Ao ver Neymar pai e Neymar filho em entrevista exclusiva armada com o Fantástico para tentar explicar os dribles nos fiscos da Espanha e do Brasil, lembrei-me do imortal personagem do também imortal ator Rogério Cardoso, o “Rolando Lero”. Quase todo brasileiro pagamos os olhos da cara em impostos, mas um cidadão por ser craque de futebol se acha diferente. Que a Receita e a Justiça cuidem bem do caso.
Coincidentemente, acessei agora há pouco o excelente blog do conterrâneo jornalista Sergio Utsch, correspondente do SBT na Europa, morador de Londres, onde ele conta histórias muito interesses dos maiores craques do Barcelona, Messi e Neymar, e a forma de ser solidário de cada um. Confira:
* “Futebol, guerra e interesses – A história do afegão que conquistou Messi e dos sírios que não comoveram Neymar.”
O caso do menino Murtazi Ahmadi jogou luzes sobre um das faces mais bonitas do futebol. O afegão, de cinco anos, fez com que uma sacola de plástico mexesse com os brios do melhor jogador do mundo. Sem dinheiro pra comprar a camisa da Argentina e do ídolo Messi, ele fez do improvável o possível. Com a ajuda do irmão, transformou a sacola do supermercado em uma camisa com listas brancas e azuis com o nome do ídolo argentino escrito em insistentes traços de caneta.
A imagem viralizou. Messi se comoveu e convidou o garoto para uma viagem a Barcelona.
Era outubro de 2014. Estávamos na fronteira da Síria com a Turquia, num momento em que milhares de pessoas fugiam de Kobane, cidade no lado sírio, que estava sendo invadida pelo Estado Islâmico. Entre os refugiados que se amontoavam nas praças, mesquitas e centros comunitários, havia muitas crianças. Já naquela época, elas eram pelo menos metade dos refugiados, segundo a ONU. Milhares delas tinham função de ficar na fila da comida pra garantir pra elas e pro restante da família o que, pra muitos, era a única refeição do dia. Aqui, o link para o documentário que fizemos. Aos 18:50, tem o trecho que mostra a luta dos pequenos por comida.
Por onde passávamos, a palavra Brasil logo remetia a futebol, a Neymar. Trazia alegria. O brasileiro fazia os olhos da criançada brilharem. Era um raro momento de felicidade no meio de um ambiente tão hostil. Foi o que me motivou a mandar um email pro Barcelona e pedir a ajuda do Neymar. Senti que havia chances quando recebi uma ligação de um assessor do time, que ficou sensibilizado com a história. A ideia era que o brasileiro gravasse um vídeo, amador mesmo, pra levar pras crianças. Óbvio que eu queria exibi-lo na reportagem. Seria um super ganho. Mas se Neymar não quisesse que publicássemos o vídeo, eu levaria apenas pras crianças. Faria esse acordo sem o menor constrangimento. Já seria uma vitória. Neymar não topou. A cobertura seguiu.
Crianças sirias na fila da comida, em Suruç, fronteira Turquia/Síria |
No mês seguinte, o brasileiro topou gravar um video amador, em que declarava apoio ao candidato da oposição, Aécio Neves, do PSDB. Neymar preferiu tomar partido na política a tomar partido das crianças sírias. É compreensível se ele de fato avaliou que o Brasil e o futuro das crianças brasileiras deveriam ser a prioridade.
Não sei se a mensagem chegou ao Neymar. E se chegou, nunca soube se foi ele quem decidiu. No patamar em que ele está, cada movimento fora de campo é meticulosamente estudado com os treinadores do marketing. A imagem das crianças sírias gritando o nome dele não viralizou como a do pequeno fã afegão de Messi. A repercussão de uma reportagem em uma emissora brasileira ou um vídeo caseiro exibido exclusivamente pra crianças de um país em guerra talvez não repercutisse tanto quanto a história que Messi e o menino afegão estão prestes a protagonizar.
Fato é que o argentino que, obviamente, também vai valorizar um pouco a sua imagem com a última boa ação, tem muito a ensinar ao brasileiro. Dentro e fora de campo.
http://sergioutsch.blogspot.co.uk/2016/02/futebol-guerra-e-interesses-historia-do.html