O jornalista Ariel Palácios é corresponde da Globo News e do Estadão em Buenos Aires.
Muito bom de serviço.
Escreveu, em 2009, um relatório sobre o presidente da Associação de Futebol da Argentina, a poderosa AFA, equivalente à CBF.
Perto dele, que está há 32 anos no poder, Ricardo Teixeira, que está há 22, é filhote.
Confira a ótima reportagem do Palácios:
* “Grondona, o homem que sobreviveu a quatro ditadores, nove presidentes e um papa”
de Ariel Palacios
Don Julio, presidente da AFA, tem no dedo mindinho um anel com dizeres ‘Tudo passa’. Seus críticos rebatem: ‘tudo passa, menos ele’. Grondona, enquanto assiste um jogo entre as seleções da Argentina e da França (fotografia da Presidência da República)
Julio Grondona, ou, simplesmente “Don Julio”, está há 30 anos no comando da Associação de Futebol da Argentina (AFA). Nesse período, o poderoso Grondona, que – segundo os analistas esportivos – domina a organização sem oposições e questionamentos, sobreviveu com apenas uma Copa do Mundo conquistada (México 1986), oito greves de jogadores, três paralisações de árbitros, mais de 40 casos de doping dos jogadores da seleção, além de acusações de corrupção e de vínculos controvertidos com o poder e empresários amigos que possuem negócios comerciais com a AFA. Apesar dos problemas, Grondona relativiza os contratempos e pronuncia sua frase preferida: “tudo passa”.
Essas duas palavras estão gravadas em letra de forma em um enorme anel de ouro que ostenta no rechonchudo dedo mindinho da mão esquerda. Seus críticos – que o definem como um “autocrata”, comentam: “sim, ‘tudo passa’…menos Grondona, que continua ali”.
Desde seu escritório na rua Viamonte, Grondona viu o poder político passar, enquanto ele permanecia incólume. De 1979 para cá a AFA teve um único presidente. Mas, a República Argentina já está no décimo-terceiro presidente desde aquela época (os generais e ditadores Jorge Rafael Videla, Roberto Viola, Leopoldo Fortunato Galtieri e Reynaldo Bignone, os presidentes civis constitucionais Raúl Alfonsín, Carlos Menem, Fernando De la Rúa, Ramón Puerta, Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Camaño, Eduardo Duhalde, Néstor Kirchner e a atual Cristina Kirchner).
Pouco tempo antes do papa João Paulo II morrer, Grondona ufanou-se: “estou há quase tanto tempo na AFA como o papa no Vaticano”. Ele também poderia alardear que está há mais tempo no posto do que o espanhol Ángel María Villar, da Real Federação (21 anos) ou Ricardo Teixeira da CBF (20 anos).
Videla, que deu a bênção à posse de Grondona
Grondona foi eleito em 1979 com apoio do almirante Alberto Lacoste, encarregado da Ditadura de organizar a Copa de 1978. E a bênção do ditador general Jorge Rafael Videla. Na ocasião, era visto como uma opção transitória, já que o candidato preferido dos clubes, Ignacio Ercoli, declinou o convite com o argumento (no qual ninguém acreditou) de que não estava disposto a ir a Buenos Aires todos os dias desde a cidade de La Plata (informações extra-oficiais indicam que havia ficado assustado com a truculência de Lacoste), a 57 kms de distância.
Mas, nos seguintes 30 anos, o “provisório” Grondona foi reeleito sete vezes. Somente uma vez enfrentou um opositor, o ex-técnico Teodoro Nitti, em 1991. Nitti conseguiu um único voto. Grondona teve 40. A última reeleição foi no ano passado. O atual mandato conclui em 2012. Não existem especulações sobre um eventual sucessor de Grondona que não seja o próprio Grondona.
Um de seus críticos, Raúl Gómez, ex-presidente do time Vélez Sársfield, afirma que nas assembleias da AFA ninguém ousa perguntar coisa alguma a Grondona. “Quem faz uma pergunta é calado com os assobios dos amigos do Grondona”. Segundo ele “Grondona diz que empresta dinheiro aos times. Mas é dinheiro dos times! Ninguém denuncia coisa alguma porque existe medo. Não é um medo pessoal. Mas sim, medo que Grondona prejudique o time ao qual pertence”.
CRISES E SOBREVIVÊNCIA – Desde que Grondona está no comando, a AFA teve sete técnicos da seleção (César Luis Menotti, Carlos Salvador Bilardo, Alfio Basile, Daniel Passarella, Marcelo Bielsa, José Pekerman, novamente Alfio Basile, e o atual Diego Maradona.
Nestas três décadas Grondona também sobreviveu às quatro graves crises econômicas (sem contar a atual) que assolaram a Argentina e os clubes. Também passou incólume pela polêmica gerada pela violência nos estádios (do total de 234 mortes de torcedores, 135 ocorreram durante sua administração)
Os críticos de Grondona afirmam que ele montou uma estrutura que permitiu a consolidação de “uma AFA rica e clubes pobres”. Os times pequenos, de menor influência política e econômica são os mais afetados. Em 1982 instalou um sistema de queda para divisões inferiores que beneficiou os grandes times, já que é praticamente impossível cair de categoria. Somente um deles, o Racing Club, caiu para a segunda divisão, entre 1983 e 1985.
