O comando paulista do futebol brasileiro está cada dia mais forte.
Agora, Marco Polo Del Nero, vice de José Maria Marin na CBF foi nomeado para membro do comitê da Fifa, no lugar do Ricardo Teixeira.
O comandante do futebol é o ex-presidente do Corinthians, que deu essa entrevista ao O Globo, quarta-feira:
“Andrés Sanchez: ‘A seleção vai ousar, vai aprender apanhando’”
Em entrevista da série Preto no Branco, diretor da CBF fala sobre o time de Mano Menezes
RIO — Não espere um comportamento politicamente correto de Andrés Sanches, ex-presidente do Corinthians e atual diretor de seleções da CBF. Ele fuma muito, usa palavrão quase como vírgula e não tem papas na língua. Mas faz de sua franqueza um trunfo. Em quase uma hora de entrevista, Andrés falou de quase tudo e garantiu que todos verão uma seleção diferente a partir de agora. Sempre com toda a franqueza.
Você não acha que tem paulista demais na CBF?
ANDRÉS SANCHEZ: Não. Acho que a representatividade de São Paulo é proporcional ao seu tamanho, à sua população. Em São Paulo, há mais ladrão, mais prostituta, mais sambista, mais médico. São mais de 20 milhões de habitantes. O Rio não chega a 10 milhões. Mas isso é bobagem. Não importa onde você nasce, temos que parar com isso, com bairrismo, clubismo, estas coisas.
Você está morando no Rio ou vai para São Paulo todo dia?
ANDRÉS SANCHEZ: Moro na Barra, num flat, e fico de segunda a sexta no Rio. A sede da CBF é aqui e tenho que estar presente todos os dias. Foi o que me propus quando aceitei o convite do Ricardo Teixeira. Sou um paulistano que adora o Rio. Gosto de samba, da praia, da descontração. Fui outro dia ao Samba do Trabalhador (às segundas-feiras, no clube Renascença, no Andaraí) e fiquei à vontade. Lógico que teve uma ou outra gozação, mas nada demais. Tô achando difícil ir embora da cidade quando meu compromisso com a CBF acabar.
Como está seu relacionamento com o presidente da CBF, José Maria Marin? Vocês já conversaram?
ANDRÉS SANCHEZ: Normal. Falo com ele todos os dias. Já sei o que ele pensa, ele sabe o que eu penso. E nós sabemos o que tem de ser feito. Sei que posso ajudar a seleção.
E o Itaquerão…
ANDRÉS SANCHEZ: Itaquerão é o cacete. É Arena Corinthians. O ritmo das obras está excelente. Também, 90% dos trabalhadores são corintianos. Teve gente que quase apanhou quando foi lá falar em greve.
O diretor de seleções da CBF está satisfeito com o desempenho da seleção?
ANDRÉS SANCHEZ: Ninguém está satisfeito com a seleção. Nem pode estar. Trata-se de um trabalho árduo, que exige paciência. Mas agora estamos iniciando uma nova etapa. Temos que apostar nos jogadores jovens que estão aí. Agora teremos uma base e fica mais fácil cobrar. Quero ver todo mundo comprometido, mas esquece esta bobagem de família. Não tem nada disso. Vocês vão ver a diferença a partir de agora.
Mas o que vai mudar?
ANDRÉS SANCHEZ: A partir de agora, a seleção vai ousar, vai aprender apanhando, vai arriscar, sem se importar com a opinião da imprensa, das críticas. O que eu quero é ganhar a Copa. O povo sabe quais são os jogadores, qual é o time que deve jogar a Copa. Eu sei, você sabe. Mas bastam duas derrotas para começarem a pedir Kaká, Pedrinho e não sei mais quem. O Neymar não é o cara, não ganha R$ 3 milhões? Então vamos para o pau com ele, com o Lucas. Penso muito como o povo, e quase sempre a maioria tem razão.
Mas as derrotas não podem atrapalhar?
ANDRÉS SANCHEZ: Não. Aliás, se eu estivesse aqui na Copa América, teríamos ido com o time olímpico.
O Mano corre risco se for mal nas Olimpíadas?
ANDRÉS SANCHEZ: Não. Se bem que o regime na CBF é presidencialista. Já falei que o objetivo maior é a Copa do Mundo e, pela minha experiência como dirigente, posso afirmar que ficar trocando de treinador não ajuda. Aliás, só atrapalha. O Mano errou e acertou. Ele sabe perfeitamente o quanto os resultados são importantes neste país.
A seleção está perdendo tempo com Ronaldinho Gaúcho?
