Jairzinho, o “Furacão da Copa” de 1970, colaborou com a ditadura militar brasileira. O nome dele está em documentos do relatório apresentado pela Comissão da Verdade. A participação de jogadores, dirigentes e colegas da imprensa esportiva tanto no golpe de 1964 quanto na repressão que se seguiu é muito pouco falada; mistério, mas foi forte, já que o futebol era usado pelo regime para esconder o que se passava nos porões da ditadura.
Recebi e-mail do Presidente do Sindicato de Engenheiros de Minas Gerais – Senge -, Raul Otávio da Silva Pereira, manifestando a sua tristeza, como cruzeirense, pela atuação do Jairzinho nesta triste página da história do Brasil. Confira, na íntegra:
“Lembro-me de ter escutado o jogo final (Cruzeiro 3 x 2 River Plate) em cima de um muro na minha casa, em Cuiabá, tentando fazer milagres para que o velho Transglobe da Philco pegasse algum sinal da transmissão. Até promessa fiz na época, na inocência dos meus 15 anos – me comprometi a fazer a pé o caminho entre a minha casa e a Universidade Federal – algo como 5 quilometros, nada assombroso – ir ao clube da Universidade, nadar e voltar também a pé, sem tomar um único gole de água que fosse. Promessa feita, promessa cumprida. Foi minha forma de me penitenciar e agradecer pelo título inédito.
Foi uma decepção muito grande ver o nome do Jairzinho nesse documento. Nada de revanchismo e muito menos “caça às bruxas” – apenas acho que todos brasileiros devem entender o papel que figuras de destaque nacional – como ele – desempenharam durante o regime de exceção no país.
Nunca é demais lembrar que nesse ano, em que a maioria de nós ainda era criança, vários crimes e situações anti-democráticas foram perpetrados pelo governo da época, presidido por Geisel. Basta consultar o Google. Quantas pessoas eventualmente podem ter sido presas, torturadas ou assassinadas por atos como esse ? Quantas “culpas” Jairzinho talvez carregue em sua consciência ?
Nada a pontuar a respeito. Cada um sabe da sua vida. Mas que esse momento da vitória na Libertadores – inesquecível para milhões de cruzeirenses como eu – pelo menos para mim ficou com uma mancha, um “gosto de guarda-chuva na boca”, não há como negar.
Recentemente, no dia 24 de dezembro, Jairzinho deu uma entrevista no rádio, no dia em que fez 70 anos de idade. Me chamou a atenção a forma pouco elegante na qual ele “chamou prá si” a responsabilidade e o comando daquele timaço campeão da Libertadores em 1976. Não dei muita atenção naquele momento, em respeito à sua idade. Mas ele falou como se Raul, Nelinho, Eduardo, Palhinha, Joãozinho, Zé Carlos, Vanderlei e outros – inclusive Roberto Batata, falecido durante o torneio – fossem meros coadjuvantes, apenas esperando que o “Furacão da Copa” os liderasse rumo ao título. Todos sabemos que não foi bem assim. Poderíamos dizer talvez que a chegada de Jairzinho naquele ano foi a “cereja do bolo” em um time que todos conheciam, respeitavam e temiam. E no final deu certo, o time foi campeão com sobras.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas é praticamente impossível não fazer uma ligação – o senhor septuagenário sem um pingo de humildade com o jovem adesista e delator da década de 70. Talvez seja uma falha de caráter característica desse cidadão – independentemente de quantos anos de idade tenha.
Que pena.” Raul Otávio da Silva Pereira
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