Fontes do setor esportivo que consultei em Buenos Aires indicaram que nenhum governo ousa pressionar pela remoção de Grondona do posto. “Nos últimos anos sempre existiu uma ameaça velada, lá de Zurique (cidade onde está a sede da FIFA), de que se Grondona for removido, a Argentina poderia ficar fora da seguinte Copa”, explicaram as fontes.
O presidente da AFA também possui influências mais além das fronteiras argentinas. Grondona – que não fala outro idioma além do castelhano – preside a Comissão de Finanças da FIFA. Além disso, me disse o analista esportivo Ezequiel Fernández Moores, autor de livros sobre negociatas no futebol argentino, “Grondona foi elemento crucial na reeleição de Joseph Blatter, presidente da FIFA, em 2002”.
Segundo Fernández Moores, Grondona conta com uma vantagem comparativa sobre outros cartolas: “ele foi jogador de futebol, presidente de um time pequeno, depois de outro time grande, e finalmente da AFA. Conhece de perto o funcionamento desse mundo. Muitos cartolas, como o próprio Blatter, nunca tiveram essa experiência. Além disso, segue muito bem a frase do ex-primeiro ministro italiano Giulio Andreotti, que dizia que ‘o poder só desgasta aquele que não o tem’. E Grondona sabe usar muito bem o poder…”.
‘Don Julio’ ufana-se de estar no comando da AFA por um tempo superior àquele que Karol Józef Wojtyła esteve no trono de São Pedro como Joannes Paulus II
FRASES DE GRONDONA
– “Tudo passa” (bordão de Grondona, que até está gravado em seu anel)
– “Estou no comando da AFA o mesmo tempo (de duração) que o Papa está governando o mundo”
– “Fui escolhido pelos clubes, não pelo almirante Alberto Lacoste” (quando defende-se das acusações de que um dos homens mais poderosos da Ditadura teria ordenado sua designação, em 1979).
– “A AFA é minha vida e não a troco por nada!”
– “Dizem que há muito tempo estou na AFA…é verdade…mas, quanto tempo faz que estão (em seus cargos) os empresários que comandam as grandes empresas do país? E há quanto tempo estão os sindicalistas? Então, qual é o problema?”
– “O mundo do futebol é difícil, de muito trabalho…e os judeus não gostam das coisas difíceis” (afirmação que fez quando comentava o motivo pelo qual – segundo ele – não existiam árbitros judeus na Primeira Divisão local).
– “Eu também tenho amigos judeus!” (argumento de Grondona, quando teve que colocar panos quentes e retratar-se diante da polêmica que gerou com sua frase de que “os judeus não gostam de coisas difíceis”)
– “Quando é que vou me aposentar? Nunca, pois aquele que se aposenta, morre”
GRONDONA, AS TIME GOES BY
Tal como na letra da emblemática música do filme ‘Casablanca’, a “As time goes by” (Assim passa o tempo), aqui vai a cronologia de Grondona. O ‘time goes by’, mas Grondona permanece…
1931 – Julio Humberto Grondona nasce na cidade de Avellaneda, Grande Buenos Aires. Na juventude foi jogador de futebol, embora sem destaque.
1957 – Grondona e seu irmão Héctor fundam o clube Arsenal, na cidade de Sarandí, na província de Buenos Aires
1976 a 1979 – Presidente do clube Independiente
1979 – É designado presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA)
1982 – Argentina fica em décimo primeiro posto na classificação da Copa da Espanha
1983 – Ditadura termina. Grondona ressalta que é filiado à UCR desde 1963, partido que vence as primeiras eleições livres. É reeleito para o cargo de presidente da AFA
1986 – Argentina vence a Copa do México
1987 – É reeleito para o cargo de presidente da AFA
1988 – Torna-se um dos vice-presidentes da FIFA
1990 – Argentina, vice-campeã na Copa da Itália
1991 – É reeleito para o cargo de presidente da AFA. Pela primeira vez, aparece um candidato opositor, que só consegue um voto.
1994 – Argentina fica em décimo primeiro lugar na Copa dos EUA
1995 – Grondona afirma que votou na reeleição do presidente da República, Carlos Menem. É reeleito para o cargo de presidente da AFA
1998 – Argentina fica em sexto posto na Copa da França
1999 – É reeleito para o cargo de presidente da AFA
2000 – Deputados denunciam Grondona por administração fraudulenta. Dois anos depois, processo é encerrado, Grondona fica livre de culpas.
2002 – Argentina fica em décimo oitavo posto na Copa de Coréia-Japão.
2003 – Grondona desmente rumores de renúncia e diz: “A AFA é minha vida”. É reeleito para o cargo de presidente da AFA
2006 – Argentina fica em sexto lugar na Copa da Alemanha
2008 – É reeleito para o cargo de presidente da AFA
2009 – Completa 30 anos no poder.
* PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.
Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).