Paranet, que cuida da parte técnica do blog, pela compactação de todo o material disponibilizado aos senhores.
“…Nenhuma dúvida existe de que a sistemática adotada, em que a seleção dos árbitros para integrar o sorteio não obedece a critérios objetivos e claros, ofende ao princípio da transparência, exigido para as competições, conforme artigo 5º da Lei 10.671/2003:
Art. 5º) São asseguradas ao torcedor a publicidade e transparência na organização das competições administradas pelas entidades de desporto, bem como pelas ligas de que trata o artigo 20 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998.
Ora, é exatamente a falta de transparência que causou os fatos e teve ampla repercussão, a ponto de justificar a provocação ao Ministério Público e a necessidade de investigação. O Presidente da Comissão de Arbitragem procura esclarecer que a exclusão do árbitro André Luiz de deu em decorrência do fato de ele ter apresentado problemas físicos na partida entre Atlético e Democrata, realizada em início do mês de março/2010, e como havia o teste de aptidão física da CBF na segunda-feira, data do sorteio, houve a preocupação de que se fosse reprovado, poderia comprometer a imagem da Comissão. Para corroborar a sua justificativa, juntou o relatório emitido pelo delegado da referida partida, em que consta que o árbitro passou a mancar a partir da metade do segundo tempo. Ainda, ressaltou que a escolha do nome do árbitro para integrar a lista de selecionados é de exclusiva atribuição da Comissão de Arbitragem, sendo que esse modelo é adotado pela CBF.
Ora, não há dúvida que, pela sistemática adotada, existe esta discricionariedade, que como já dito, sequer necessita de justificativa para a exclusão de árbitro do sorteio. Todavia, a justificativa apresentada não pode ser recebida como plausível, pois o fato descrito pelo delegado da partida entre Atlético e Democrata ocorreu mais de um mês antes, sendo que depois o árbitro foi selecionado outras vezes. Assim, o episódio apenas revelou que a violação ao estatuto do torcedor não se restringe ao fato investigado, mas a todo o processo de seleção dos árbitros.
E é fácil constatar a violação, pois basta uma simples análise da escala dos árbitros selecionados para a 2ª rodada das quartas de final, cuja sinopse se encontra juntada às fls. 75. Verifica-se que para as partidas entre Tupi X Ipatinga e entre Uberaba X Cruzeiro somente foram selecionados os árbitros Alício Penna Junior e Cleisson Veloso Pereira. Como o árbitro Cleisson Veloso Pereira foi o árbitro escolhido para a partida Tupi x Ipatinga, não houve sorteio para a partida Uberaba X Cruzeiro, pois somente restou o árbitro Alício Penna Junior, que efetivamente foi escalado para o evento. Importante destacar que a lei é clara: deve ocorrer o sorteio em cada partida, e não para um conjunto de partidas.
Ainda, depreende-se que para o jogo Democrata-GV X Villa Nova o árbitro André Luiz Martins Dias Lopes integrou a escala de sorteio, o que reafirma a falta de justificativa plausível para não ter integrado as demais escalas, seja do jogo Cruzeiro X Uberaba, em que somente ficou um árbitro e não houve sorteio, ou mesmo para o jogo entre Atlético X América e Tupi X Ipatinga.
Logo, restou comprovado que a sistemática adotada não garante ao torcedor uma arbitragem isenta de pressões e que falta transparência na escolha do árbitro. A discricionariedade adotada indica a real possibilidade de que pedidos de agremiações esportivas para que excluam do sorteio de suas partidas determinados arbitrados são atendidos. Ainda, a sistemática pode privilegiar alguns árbitros, que por possuírem uma maior afinidade com a Comissão de Arbitragem, passam a ser escalados com uma maior freqüência. A pressão é inegável, pois o árbitro ao ser excluído em razão de uma característica própria, pode querer mudar sua forma de atuação para que não seja preterido em sorteios.
Neste contexto, ganha relevância a declaração prestada pelo Presidente da Agremiação do América, Sr. Marcus Vinícius Salum, pois bem resume o pensamento de diversas agremiações que participam do campeonato. Em razão do método subjetivo adotado, em que os árbitros são selecionados a bel prazer da Comissão de Arbitragem, sem qualquer critério objetivo, “o depoente entende que os árbitros não são desonestos, mas que não agüentam as pressões feitas pelas agremiações do Cruzeiro e do Atlético e, influenciados psicologicamente, acabam por prejudicar outras equipes”.”…
* Nos links abaixo veja a íntegra do relatório e as recomendações à FMF e CBF
RECOMENDAÇÃO FMF ARBITRAGEM
RECOMENDAÇÃO CBF
RELATÓRIO INQUÉRITO CIVIL