Em espaço nobre, capa do caderno de esportes, onde só “bolas da vez” ou gente consagrada tem este privilégio. É o Marcelo ocupando o lugar que merece na imprensa nacional, graças ao seu trabalho, sua simplicidade e evidentemente aos resultados dentro de campo, que vêm desde os tempos de Coritiba. O Cruzeiro deu a ele estrutura e condições ideais de trabalho e ele é grato a isso e quer ficar muito tempo na Toca da Raposa.
Quem gosta de futebol vai gostar da fala do moço de Pedro Leopoldo:
* “Técnico do Cruzeiro, Marcelo Oliveira fala sobre seu trabalho no líder do Brasileirão”
Ele critica a formação de jogadores e contesta quem afirma que os treinadores brasileiros estão ultrapassados
por Carlos Eduardo Mansur
Marcelo Oliveira é um dos seis técnicos presentes no comando de um time nas 31 rodadas do Campeonato Brasileiro – Divulgação / Vipcomm
Líder do Campeonato Brasileiro há mais de um ano com o Cruzeiro, responsável por montar o melhor time do país, Marcelo Oliveira não acredita na tese de que o treinador brasileiro está ultrapassado. Ele vê problemas na formação do jogador brasileiro, a quem considera autossuficiente e reativo a cumprir funções táticas. Inspirado em Telê Santana, prepara o Cruzeiro em treinos em que só são permitidos dois toques e onde parar a bola é falta. Tudo para aperfeiçoar a posse de bola e a qualidade técnica, base de seu trabalho: “Prefiro marcar com jogadores técnicos”.
Quem quiser ser campeão brasileiro ainda tem alguma chance?
O campeonato é muito perigoso, muito difícil. Tem muito jogo ainda. O Cruzeiro é candidato, mas precisa estar muito mobilizado. Passamos um sufoco danado contra o Grêmio. Está totalmente aberto.
Chama atenção o estilo ofensivo…
Meu trabalho é direcionado para isso. Em 2011, o Coritiba foi o melhor ataque do Brasil. É uma vocação. No futebol moderno, se não marcar, tende a perder. Só que prefiro marcar com jogadores técnicos. Telê Santana me dizia quando eu jogava: “você é muito habilidoso, mas pode marcar”. Para marcar é só estar organizado e ter um pouco de boa vontade para ajudar o time. Lucas Silva não é exímio marcador, é volante técnico. Henrique também. Nossos laterais são ofensivos. Você vai ser atacado em algum momento. Santos e Grêmio chegaram na cara do nosso goleiro. Mas se você tem jogadores técnicos, quando tiver a bola a tendência é sair coisa boa.
Que influências recebeu de Telê?
A orientação ofensiva e a obstinação pelos fundamentos: passe, domínio, cabeceio, virada de jogo. Ele dizia que time bem preparado não precisa se desconcentrar e falar com árbitro. Tinha princípios de correção, lealdade. O Cruzeiro está se propondo a jogar o tempo todo.
Qual a maior virtude do Cruzeiro?
Vem do ensaio. Nosso treino diário é de dois toques e não pode parar a bola. Se parar, marco falta. Isso fica na memória do jogador. Assim, quem tem a bola não vai driblar, e o colega terá que dar opção. Perto da bola, tem que ter dois ou três colegas. Assim você enfrenta defesas fechadas.
Mas o drible é permitido?
Claro. Perto do gol, próximo da área. É recurso. Em partes do treino eu solto para a criatividade aflorar. A criatividade do jogador é decisiva. Éverton Ribeiro, por mais que o marquem, num momento ou outro vai abrir espaço. Mas se os adversários se fecham, também não podemos deixá-los chegar no nosso gol. Temos que apertar muito sem a bola.
Você tirou lições da Copa?
O que tirei vem de encontro ao que penso do futebol. Em sua essência, futebol é muito simples. Os grandes times que vi, como o Atlético-MG de 1977 em que joguei, o Flamengo dos anos 80, o Cruzeiro de 1976, o Santos, enfim, havia um ou outro jogador genial, mas o tipo de jogo era simples, dois toques, “não tá comigo a bola”, vai envolvendo o adversário sem deixá-lo pegar a bola. Só tem uma bola em campo. Então, se ela estiver comigo o outro não faz o gol. O sentido coletivo fala mais alto e a Copa reforçou isso. Em especial na Alemanha. Vi na Alemanha atletas muito concentrados. Você não vê ninguém com brinco, os braços todos carimbados de tatuagem, cabelo amarelo. Bom, alguns já são louros (risos). Era um jogo simples, de dois toques e envolvimento. Se precisasse, o Klose dava carrinho e o lateral fazia gol. Movimentação organizada. Não vi nada mirabolante.
Por que o Brasil não fez o mesmo?
