Chega de saudade
Senhor presidente
Ao final do Campeonato Brasileiro, pode parecer estranho uma mineira cruzeirense escrever ao presidente do Atlético. Eu deveria estar na rua comemorando o quarto lugar e a classificação na Libertadores. Não estou.
Explico: sou a única cruzeirense da família. Ao me casar, filha única, achei que meus futuros filhos ficariam deslocados entre os primos da enorme família atleticana do meu marido. Abri mão de discussões inúteis e deixei que as crianças herdassem o espírito atleticano do pai, uma companhia muito melhor para as idas aos estádios.
No berçário, os objetos de meus filhos – fraldas, mamadeiras, roupinhas – eram gravadas com um galo, embora minha primeira filha viesse ao mundo em 1977, quando o Atlético, contra tudo e contra ele mesmo, entregou o título ao São Paulo numa infeliz disputa de pênaltis (cá entre nós, naquele domingo eu me arrependi bastante de ter aberto mão da raposinha faceira).
A década de 80 começou com o nascimento do segundo filho e bons momentos do Atlético no campeonato mineiro. Houve uma época em que ele estava tão bem que um E.T. desceu no Mineirão em uma nave dizendo, com voz metálica, que a fama do time tinha chegado aos outros planetas e que ele estava ali para conhecer a grande maravilha. Os torcedores vibraram. Era a época em que o Galo era forte e vingador, honrava o nome de Minas e merecia um bolo gigante pelo aniversário, também em pleno Mineirão, dele saindo uma revoada de pombos. Delírio da massa.
Em casa, as histórias eram contadas sobre as conquistas e os ídolos inesquecíveis. Dario, Ortiz, Mazurkiewicz, Reinaldo, Paulo Isidoro, Cerezzo, Cincunegui, Guará e Telê – ah, o Telê! Vitórias inesquecíveis sobre o Cruzeiro. Como eu chorava!
O tempo foi passando, os títulos escasseando e meus filhos começaram a se cansar de viver das glórias do passado – chega de nostalgia. Queriam um time que eles vissem ganhar. O brilho dos olhos do pai era pouco para eles. Queriam ter seus próprios brilhos, suas próprias alegrias, seus próprios gritos de gol. O direito de ser feliz não podia estar preso ao passado.
Em 2006, nem comemoraram o título da série B, pois não conseguiam se esquecer que o título só foi conseguido porque antes o time desceu. Assim, as conquistas mais recentes do Atlético são única e exclusivamente da torcida: maior média de público em 2009, recorde absoluto de público no Brasileirão de 2006.
Venho, então, respeitosamente à sua presença, com uma pergunta: até quando meus filhos e essa maioria de torcedores mineiros vão sofrer por um amor não correspondido? O senhor acredita que “são apenas coisas do futebol”, o Atlético liderar por oito rodadas e acabar em oitavo lugar depois de cinco derrotas seguidas? Acha certo a falta de raça, o pouco empenho, os erros primários, o saldo negativo de gols? Pensa que é normal virar “Galo fraco e perdedor?” Acredita que um clube não tem responsabilidade com o fato de uma moça de 32 anos e um advogado de 29 nunca terem gritado campeão a não ser pelo fraco campeonato mineiro? Que exemplos o Atlético tem passado para os jovens, adolescentes e crianças além do pouco caso com os sentimentos alheios?
Como objeto de amor e paixão de um público enorme, que valores o Galo tem ensinado? Que nadar e morrer na praia é melhor do que nadar e morrer no mar? Que falta de inteligência, de respeito e de critério podem conviver com o descompromisso e o amadorismo porque a torcida, como mulher de malandro, não se importa de apanhar?
Desculpe uma mãe se dirigir tão duramente a um presidente, mas o Atlético de hoje merece, e o Atlético é o senhor em primeiro lugar porque tem nas mãos os destinos do clube. Perder, empatar e ganhar fazem parte do jogo. Mas estou cansada de em casa ensinar causa e efeito, ato e conseqüência, raça e dedicação, e ver um time jogar tudo isso por terra em uma única partida. Já não é questão de ser cruzeirense ou atleticano. Virou questão de caráter.
Anualmente as empresas apresentam seus balancetes para divulgar perdas e lucros; síndicos prestam contas de suas administrações aos moradores; políticos vêem reveladas suas atividades – sujas ou não. Por que o futebol, que movimenta milhões de reais e milhares de emoções, não presta contas a quem de fato e de direito merece – os torcedores? Por isso, tenho uma sugestão: que tal o Atlético inovar e divulgar seus números de 2009 para o julgamento da torcida? Por exemplo: quantos pênaltis sofridos e quantos convertidos; finalizações certas e erradas; passes errados; gols convertidos e desperdiçados; bolas na trave; quantos cartões; faltas cometidas; perdas de bola; quantas camisas perdidas pelo excesso de suor (empenho) do jogador e quantas nem precisaram ser lavadas para o próximo jogo porque o atleta passeou em campo; quantas falhas foram analisadas e corrigidas pelo técnico e quantas foram passadas em branco com a simples promessa de “levantar a cabeça”? Havia punição para erro primário?
Sabendo que a falta de títulos é um indicativo da falta de respeito e de compromisso com o público, por que o Atlético não copia o time que no campeonato inglês, em novembro, devolveu aos torcedores o preço dos ingressos da partida em que ele foi goleado por 9 a 1 junto a um pedido de desculpas? Por que o Atlético não pede desculpas à torcida pelas infelicidades de 2009? E como promessa a ser cumprida de fato em 2010 por que seu clube não garante que a partir de agora vai fazer de tudo para recuperar o poder de encantamento, perdido sabe-se lá quando e onde. Por que seu clube não volta a sonhar alto? Chega de se contentar com a planície. Chega de saudade.
Senhor presidente, quero meus filhos gritando gol, campeão, forte e vingador. Quero meus filhos respeitados na mesma proporção em que eles respeitam o clube. Quero que a letra do hino seja concretizada em campo e não apenas uma poesia. Acho que passou da hora de eu começar a chorar pelo meu time. Já estou com vergonha de comemorar sozinha.
Respeitosamente,
Nilza Helena