ANDRÉS SANCHEZ: Não acho que esteja perdendo tempo. Esta nova geração ficou sem o apoio de três ou quatro para fazer a transição. É questão de momento. Agora, jogadores como Ronaldinho, Kaká, Robinho, Júlio César, Maicon, Lúcio não precisam ficar sendo testados na seleção. Se estiverem bem na hora da Copa do Mundo, serão chamados. É simples. Mas não podemos ficar apostando nisso.
Mas o que explica sua inclusão na lista dos jogadores que podem ir aos Jogos Olímpicos?
ANDRÉS SANCHEZ: Não podemos saber hoje quem vai estar bem nas Olimpíadas. Fizemos uma lista longa. Precisávamos da assinatura dos jogadores, dos documentos. Como a seleção estava convocada, pegamos de quem estava lá.
Você está dizendo que Ronaldinho não vai às Olimpíadas…
ANDRÉS SANCHEZ: Não é que ele não vai. Até porque, quem decide é o Mano. Mas pelo planejamento que fizemos, a história é outra.
Ronaldo e Mano acham que seria melhor o Neymar ir para a Europa depois das Olimpíadas. Você também pensa assim?
ANDRÉS SANCHEZ: Futebolisticamente falando, seria bom para ele. Queiram ou não, na Europa estão os melhores jogadores. Na parte material não vejo tanta vantagem. Ele está numa situação excelente. Agora, pensando como diretor de seleções, é lógico que é melhor que ele fique. Mas se Neymar fosse do meu clube, eu teria vendido ele. Era muito dinheiro envolvido.
Os compromissos extra-campo do Neymar podem atrapalhar seu desempenho dentro de campo?
ANDRÉS SANCHEZ: O que o jogador faz fora do seu horário de trabalho não nos diz respeito, a não ser que esteja interferindo no seu desempenho no campo. Só quando ele está no campo, trabalhando, que é problema nosso.
Você é amigo de jogador?
ANDRÉS SANCHEZ: Sou, de vários. Qual o problema? Tem muita hipocrisia no futebol. Mas eles sabem que ninguém cobra mais do que eu.
Como é sua relação com as torcidas organizadas?
ANDRÉS SANCHEZ: Eu vim de torcida organizada. O torcedor quer ser ouvido, quando isso acontece, dificilmente tem confusão. Tivemos vários momentos delicados, de muita pressão no Corinthians. Após a eliminação na pré-Libertadores, uns torcedores foram à minha sala pedir a demissão do Tite. Peguei o telefone na frente deles e liguei para o meu diretor financeiro. Perguntei quanto era a multa. Ele disse que era de R$ 1,2 milhão. Tirei na hora R$ 100 do bolso e disse que cada um de nós teria que contribuir, pois o clube não tinha dinheiro. Lógico que eles recuaram.
O Ronaldo disse recentemente que não descarta a possibilidade de vir a disputar a presidência da CBF em 2015, quando ocorrerão novas eleições.
ANDRÉS SANCHEZ: É um direito que ele tem. Mas antes de jogador ficar falando de outras coisas, precisa primeiro arrumar a casa deles. Até hoje não há um sindicato forte de jogadores, que represente e lute pelos 90% dos jogadores que ganham no máximo dois salários. Nomes como Romário, Ronaldo, Rogério Ceni, Paulo André deviam usar seu prestígio para fazer alguma coisa pela classe deles.
Você se aconselha com o ex-presidente Lula sobre seu futuro no futebol?
ANDRÉS SANCHEZ: Lula é um grande amigo, meu líder, meu ídolo. Sei da minha importância no futebol e gostaria de ter 10% do poder de articulação, da inteligência do presidente Lula. Como ele, eu também vim do sindicato, aprendi a negociar. Isso ajuda muito no meio do futebol.
Você já foi vítima de preconceito por não fazer parte da aristocracia que sempre comandou o nosso futebol?
ANDRÉS SANCHEZ: Tenho amigos negros, gays, deficientes físicos. Quando eles falavam em preconceito, achava exagero. Mas quando fui presidente do Corinthians entendi o que eles sentiam. Tenho apenas o ginásio. Fui vítima de preconceito por não ter diploma universitário. Isso certamente me atrapalhou. Mas também acho que não é o fim do mundo.
Você vai ao cinema, está lendo algum livro?
ANDRÉS SANCHEZ: Nem lembro a última vez que fui ao cinema. Vou muito a shows. Livro também não tenho lido, a não ser o sobre o Corinthians. Tem uns 132 pelo menos.
Se o Brasil perder a Copa?
ANDRÉS SANCHEZ: Se isso acontecer, vou ter que sair do país, até pelo meu jeito de ser. Já sou cobrado hoje, me param na rua para dizer que a seleção é uma merda, que a CBF é isso, que fulano é aquilo, que tem que convocar determinado jogador. Imagina se perdermos a Copa…