Tudo passa pelo tempo de preparação. Cobram muito das equipes brasileiras, mas a seleção não treinou. A Alemanha teve sete anos. O treinador brasileiro não é preguiçoso. Não dão tempo. Quantos técnicos o Vitória já teve? E o Coritiba? E jogadores são comprados e vendidos. O apelo ao comércio é enorme. Assim não há filosofia de trabalho. O Brasil se reunia esporadicamente para amistosos, às vezes, contra um time mais forte, às vezes contra um mais fraco, por questão política e financeira. E não se forma time. No Cruzeiro, há jogadas treinadas. Mas outras saem da repetição. O time se conhece.
Você não concorda que os técnicos brasileiros estão ultrapassados?
Não concordo, não são ultrapassados. Vivemos aqui numa briga de foice. Não se pode perder. As vitórias do Cruzeiro, sempre digo, são trabalho conjunto: comissão técnica, jogadores, diretoria. Então, quando eu tiver uma fase difícil, não pode ser só culpa do técnico.
Mas por que aqui há pouco passe, pouco jogo coletivo e muita correria?
Tem a ver com a conscientização do jogador. O jogador brasileiro ainda é um pouco autossuficiente. O cara quer dar um passe de curva… Ele se mobiliza e desmobiliza muito rapidamente. É reconhecido por dois jogos muito bons e se perde nisso. Lá fora, joga bem uma partida, vai para o banco e não reclama. Aqui no Cruzeiro não tive este problema. Mas há um tempo, fui falar com um jogador que iria tirá-lo. O cara deu entrevista falando que pensou até em largar o futebol. É questão da base, da formação. Criar uma consciência profissional e de cumprimento de parte tática. Não passa só pelo técnico.
O jogador brasileiro tem dificuldade em cumprir função tática, então?
Alguns ainda relutam muito. Temos dificuldade de cumprir uma estratégia fora de casa, por exemplo. Na Libertadores, sofremos. É preciso cobrar e conscientizar. Ainda tem jogador que pensa que, como somos o país com mais títulos mundiais, só pela ginga e pelo drible vai resolver. Não são todos, mas alguns têm autossuficiência, só querem jogar com a bola.
Nós formamos mal os jogadores?
É preciso separar. Há clubes grandes que formam muito bem e há centenas de outros que, com a ampliação do comércio, pensam muito mais em quanto vai valer um tipo de jogador. Outro dia vieram me falar: “tem um jogador que em três anos vai valer 10 milhões”. Eu falei que precisava saber o quanto ele ia jogar pelo clube, se ia ser ídolo. Isso deteriorou a formação. O futebol atraiu gente que não é do meio, que veio para fazer negócio e ganhar dinheiro. É o apelo comercial. Dizem que há mil jogadores fora do Brasil. Se pegar 100 deles e colocar cinco em cada time da Série A, já melhoraria bastante. Mas as chegadas e saídas de jogadores são permanentes aqui, não há trabalho longo. E nossa geração participou muito da pelada de rua. Isso aguçava a criatividade. Hoje, o jovem está preocupado com outros divertimentos: celular, internet. Ainda vamos formar grandes craques, como o Neymar, o Éverton Ribeiro, que é muito criativo, mas em menor quantidade do que antes.
Seu trabalho tem resultado porque é longo ou só é longo porque tem resultado?
Isso eu não posso responder. No Coritiba, também tive um período longo. Mas é um problema. Será que, lá no início, com resultados ruins, eu teria ficado? Mas aqui sempre me deram estrutura.
Um treinador, ao ver o 7 a 1, sente a mesma incredulidade do torcedor?
Uma pequena porcentagem do resultado vem da imprevisibilidade do futebol. Outra parte vem do apelo pela pátria, pela seleção, que foi amplificado demais. Aí, quando vieram os gols, a parte tática foi detonada. O Brasil se abateu. É preciso estar preparado para a dificuldade. Boa parte veio da qualidade e da preparação de sete anos da Alemanha. Eles chegavam perto dos títulos, não venciam, mas o trabalho foi fortalecido. Chegaram ao ponto de atropelar o Brasil aqui dentro.
O nível do Brasileirão é baixo?
Curioso. Está um pouco abaixo em termos de jogadas brilhantes, extraordinárias, times envolventes; mas é dificílimo jogar. . . Há muita pressão por resultado e isso cria um excesso de faltas e passes errados.
Qual o seu plano para o futuro?
Não tenho projeto de longo prazo. O futebol não permite. Meu projeto é doação total ao Cruzeiro, ter prazer de vir aqui todo dia, buscar mais títulos. E talvez um projeto íntimo de mostrar que o técnico brasileiro pode ficar três anos ou mais num clube, como na Europa. Não vou viver mal ou longe de familiares e amigos por causa apenas de dinheiro. Se eu for sair um dia, será por um projeto de trabalho.
http://oglobo.globo.com/esportes/tecnico-do-cruzeiro-marcelo-oliveira-fala-sobre-seu-trabalho-no-lider-do-brasileirao-13709686#ixzz3BWqV8wnT